Polêmicas da Amazônia estão no radar da CNBB, diz dom Hudson
Bispo diz que é triste e ao mesmo tempo absurda a não proteção das terras e do povo Ianomami, que até agora não foi resolvida
Wilson Nogueira, especial para o BNC Amazonas
Publicado em: 24/02/2024 às 09:52 | Atualizado em: 25/02/2024 às 10:22
A exploração de petróleo na foz do rio Amazonas, as empresas mineradoras, a invasão das áreas indígenas e o desmatamento da floresta Amazônica, sobretudo para áreas de pasto, estão entre os desafios a ser enfrentados pela Igreja Católica na Amazônia como sinal profético no anúncio do evangelho e denúncia contra todas as formas de atentado à vida.
A avaliação é do bispo auxiliar da Arquidiocese de Manaus, Dom Hudson Ribeiro, ordenado bispo no dia 02 de fevereiro. O religioso é o primeiro bispo nascido em Parintins a ser a ser nomeado pelo Vaticano.
A recomendação explícita para a atuação da Igreja na Amazônia, por meio da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB – Regional Norte I), é também resultado das recomendações do Sínodo da Amazônia (2019) ao Papa, que o acolheu no documento Querida Amazônia e na exortação apostólica Laudato Deum (2023).
Este último é o documento mais recente apela por soluções imediatas para a crise climática e seus efeitos sobre o planeta e sobre a vida que nele habita.
“Na Laudato Deum observa-se que o Papa tem a coragem de nominar quem realmente atenta contra a vida do planeta”, disse Dom Hudson.
“É uma denúncia e um apelo corajoso que o Papa Francisco vêm fazendo ao mundo para que se salve o planeta”, ao falar da ecologia integral, desde os documentos Fratelli Tutti, Laudato Si, Querida Amazônia e a recente Laudato Deum.
Estes também são documentos portadores de esperança, pois é possível ainda salvar o planeta”.
É oportuno esclarecer, segundo Dom Hudson, que “as diretrizes ecológicas apontadas pelo Papa Francisco não vêm apenas da cabeça dele [Francisco], mas da preocupação da Igreja em nível mundial, nacional e local, a partir do diálogo com a comunidade científica e na escuta, por exemplo, dos povos da floresta”.
Sínodo da Amazônia
A CNBB Norte 1 é formada pela Arquidiocese de Manaus, pelas Dioceses de Roraima, do Alto Solimões, do Alto Rio Negro, de Parintins e pelas prelazias do Amazonas e Roraima.
Na semana de 04 a 08 de fevereiro, os bispos da regional estiveram reunidos em Roraima para refletir sobre a caminhada evangelizadora e pastoral na Amazônia , mas também para pensar estratégias concretas na continuidade do Sínodo da Amazônia (e de toda a Igreja) em profundo desejo dialógico de abertura com outras esferas sociais.
Dom Hudson teve participação nessa reunião, uma semana após ser ordenado e assumir ao cargo de bispo auxiliar.
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Marco temporal
Entre os temas da pauta dos bispos da Norte I esteve o acompanhamento do marco temporal para demarcação das terras indígenas, que está no Supremo Tribunal de Justiça (STJ).
Os bispos têm comissões para atuar no Senado, na Câmara dos Deputados, no STJ para dialogar com essas instituições medidas de proteção e demarcação das terras dos povos indígenas, entre outras demandas.
“A Igreja não está desorganizada nesse aspecto da luta. Afinal, trata-se de uma grande preocupação com a preservação do planeta, porque trata-se da nossa casa, a nossa casa comum”, acentua o bispo.
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Mineradoras
Outro alvo da Igreja é a presença das mineradoras, das que estão e das que ameaçam estar na Amazônia. Isso vale, também, os megaprojetos para a Amazônia como a extração de petróleo na foz do rio Amazonas, já requisitada pela Petrobras e em fase de estudos para licença ambiental no Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama).
BR-319
Os bispos também se preocupam com projetos no interior da região, como o asfaltamento da BR-319, que interliga os estados do Amazonas e Rondônia, a violência no campo e a ocupação das terras indígenas. Para Dom Hudson, com a BR-319 asfaltada vêm a ameaça de abertura de vicinais, como aconteceu no Pará, o estado onde o desflorestamento assumiu números escandalosos e com ele, inúmeros assassinados nas grilagena de terras e no garimpo ilegal.
“Os grande projetos trazem propostas muito sedutoras, mas com impactos ambientais muito fortes, muito severos para a Amazônia”, comentou.
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Agronegócio
Não menos importante é o avanço do agronegócio sobre a região, principalmente a partir do sul do Amazonas, com o desmatamento da floresta para a pastagem. Dom Hudson lembra os estragos ambientais ocorridos, em razão da derrubada da floresta e da plantação de grãos, no Sul do Pará, em Rondônia e no Sul do Mato Grosso.
“O agronegócio avança pelo Sul do Amazonas com a proposta de que “o agro é pop”, uma falácia”, afirma.
Cheias, vazantes e queimadas
O religioso observa que a floresta Amazônica não absorve condição de reflorestamento, porque essa não é da sua constituição. Por isso, segundo ele, o olhar para a Amazônia deve se orientar, também, pelo que está acontecendo nas cheias e nas e vazantes extremas. “A floresta está clamando por cuidado. É um alerta!
O olhar para a Amazônia, por meio daquilo que está acontecendo hoje na questão ambiental, pela ausência de chuva (no chamado inverno Amazônico), pela seca severa e queimadas no ano passado. A Amazônia é uma preocupação mundial e nunca esteve tão presente no palco das discussões e das preocupações mundiais”, comentou.
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Povo ianomâmi
O bispo acentua que é triste e ao mesmo tempo absurda a não proteção das terras e do povo Ianomami, que até agora não foi resolvida. Na opinião de Dom Hudson os governos federal, estadual e municipal não têm plano emergencial para “aquilo que de pior poderá vir”, mesmo diante de evidências recorrentes, como exemplo, as queimadas anuais e as constantes secas dos rios”.
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Ciência
O mais estranho é que a ciência tem se antecipado aos efeitos da crise climática, mas os governos só têm apresentado medidas paliativas.
O imediatismo dos governos se revela em não saber lidar com essa situação. É como se fosse arriscar alguma coisa, enquanto a natureza vem dando sinais. Os cientistas vêm alertado sobre tudo isso, a situação vem piorando e as pessoas só pensam em dar respostas simplórias, sem pensar em larga escala. Essa ambição no modelo neoliberal de exploração atinge a floresta e todas as suas formas de vida com consequências para a vida de todo o planeta, disse.
O bispo alerta ainda que, nesse contexto, estão vindo aí os novos adoecimentos da população, que estão eclodindo doenças que não haviam, epidemias ou endemias por meio de insetos etc.
Para ele, a floresta vem dando sinais de que ao ser atacada e ao ser destruída reage, não por vingança, mas para sobreviver.
“Compreendo que a gente, como humanidade, não é o mais importante da criação, a gente é parte da criação. Sem o ecossistema vivo a gente não sobreviverá”, observou.
A mensagem de Dom Hudson é que “a sociedade não pode perder a esperança, assim como a religião não está à parte desses problemas, porque decisões políticas implicam consequências locais e globais. Dai a importância da Igreja Católica ser portadora da Boa Nova de Jesus e estar do lado daqueles e com aqueles que defendem e promovem a vida”
Foto: reprodução/Facebook