Entre as 51 mortes por covid-19, ocorridas em São Gabriel da Cachoeira (a 841,9 quilômetros de Manaus), 86% eram indígenas de etnias como Baré, Baniwa, Tukano, Wanano, Piratapuia, Tariano e Dessano. O município tem a maior concentração de população indígena no país
E os anciãos indígenas são as principais vítimas. Entre os mortos em São Gabriel, 69% têm 65 anos ou mais, ou seja, dos 51 óbitos, 35 ocorreram entre pessoas com 65 anos ou mais, segundo a Secretaria Municipal de Saúde.
“Essas mortes são lamentáveis. Talvez, desnecessárias. Talvez, políticas sérias, responsáveis, com sensibilidade humana, teriam evitado algumas delas”, diz o professor Gerson Bania, um dos fundadores da Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (Foirn ).
Para o professor, a ausência de políticas públicas ou precariedade das ações impuseram uma dura realidade aos povos indígenas durante a pandemia.
Ele cita, por exemplo, a falta de adequações no pagamento do auxílio emergencial, ausência de oferta de Hotel no interior do Amazonas e desinformação – fatores também relatados pelos próprios familiares de vítimas da covid-19.
Aglomerações para sacar benefícios sociais
De acordo com lideranças indígenas de São Gabriel da Cachoeira, durante toda a pandemia, o saque de benefícios sociais, como aposentadoria, Bolsa Família e auxílio emergencial, colocou os indígenas em risco de contaminação pela nova corona vírus.
Muitos se aglomeraram nas filas da única casa lotérica de São Gabriel para retirar o dinheiro.
O Ministério Público Federal (MPF) exigiu que fossem feitas adequações no pagamento aos povos tradicionais, mas, segundo as lideranças, o governo federal descumpriu a determinação e foi multado pela Justiça.
Em São Gabriel da Cachoeira há apenas uma unidade hospitalar, o HGuSGC, que é estadual e gerido pelo Exército. Não há UTI na cidade, sendo que os pacientes graves são encaminhados para Manaus, em unidade aeromédica. A viagem demora, em média, duas horas.
Gersem Baniwa afirma que a situação no Rio Negro só não foi pior devido à ação de lideranças e entidades indígenas, principalmente a Foirn, e parceiros, como o Instituto Socioambiental (ISA).
Missão salesiana de Taracuá, rio Uaupés, São Gabriel da Cachoeira Foto: Ecoamazônia
Rotina é retomada em São Gabriel
Em São Gabriel da Cachoeira, a rotina vai sendo retomada: o comércio está cheio, as pessoas andam sem máscaras, os bares estão animados, o movimento na orla do Rio Negro quase faz esquecer que ainda há uma pandemia.
O município foi fortemente atingido pela Covid-19. Até 25 de agosto eram 3.749 casos, com 51 óbitos. O índice de letalidade no município é de 1,36%, número inferior ao de Manaus, que é de 5,38%, conforme levantamento do Governo do Estado de 24 de agosto.
Sobre o processo de reabertura das atividades em São Gabriel da Cachoeira, Gersem Baniwa considera que deve ser feita de forma gradual e acompanhada de campanhas educativas. “Não abro mão de pensar a vida de todos em primeiro lugar”, finalizou.
*Com informações do Instituto Socioambiental (ISA).
Foto: divulgação/Foirn