O Supremo Tribunal Federal (STF) confirmou a liminar do ministro Luís Roberto Barroso, do início de julho, que obrigou o governo Bolsonaro a tomar medidas emergenciais para combater a pandemia entre os povos indígenas.
Todos os ministros votaram a favor, assim como a Advocacia-Geral da União (AGU), que representa a administração federal, e a Procuradoria-Geral da República (PGR).
Os ministros ainda vão analisar o mérito da ação, mas não há data marcada para isso acontecer. O novo julgamento abre espaço para que mais medidas sejam tomadas pelo tribunal, caso o governo não aja.
A ação original foi uma Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº 709/2020 movida pela Articulação dos Povos Indígenas (Apib).
“Não é exagero alertar esta corte de que temos, sim, um risco de genocídio. Temos povos isolados que, se forem contaminados, um grupo inteiro pode ser exterminado”, denunciou Luiz Eloy Terena, advogado da Apib.
Na qualidade de amicus curiae (“amiga da causa”), a advogada do Instituto Socioambiental (ISA), Juliana de Paula Batista, reforçou a associação entre invasões às Terras Indígenas (TIs) e a disseminação do novo coronavírus.
“Invasores não fazem home office e levam a Covid-19 para dentro das terras, violando o direito dos indígenas ao isolamento e ao refúgio durante a pandemia”, disse.
Juliana lembrou ainda que os garimpeiros e ladrões de madeira estão a poucos quilômetros das comunidades nas TIs Yanomami (RR) e Trincheira-Bacajá (PA).
Retirada de invasores não foi acatada
Em seu voto, Barroso determinou o isolamento e a contenção dos invasores que estão nas TIs Karipuna e Uru-Eu-Wau-Wau (RO); Kayapó, Munduruku e Trincheira Bacajá (PA); Araribóia (MA); e Yanomami (AM/RR).
Apenas o ministro Edson Fachin votou para ampliar a decisão anterior no sentido de determinar retirada imediata dos invasores dessas áreas, conforme o pedido original da Apib.
Mas, o pedido foi negado pela Corte. O ministro Barroso disse que é dever da União retirar esses invasores e que, se o governo não apresentar um planejamento para essas ações em tempo adequado, ele poderá “voltar ao tema”, ou seja, pode vir a exigir essas ações.
As organizações indígenas entendem que o combate às invasões é urgente e, como argumentou Fachin, ele pode ser viabilizado com os cuidados de saúde adequados.
De acordo com o ISA, o governo Bolsonaro paralisou todas as operações de fiscalização nas TIs, exonerou e agora ameaça com processos administrativos servidores do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama) que realizaram ações nessas áreas nos últimos meses.
As medidas determinadas na liminar confirmada pelo STF são:
– Instalação de grupo de trabalho, com participação de representantes do governo e dos indígenas, para acompanhar o andamento das ações gerais de combate à pandemia
– Instalação de sala de situação para a gestão de ações para os povos indígenas em isolamento e de recente contato
– No prazo de 10 dias contados a partir da notificação da decisão, o governo deve criar barreiras sanitárias em terras de povos isolados
– Em 30 dias a partir da notificação da decisão, o governo deve elaborar um Plano de Enfrentamento da Covid-19
– Estabelecer, no âmbito do Plano de Enfrentamento, medidas de contenção e isolamento de invasores em relação a terras indígenas
– Garantir que indígenas em aldeias tenham acesso ao Subsistema Indígena de Saúde, independente da fase de demarcação da TI
– Indígenas não aldeados (urbanos) também devem acessar o subsistema de Saúde Indígena caso não haja oferta no SUS
Mortes de indígenas pela covid-19
Conforme levantamento independente do Comitê Nacional de Vida e Memória Indígena da Apib, mais de 630 indígenas morreram e 23 mil já foram infectados pelo novo coronavírus.
Enquanto a taxa de mortalidade nacional é de 44 por 100 mil habitantes, entre essas comunidades ela alcança 70 por 100 mil ou um número 60% maior (considerando a população indígena de quase 900 mil pessoas do Censo 2010 do IBGE).
Embora a epidemia esteja aparentemente estabilizada ou até decrescendo em alguns estados, deu um salto entre os povos originários.
O número de mortes e casos entre eles aumentou 54% e 115%, respectivamente, entre junho e julho, ainda segundo a Apib. O número de povos atingidos pelo vírus cresceu de 118 para 143, no mesmo período.
*Com informações do Instituto Socioambiental (ISA).
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Foto: Marcos Corrêa/PR