A filosofia ocidental moderna está desafiada, em razão da ameaça de uma nova era geológica causada pela atividade humana, a abrir-se e dialogar com pensamentos ainda hoje considerados fora do raciocínio lógico e da razão crítica, como as ideias e ações dos povos originários amazônicos.
E isso é com urgência. Essa urgência se demonstrou na Roda de conversa de sábado, 25, na Valer Teatro (Largo de São Sebastião). O tema foi “Existe uma filosofia amazônica?”, Coube ao professor Theo Fellows (foto) desenvolver e debater a provocação com a plateia.
Fellows é professor do Departamento de Filosofia da Universidade Federal do Amazonas (Ufam). Ele coordena o recém-criado Programa de Pós-Graduação em Filosofia (PPGF).
Doutor em Filosofia pela Technische Universität Berlin, Fellows disse que desde 2011, quando se tornou professor da Ufam, dedica-se a encontrar bases filosóficas para um possível diálogo entre a Filosofia ocidental e os conhecimentos dos povos indígenas da Amazônia.
Tradução do mundo amazônico
Essa abertura está, segundo ele, na tradução que os próprios povos indígenas fazem de seus mundos. Neles se inserem todo e parte ao mesmo tempo.
Enquanto isso, existe uma abordagem filosófica que questiona os pilares da filosofia moderna, na busca de compreender a natureza da realidade e da existência.
Esse, para Fellows, é o momento crucial do que pode vir a ser uma filosofia amazônica.
Ele aponta dois fatos fundamentais para sustentar o argumento que “estamos assistindo ao surgimento de uma filosofia amazônica”.
O primeiro é a crise do pensamento ocidental, que cada vez mais tem as ideias de humanidade e relação entre homem natureza, legados da filosofia moderna, em processo de contestação.
Citando o filosofo e antropólogo francês Bruno Latour, Fellows reforça que o programa modernidade é uma visão filosófica do homem iluminista separado da natureza ou senhor da natureza.
“Essa visão, que a antropologia já abriu mão há muito tempo, agora está cada vez mais colocada em xeque pela filosofia”,
Theo Fellows.
Indígenas nas universidades
O segundo fato é marcado pela entrada de indígenas nas universidades, o que possibilita a sistematização de seus pensamentos e a colocá-los no debate acadêmico.
“Acho que a partir dessa conjunção, para nós, da filosofia, passa a ser possível fazer operacionalização dos conceitos [trazidos pelos pensadores indígenas]”, entende o filósofo.
Fellows destaca como seminais para esse momento do diálogo as obras de pensadores indígenas amazônicos, entre os quais Davi Kopenawa, xamã do povo Ianomami, autor de A queda do céu, com tradução para o francês do antropólogo Bruce Albert (Companhia das Letras”, Antes o Mundo não existia, escrito pelos dessanas Firmino Arantes Lana e Luiz Gomes Lana (Valer), Gaapi (Valer), de Jaime Diakara, e autores da coleção Reflexividades indígenas.
A coleção apresenta quatro livros de antropólogos indígenas egressos do Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social da Universidade Federal do Amazonas (PPGAS/UFAM) e membros do Núcleo de Estudos da Amazônia Indígena (NEAI).
Os atores são João Rivelino Rezende Barreto, Gabriel Sodré Maia, Dagorberto Lima Azevedo e João Paulo Lima Barreto. Todos eles são pertencentes ao povo tucano e habitantes do alto rio Negro.
As obras compreendem ao exercício da reflexividade de categorias, pensamento e os modos de vida do povo tukano, como forma de sustentação de diálogo crítico com a produção etnográfica de pesquisadores não indígenas.
Para a Theo Fellows, os conceitos e pensamentos dos povos tradicionais da Amazônia precisam constituir o debate filosófico. Ele observa: “sem que se abra mão da filosófica ocidental”. E explica: “para que se articulem reflexões entre modos de pensar, de agir e existir”, que, de algum modo, estão fora dos pressupostos filosóficos clássicos.
Conceitos
Mas essa operação, reconhece o filósofo, não é tarefa tão simples. O jeito de conceituar e pensar dos povos originários, acrescenta, ocorre dentro de um ambiente bem diferente daquele que se verifica na filosofia ocidental.
Partos intelectuais complexos
“A possibilidade ou impossibilidade de uma filosofia amazônica depende da nossa capacidade de realizar essa tarefa. […] Pretendo sustentar que, aqui, estamos vendo essa filosofia nascer – nem se ela já existe. Mas, enfim, esses partos intelectuais são mais complexos, não acontecem em um momento específico. Mas acho que estamos em um momento de ver essa filosofia amazônica nascer”, reforçou.
O PPGFilo, explica a vice-coordenadora do programa, Marilina Bessa, está se abrindo à diversidade de saberes. Nesse sentido, acompanha o movimento mundial que aperfeiçoa o diálogo entre povos, seus conhecimentos e culturas.
“É um privilégio estarmos na Amazônia, que é prenhe de ideias e atores sociais diversos. A ideia do mestrado é atrair essa diversidade de pensamento e dar oportunidade à produção de trabalhos acadêmicos como estamos assistindo na universidade, em outros cursos”, completou.
Rodada de conversa
A Rodada de conversa, do grupo cultural Valer, acontece todos os sábados pela manhã e é coordenado pela coordenadora editorial da Valer, filósofa Neiza Teixeira.
Foto: Wilson Nogueira