‘Chega de rompimentos e polarização em temas alheios à advocacia’
Amazonense de Manaus, José Alberto Simonetti, de 43 anos, concorrerá em janeiro à presidência do conselho federal da OAB

Antônio Paulo, do BNC Amazonas em Brasília
Publicado em: 19/11/2021 às 05:00 | Atualizado em: 18/11/2021 às 23:46
O advogado criminalista manauense José Alberto Simonetti, de 43 anos, é candidato a presidente nacional da OAB para o período de janeiro de 2022 a janeiro de 2025. Com uma vantagem na disputa, por ter o apoio de 23 seccionais da ordem, poderá vir a ser o primeiro amazonense a comandar a OAB nacional.
A escolha do novo presidente acontece em 31 de janeiro do próximo ano.
Sem querer cantar vitória antes do tempo ou colocar a “faixa presidencial” sem o respaldo oficial da categoria, que é a eleição, nessa entrevista exclusiva ao BNC Amazonas, Beto Simonetti fala dos seus projetos, prioridades, objetivos e metas a serem alcançadas caso venha a se tornar presidente do conselho federal da OAB.
“Para mim, esse apoio amplo [das 23 seccionais estaduais] é muito importante porque temos, hoje, mais de 1 milhão e 200 mil advogadas e advogados no país”.
O processo eleitoral começa neste ano, agora em novembro, com as eleições das seccionais da OAB nos estados. Todos os advogados do país votam para presidente, conselheiros seccionais e conselheiros federais em seus estados.
Depois, em 31 de janeiro, os conselheiros federais, que são três para cada estado e o Distrito Federal, votam para eleger o novo presidente nacional da OAB.
Tudo isso é definido pela Lei Federal 8.906, que é conhecida como “Estatuto da Advocacia”.
Beto Simonetti considera importante e destaca que qualquer advogada ou advogado pode disputar a presidência nacional da OAB, desde que sua candidatura tenha apoio de, ao menos, seis seccionais. Não é necessário ser eleito conselheiro federal para disputar a presidência.
“Mas, eu disputei a eleição no Amazonas neste ano e, felizmente, tive a honra de ser eleito pela advocacia amazonense junto com uma chapa qualificada, ao lado do presidente Jean Cleuter, que vai liderar a OAB-AM pelos próximos três anos. Acredito que, com essa conquista, minha candidatura a presidente nacional ganha mais legitimidade”.
Entrevista com Beto Simonetti
Como estão as suas articulações políticas na corrida para a eleição de presidente da Ordem dos Advogados do Brasil?
Beto Simonetti – Tive a honra de registrar minha candidatura a presidente nacional da OAB com o apoio de 23 seccionais. Para mim, esse apoio amplo é muito importante porque temos, hoje, mais de 1 milhão e 200 mil advogadas e advogados no país. Ou seja: nossa profissão não é homogênea. Dentro da advocacia coexistem as mais diversas opiniões sobre os assuntos relevantes para a sociedade e o presidente nacional da OAB deve ser capaz de compreender e respeitar essa diversidade. Minha articulação é no sentido de ouvir os representantes das OAB nos estados e de conhecer as diferentes realidades dos advogados Brasil adentro. Ter recebido os 23 apoios me deixou muito feliz por ser resultado do nosso compromisso com o diálogo e não com ideologias.
O senhor, vencendo a disputa, tornando-se o primeiro amazonense a presidir o conselho federal da OAB, quais são os seus projetos, prioridades, objetivos e metas a serem alcançadas?
Beto Simonetti – A proposta que tenho apresentado, com minha candidatura, é a de buscar a união da advocacia. Chega de rompimentos e de polarização em torno de temas alheios à prática da advocacia. Nossa profissão lida diretamente com a vida das pessoas, somos responsáveis por cobrar o correto cumprimento das leis, por enfrentar os abusos do Estado contra os cidadãos e contra as empresas. Para desempenhar bem nossa função, precisamos ter asseguradas nossas prerrogativas, como o direito a apresentar os argumentos da defesa de maneira apropriada, de não sofrer represálias por representar esse ou aquele cliente. Qualquer pessoa, não importa quem seja, tem direito a ser bem representado, ser defendido de maneira qualificada. Então a defesa das prerrogativas do advogado é uma prioridade porque elas são fundamentais para a sociedade.
Qual vai ser o “olhar” da OAB para a diferentes realidades do Brasil?
Beto Simonetti – Uma outra parte das minhas propostas tem a ver com a sorte e a felicidade de ter nascido e crescido em Manaus. Conheço muito bem meu estado e sei que a realidade em algumas localidades do Brasil é muito diferente dos grandes centros, para onde geralmente as atenções se voltam. Se eu vencer a eleição, a OAB olhará para todo o Brasil, inclusive para as regiões que recebem, historicamente, menos atenção por parte do Estado. Isso é necessário porque a realidade da maioria absoluta dos advogados é muito difícil. Com a pandemia, sobretudo, muitos colegas estão passando dificuldades financeiras sérias. Imagine então como é em municípios com pouca ou nenhuma estrutura. A OAB terá que que se inserir nesse cenário para buscar soluções e contribuir para que os colegas mantenham sua dignidade, possam trabalhar e fortalecer o bom direito.
Como a OAB pode atuar com mais eficácia em defesa das prerrogativas dos advogados brasileiros? É preciso mais união da categoria para defender esses direitos que nos últimos tempos têm sido violados?
Beto Simonetti – Há projetos que já existem e funcionam bem, como as caravanas das prerrogativas, em que representantes do conselho federal da OAB visitam diversos municípios para avaliar as condições de trabalho dos advogados e se as autoridades locais respeitam a advocacia. Precisamos intensificar isso, ir a mais cidades. E, para ser efetivo, temos que fazer valer a Lei de Abuso de Autoridade. Neste ano, 2020, representei a OAB nacional em tristes casos de agressão policial contra advogados. É muito triste. Há alguns anos, infelizmente, um colega de Santa Catarina faleceu em decorrência de uma agressão policial. Dentro dos tribunais também, muitas vezes, advogados têm suas prerrogativas agredidas. É por isso que essa nova lei, uma conquista da OAB para a sociedade, precisa ser fortalecida e aplicada corretamente. Vamos atuar muito nesse sentido, caso eu seja eleito presidente. Para isso, a união das advogadas e advogados em torno da profissão é muito importante.
Nas suas viagens de campanha pelo país afora, o senhor tem falado sobre compreender as diferenças que existem dentro da advocacia, que é formada por quase 1,3 milhão de advogadas e advogados. Quais são essas diferenças que precisam ser compreendidas?
Beto Simonetti – O tipo de problema que os advogados enfrentam, no dia a dia, varia muito dependendo da cidade e do estado onde eles estão. Há lugares, por exemplo, em que o grande problema é a falta de magistrados. Há, no país, diversas varas judiciais sem juiz, por diversos motivos. Desse modo, os processos demoram muito a serem analisados ou, até mesmo, ficam em um limbo indefinido sem nenhuma perspectiva de serem analisados. Esse é um problema. Em outros locais, o problema maior é a saturação do mercado, a dificuldade para o jovem recém-formado entrar no mercado. Há lugares em que a advocacia é uma profissão de risco, inclusive com ameaça de morte. Então, há de tudo. Precisamos compreender exatamente esse mapa, onde cada situação acontece com mais ou menos intensidade e, com diálogo com as seccionais e subseções, elaborar e colocar em prática as soluções.
Como lidar com a divisão ideológica dentro da categoria?
Beto Simonetti – Sobre esse tema, devo acrescentar uma observação: nos últimos anos, sobretudo, tem se intensificado um outro tipo de divisão para alguns nichos de advogados que é a divisão ideológica. Alguns colegas têm se agrupado de acordo com preferências e discordâncias políticas e não em torno de objetivos comuns à profissão e ao estado de direito. É preciso também entender melhor esse processo para buscar a união da advocacia. Cada advogada e cada advogado é importante, independentemente de suas preferências políticas. Não podemos perder ninguém no esforço comum de defesa das leis, do estado de direito e contra os abusos do Estado contra cidadãos e contra empresas.
Como o senhor avalia hoje os cursos de direito no país? Há qualidade no ensino ou a “mercantilização” dessa profissão tem se acentuado? O que fazer?
Beto Simonetti – O Brasil tem diversas instituições de ensino que são referência mundial para o direito. Tanto é assim que muitos advogados, juízes, membros do Ministério Público e de tantas outras carreiras jurídicas brasileiras são frequentemente convidados a palestrar em eventos e em universidades estrangeiras. Isso quer dizer que há um grupo de escolas de direito que têm formado profissionais de elite, totalmente inseridos no mundo globalizado. Por outro lado, no entanto, existe um número ainda maior de instituições de ensino que conseguem o aval do Ministério da Educação para abrir curso de direito sem ter nem oferecer condições mínimas. O resultado disso é, na prática, que os alunos são enganados. Eles vão à faculdade buscando uma formação em direito, mas não conseguem ter uma formação mínima para enfrentar o mercado de trabalho, que é cada vez mais saturado e competitivo. A OAB avalia todos os pedidos de abertura de curso de direito. Isso acontece porque a OAB é uma instância consultiva para a aprovação das graduações. Nos últimos anos, a OAB reprovou todos os pedidos, 100%. Mas, o MEC liberou o funcionamento de um sem-número de cursos que não deveriam nem existir. Temos que lutar para mudar essa realidade. Os estudantes não podem ser enganados assim e a sociedade precisa de profissionais qualificados.
A OAB se manifestou favoravelmente na aprovação da Lei de Abuso de Autoridade. O senhor, sendo eleito, trabalhar para fortalecê-la? De que modo?
Beto Simonetti – Se eu for eleito, continuarei sendo um ferrenho defensor dessa lei. Na OAB, inclusive, eu que relatei o projeto que deu origem a essa lei, naquilo que cabia à ordem opinar. Não é mais possível, em pelo século 21, continuarmos a conviver com posturas típicas do regime imperial e das ditaduras, em que uma pessoa investida do poder do Estado usa dessa condição para humilhar, esnobar e, pior, retirar direitos das demais pessoas e também das empresas. Devemos perseguir o contrário. O representante do Estado, como o próprio nome diz, é um “servidor” público. Ele trabalha para o público. Ele deve ser um braço amigo, um auxiliar do cidadão. Isso vale para as mais diversas carreiras públicas, não importa se o servidor é do primeiro ou do último escalão, ninguém tem o direito de maltratar um cidadão que está buscando um serviço público ou sofrendo as consequências da lei.
Como atuar contra o desrespeito ao direito de defesa, do contraditório?
Beto Simonetti – Olhando para o mundo da OAB, essa discussão tem foco maior no Judiciário. Temos excelentes exemplos de bons servidores e empregados públicos nos quadros da advocacia pública, da advocacia nas empresas estatais e nas defensorias públicas. Mas, como disse, ainda é comum no Brasil haver situações como o desrespeito ao direito de defesa, ao contraditório, ao devido processo. Temos que ser intransigentes ao cobrar o respeito a essas normas que estão na Constituição. Não podemos abrir mão disso, sob pena de transformarmos o país em um caos.
No âmbito político, como a OAB deverá atuar especialmente com relação ao governo do presidente Bolsonaro?
Beto Simonetti – A OAB e os presidentes da OAB são sempre chamados a se posicionar sobre os atos dos mais diferentes governos. O mais importante é que a OAB seja independente. Para preservar sua capacidade de representar a advocacia, a ordem não pode ser oposição nem base de apoio a nenhum governo.
Como o senhor avalia a política do atual governo, especialmente no relacionamento, no trato institucional, entre os poderes da República?
Beto Simonetti – Como candidato a presidente da OAB, não cabe a mim fazer essa avaliação. A minha obrigação é exigir respeito às prerrogativas e ao trabalho dos advogados, sempre. Isso inclui cobrar também respeito ao sistema de Justiça, à Constituição e ao estado de direito.
Sendo eleito e conduzido à presidência da OAB nacional e sendo um “homem amazônico”, o que sua gestão poderá contribuir e incidir sobre as questões que ameaçam a região: desmatamento, queimadas, conflitos indígenas, agrários e também o modelo Zona Franca de Manaus?
Beto Simonetti – Se eu for eleito, espero poder levar todos esses temas para a arena do debate nacional. A Amazônia, que é muito maior do que o estado do Amazonas, é o grande patrimônio brasileiro. Temos que olhar para ela como “nossa solução” e não como “nosso problema”. É verdade que existem conflitos, como os que você citou, que já duram muitas décadas. É preciso resolvê-los, não podemos meramente fechar os olhos. Essas discussões têm diversas faces. Existe o lado social e cultural, mas também tem o lado econômico, por exemplo. Precisamos, portanto, buscar soluções e não o agravamento dos problemas. Pautar esse debate, de forma séria, na arena nacional deve contribuir para a busca de soluções, sempre observando as disposições legais.
PERFIL
Quem é Beto Simonetti
José Alberto Simonetti, natural de Manaus, é pós-graduado em direito penal e em processo penal pela Universidade Federal do Amazonas (Ufam).
Sua atuação de advogado é voltada, principalmente, para a Justiça federal e os tribunais superiores, como o Supremo Tribunal Federal (STF) e o Superior Tribunal de Justiça (STJ).
Casado e pai de dois filhos, Simonetti herdou da família o gosto pelo direito e o engajamento na OAB. Seu pai, Alberto Simonetti Cabral Filho, foi quatro vezes presidente da seccional da OAB no Amazonas. Seu irmão, Alberto Simonetti Cabral Neto, foi conselheiro federal e também presidiu a seccional.
Atualmente, Beto Simonetti é sócio do Simonetti & Paiva Advogados, escritório fundado em 1974 por seu pai, ao lado do respeitado advogado amazonense José Paiva de Souza Filho. O escritório foi o segundo a ser formalizado no Amazonas.
Beto Simonetti está em seu quarto mandato como conselheiro federal da OAB pelo Amazonas e, neste 16 de novembro de 2021, foi reeleito para o quinto mandato.
Ao longo desse período, desempenhou algumas das funções mais relevantes dentro do sistema OAB, como diretor-geral da Escola Nacional da Advocacia, corregedor-geral-adjunto, ouvidor-geral do sistema OAB e secretário-geral do conselho federal.
Ele foi um dos principais apoiadores, dentro da OAB, da aprovação da Lei de Abuso de Autoridade.
Foto: divulgação