Defesa de Vicente Cruz colocou trabalho do MP-AM na berlinda

Aguinaldo Rodrigues
Publicado em: 12/11/2017 ร s 05:40 | Atualizado em: 12/11/2017 ร s 11:36
Por Rosiene Carvalho, da Redaรงรฃo
Os advogados Diego Gonรงalves e Catharina Estrella colocaram em xeque o trabalho do Ministรฉrio Pรบblico do Estado do Amazonas (MP-AM) na investigaรงรฃo de seu ex-procurador geral de Justiรงaย Vicente Cruz, no Tribunal do Jรบri, na semana passada.
O “julgamento” do trabalho do MP-AM feito pelos advogados ocorreu durante o julgamento do procurador que, no รกpice de sua carreira no Ministรฉrio Pรบblico, foi ย acusado de tramar a execuรงรฃo ย do entรฃo procurador e ministro do Superior Tribunal de Justiรงa (STJ) Mauro Campbell.
O pano de fundo do crime, divulgado na ocasiรฃo, seria a disputa interna pelo comando do MP-AM, cuja eleiรงรฃo deu a Campbell o segundo lugar na preferรชncia do eleitorado e primeiro na escolha do entรฃo governador Eduardo Braga (PMDB).
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Para defender o rรฉu, que chegou ao julgamento na segunda-feira condenado pela opiniรฃo pรบblica e linchado moralmente apรณs 11 anos de vir ร tona um dos maiores escรขndalo do Judiciรกrio, os dois advogados listaram e ย enfatizaram ย o que para eles foram falhas na atuaรงรฃo e investigaรงรฃo de membros do MP-AM no caso.
A รชnfase dada pelos dois defensores de Cruz foi tรฃo eficiente que eles conseguiram convencer julgadores nรฃo tรฉcnicos e suscetรญveis ร influรชncia do que foi exposto na mรญdia de argumentos tรฉcnicos do Direito Penal para promoverem a absolviรงรฃo do rรฉu “por negativa de autoria”.
Diante do contexto em que Cruz chegou ao julgamento, a tese foi considerada por especialistas como audaciosa. Eles nรฃo sรณ conseguiram convencer os jurados de que nรฃo houve tentativa como tambรฉm os convenceram de que, se houvesse, Cruz nรฃo teria participado do ato.
A tese de que, para se configurar tentativa de assassinato era preciso um ato mais materializado do crime, era corrente entre juristas desde o inรญcio do caso. Muitos comentavam a questรฃo fora da mรญdia. No entanto, o mรฉrito desse argumento nunca foi avaliado diretamente por nenhum julgador no Amazonas. O processo, segundo os advogados de Cruz, chegou a levar dez desembargadores do TJ-AM a se declarar suspeitos.
Uma das faltas do MP-AM, segundo a defesa de Cruz, foi exposta num trecho de vรญdeo que nรฃo consta no processo. Nele, o acusado de ser o executor da suposta tentativa de assassinato, chamado de “Carioca”, afirma diante de membros do MP-AM que teme ser preso e questiona que ย garantias poderiam ser dadas a ele.
No mesmo vรญdeo, Carioca relata que apanhou dentro da cadeia ย e fingiu ter quebrado a costela para parar de apanhar.
A defesa chamou a atenรงรฃo dos julgadores neste ponto, destacando que tortura รฉ crime hediondo e, diante dessa declaraรงรฃo, os membros do MP-AM simplesmente ignoraram o relato de “Carioca”.
Os advogados de Vicente Cruz, sem acusar especificamente nenhum membro,ย afirmaram que a acusaรงรฃo de tentativa de assassinato era absurda.
Defenderam ainda, como principal falha no processo, a nรฃo comprovaรงรฃo de que a vida de Campbell tenha sido posta em risco. Para a defesa, atรฉ as testemunhas de acusaรงรฃo reconheceram que nรฃo houve ato concreto contra a vida de Mauro Campbell.
O MP defendeu que escutas telefรดnicas em que Vicente Cruz aparece dizendo para “abortar” obras seria um cรณdigo para nรฃo executar o serviรงo contratado e pago com adiantamento. E que a resposta da defesa para este diรกlogo fala de uma obra que nunca apareceu.
O promotor que assumiu o caso na reta final no Tribunal do Jรบri Igor Starling Peixoto, em uma das suasย sustentaรงรตesย no dia do julgamento, defendeu o trabalho e a atuaรงรฃo do MP-AM e disse que nenhum dos membros do Ministรฉrio Pรบblico agiu fora dos parรขmetros legais exigidos para o exercรญcio da funรงรฃo.
Caso Miller
O ex-procurador Marcello Miller รฉ investigado pelo Nรบcleo de Combate ร Corrupรงรฃo da Procuradoria da Repรบblica no Distrito Federal por ย exercรญcio da advocacia no mesmo caso em que atuava sem cumprimento da quarentena e de ter acesso privilegiado a informaรงรตes internas do MPF e usรก-las em benefรญcio de seus clientes.
Miller รฉ suspeito de ter prestado consultoria a investigados do grupo J&F no processo de negociaรงรฃo de delaรงรฃo premiada que resulto na gravaรงรฃo nรฃo autorizada pela Justiรงa de conversa com o presidente da Repรบblica Michel Temer (PMDB) e com o senador Aรฉcio Neves (PSDB).
Esta semana o jornal Folha de S.Paulo publicou reportagem sobre um e-mail de Marcello Miller traรงa roteiro para o acordo de delaรงรฃo do grupo J&F. A suspeita รฉ que houve direcionamento e manipulaรงรฃo por parte de membros do MP-AM no acordo de delaรงรฃo.
Rumos diferentes
Desde que o escรขndalo da trama de morte de membros do MP-AM veio ร tona, em 2006, ย a carreira dos dois procuradores tomou rumos inversamente proporcionais.
Campbell ascendeu ao Superior Tribunal de Justiรงa ย (STJ) e goza de grande prestรญgio no judiciรกrio nacional e local. Nas รบltimas escolhas de membros do Supremo Tribunal Federal (STF) foi cotado para funรงรฃo.
Nos bastidores do TJ-AM, a informaรงรฃo รฉ que ย a opiniรฃo dele รฉ um dos fatores levado em consideraรงรฃo na anรกlise dos membros do tribunal na escolha de novos desembargadores.
O suspeito da tentativa de assassinato teve sua carreira interrompida e manchada por uma prisรฃo preventiva, pela aposentadoria compulsรณria e pela quase perda desta num processo promovido tambรฉm pelo prรณprio MP-AM que teve a tentativa negada pelo juiz que analisou o caso.
A ausรชncia da foto de Vicente Cruz, por anos, da exposiรงรฃo do MP-AM do quadro de ex-procuradores e o abandono do prรฉdio inaugurado com o nome dele no Municรญpio de Manacapuru sรฃo exemplos do quanto o episรณdio foi traumรกtico na histรณria do Ministรฉrio Pรบblico do Amazonas.
Foto: Raphael Alves/TJ-AM
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