O desembargador Jomar Fernandes protagonizou como orador, neste dia 9 de janeiro, no Teatro Amazonas, um momento raro nos dias atuais de expressão de sentimentos e emoções.
Em seu discurso de posse como presidente do Tribunal de Justiça do Amazonas (TJ-AM), Fernandes se apresentou com um texto que, pela profundidade, ficará marcado na história do Judiciário do estado.
Sua oratória teve como fundo o tema sonho. O magistrado fez um recorte de 38 anos de sua carreira jurídica, passando com destaque e competência por vários cargos, até chegar ao posto maior do Judiciário estadual, a presidência do TJ-AM.
Nesse recorte histórico, Fernandes destacou o sonho de sua mãe, e o seu próprio.
Relembrou o trauma que sofreu com a perda de sua primeira esposa, em seu primeiro trabalho como juiz.
Não esqueceu de reconhecer pessoas com quem conviveu nessa escalada da carreira, mostrou o conhecimento sobre o trabalho da Justiça e expressou os momentos de alegria que marcaram sua vida.
Ao mesmo tempo, Fernandes mostrou sua sensibilidade com as minorias, excluídos e vulneráveis da sociedade. Até viu uma nova forma de exclusão.
“Quem não tem acesso à rede global há de ser considerado um excluído”.
Em síntese, Jomar Fernandes proferiu um discurso com emoção, drama, filosofia e poesia.
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O discurso
“Saudações!
Boa noite a todos que aqui vieram para acompanhar essa sessão plenária do Tribunal de Justiça do Amazonas, que objetiva ratificação da posse das nova diretoria do Tribunal de Justiça para o biênio 2024/2025.
Como já foi dito, a nominata já foi lida. E, de acordo com as novas orientações do Conselho Nacional de Justiça, que imprime menor formalidade nos atos do Poder Judiciário, passo então a essa rápida fala, não sem antes cumprimentar e agradecer a presença dos ministros do Superior Tribunal de Justiça Mauro Campbell Marques e Reinaldo Soares, que, não obstantes às férias que hora usufruem vieram emprestar brilho e honraria ao Tribunal de Justiça do Amazonas.
Ministros, sintam-se abraçados, fraternalmente!
Eu também não poderia de deixar de expressar minha imensa satisfação pela presença de minha amiga querida, ministra Elizabeth Rocha, récem-eleita presidente do Superior Tribunal Militar. A ministra faz história como a primeira mulher a presidir aquela corte superior, desde a sua instalação.
Parabéns, amiga querida!
Nas pessoas de suas excelências, eu cumprimento todo o restante da mesa de honra. De igual modo, eu também agradeço, e, sensibilizado, a presença de todos amigos que aqui estão, alguns desde os idos de infância; outros, de nossa eterna juventude. São tantos que, daqui, já não consigo nem contá-los.
Muito obrigado, queridos amigos!
Sonho
Lá atrás, eu sonhei que estava sonhando um sonho sonhado, um sonho de um sonho, magnetizado. As mentes abertas, sem bicos calados; juventude alerta, os seres alados. Sonho meu, eu sonhava que sonhava .
Esses versos de Martinho da Vila, cancioneiro do samba, me trazem a uma viagem: um sonho que começou na minha juventude (choro), quando minha mãe (aplausos), de forma angelical e preocupada com o meu futuro, dizia da vontade que eu cursasse a Faculdade de Direito.
Aprovado que fui no curso das letras jurídicas, minha mãezinha, à época servidora deste tribunal e por quase 40 anos, passou a perceber que seu sonho, esta minha viagem, começara a ser uma realidade, primo Nildson.
Magistratura
E aí, eu também passei a sonhar. Em 1986, agora embarcado e já também um sonhador, fui aprovado no concurso para juiz de direito deste poder, indo ter minha primeira investidura desse mesmo ano, na comarca de Humaitá.
Naquela cidade madeirense, onde o rio barrento corre furioso e os ribeirinhos destemidos o enfrentam diariamente, eu, naquela cidade, comecei a moldar minha personalidade de julgador. E quanto aprendizado? Quanta vontade de combater as injustiças e mitigar as diferenças?
Drama da esposa
Entretanto, naquele tempo… A vida, nesta viagem, me pregou a primeira peça (choro).
Seíta, esposa amada, e mãe dos meus primeiros filhos, Daniele Netinho, foi por Deus chamada. Aí, eu percebi que não apenas navegaria em céu de brigadeiro e que enfrentaria as turbulências e saculejos, hoje entendidos como naturais em qualquer jornada.
Mas, como diria Taiguara, num título de uma carregada e linda poesia, por acaso escrita aqui em Manaus, quando retornava do exílio.
O sonho não acabou . “Quem não soube a sombra, não sabe a luz”. E eu tive que ir em frente.
Itacoatiara
A viagem, então, me levou removido para a cidade de Itacoatiara, onde fui titular de uma das varas, sendo posteriormente promovido para Manaus, já em 1992.
Na corte
Em 2016, então, após longuíssimos 30 anos de magistratura, cheguei a este colegiado para compor com os colegas que aqui já estavam.
E aí, naquele momento de realização pessoal, eu percebi que não era falso o sonho que eu sonhava.
Corregedoria
Há dois anos, fui aclamado corregedor-geral de Justiça eu entreguei-me com todas as forças que o meu corpo e mente me proporcionavam para me desobrigar dos encargos e da função.
O vídeo que assistimos no início desta plenária é um sucinto e pequeno relato das atividades que realizamos durante o último biênio.
Os resultados alcançados se deram graças ao denodo dos servidores da Corregedoria. Sem eles, nenhum daqueles feitos teria se realizado. A eles e a todos os envolvidos minha gratidão, que também alcança especialmente o governador Wilson Lima, um parceiro de primeira hora para a consecução dos programas Registre-se e Solo Seguro.
Muito obrigado, governador!
Presidência
Eu agora chego ao cargo máximo da magistratura amazonense, aclamado que fui para presidir o nosso tribunal. Venho para continuar o exitoso trabalho iniciado pelos colegas que me antecederam nessa função de liderança. Vejo aqui os ex-presidentes João Simões, Graça Figueiredo e Yedo Simões. Meu querido Jorge Chalub, que não está presente porquanto teve… por questões de saúde de se ausentar e Nélia Davi.
O mérito alcançado por suas excelências em suas administrações me servem de inspiração.
“Só fecha o seu livro quem já aprendeu”, de Taiguara. O meu livro continuará aberto para valermos das lições pragmáticas que suas excelências nos deixaram e que levaram como dito pela minha querida desembargadora Nélia, o nosso tribunal consecutivamente ao prêmio máximo concedido pelo CNJ.
Gratidão
Especialmente quero agradecer a desembargadora Nélia pela sua atuação na direção do nosso tribunal.
Também agradeço pela especial atenção que sua excelência ofereceu aos pleitos da Corregedoria. Todos, sem exceção, todos os pleitos a elas solicitados foram atendidos. E não haveria de ser diferente.
Quem puxa os seus não degenera.
E assim… Assim o digo, querida Nélia, por ter conhecido teus pais e ter tido a oportunidade de tua casa frequentar. Tua irmã Nádia, tu sabes bem, foi minha fraterna amiga. Quantas saudades. Obrigado, Nélia. Muito obrigado!
Eu também preciso enlevar a atuação da vice-presidente desembargadora Joana Meirelles. Com sua melíflua e determinante personalidade, deu tranquilidade e colaboração necessária nas ausências da presidente.
Somos amigos fraternos há 47 anos, 47 anos, desde a época dos bancos de estudos e de farras também, na saudosa Jaqueira, minha querida e amiga, irmã Juju.
Muito obrigado e parabéns!
Promessa
Para o futuro, ministro Mauro, nada de mirabolanças. Cumpriremos, eu, desembargador Hamilton e desembargador Ayrton, a quem agora cumprimento pela eleição, nós cumpriremos todas as orientações do CNJ, não só prestando a jurisdição, mas também emprestando especial atenção ao resgate da cidadania do povo amazonense, notadamente daqueles que mais necessitam.
A propósito ministro Reinaldo e ministra Elizabeth. O termo jurisdicionado apequenou-se, apequenou-se diante de tantas frentes abertas pelo Poder Judiciário Nacional. Todas essas ações sempre visando o resgate da cidadania brasileira e a realização dos direitos constitucionais fundamentais notadamente das minorias, dos excluídos e dos vulneráveis.
Primeiras ações
Nesse sentido, meu grande corregedor, desembargadores senhoras e senhores, amanhã formalizarei a criação no âmbito desta Presidência, do Observatório para Acompanhamento e Realização da Regularização e Governança Fundiária, Sustentabilidade e Meio Ambiente .
Com maior atenção ainda também criarei o Observatório para Acompanhamento do Cumprimento dos Direitos Fundamentais da Pessoa Humana , com foco, e holofotes, principalmente na infância e na adolescência.
Sem esquecer os já citados vulneráveis, excluídos minorias, inclusive aqueles que não têm acesso à rede mundial de computadores. Nos dias atuais, meu querido Frois, quem não tem acesso à rede global há de ser considerado um excluído .
Primeira entrância
Também quero afirmar minha especial atenção às necessidades estruturais e humanas das varas que compõem a primeira entrância.
Eu tive a oportunidade de conviver como corregedor, das agruras e sofrimento de juízes e servidores. Essas carências refletem obviamente, na qualidade dos serviços e da jurisdição.
Contem comigo para a urgente solução desses problemas.
O bem ilumina o sorriso
Senhores e senhoras, desde que adquiri livre-arbítrio, sempre procurei praticar o bem.
Afinal, o bem ilumina o sorriso (música) , diz o cantador sambista, ministro Mauro.
Essa poesia bem que poderia ter sido escrita pelo nosso desembargador, compositor de pagode, desembargador. Infelizmente essa não deu.
Como disse, afinal o bem ilumina o sorriso sem esquecer, entretanto, da maior virtude que a criação nos legou: a gratidão.
Orientador
Por isso, quero dizer não só da falta que sinto, mas da gratidão ainda na ausência que tenho pelo amigo desembargador Djalma Martins da Costa, meu mestre e orientador nos meus momentos de arroubos. Aqui chegamos meu querido mestre
O pai, criador da quimera
Então, eu chego ao fim da primeira parte, ou segunda, ou última. Eu não saberia precisar desse sonho dessa viagem vivendo minha vida seja onde for. E lembrando, meu amado e falecido, mas jamais, jamais esquecido pai, Zé Fernandes, o verdadeiro criador dessa quimera.
Para ele, onde estiver, eu vou repetir o que já lhe disse, quando aqui neste plenário cheguei pela primeira vez e o disse tomando emprestado a poesia de um trovador.
Por muito tempo achei que a ausência falta e lastimava, ignorante, a falta. Hoje não a lastimo. Não há falta na ausência. A ausência é um bem-estar em mim e sinto-a branca tão pegada aconchegada nos meus braços que rio e danço e invento exclamações alegres porque a ausência essa ausência assimilada ninguém a rouba mais de mim.
A benção, meu pai!
Maria Cândida, mãe, dona Candura
Eu, olhando para os assentos vejo minha mãe, Maria Cândida, e ao fitá-la, e apenas por olhá-la, eu já entendo o porquê do seu apelido, Candura. Aportamos, mãezinha. Lá onde eu estive, mãezinha querida, o sonho acabou. Cá, onde eu te encontro, ele só começou. Obrigado mãe, muito obrigado, mãe Candura!
As sogras
Também não poderia deixar de agradecer minhas sogras, Maria de Lourdes, aqui presente, minha segunda mãe, e Marli Sodré, também… uma mãe acessória, pelo apoio irrestrito que sempre me ofereceram nos momentos de dificuldade. Obrigado minhas sogras.
Filhos
Os meus adorados filhos, Daniel Ricardo, Daniel Sodré, José Neto e minha doçura, Lara. Todas as noites estiveram comigo nesta fabulação. Levo e levarei comigo todos os momentos de sorrisos e alegria que me entregam.
Vocês são os anjos que habitam meus sonhos. Obrigado, filhos amados!
Irmãos
Eu também agradeço o irrestrito apoio dos meus queridos irmãos Ana Cira, Júnior Herman e Huguete. Em nenhum momento vacilaram em me apoiar nas dificuldades que essa jornada apresentou.
Obrigado! Muito obrigado, irmãos queridos e amados!
Os netos
Extensão da minha existência são meus quatro netos, meus quatro netos. São quatro netos, querubins, que, de igual modo, me acompanham neste sonho: minha princesa Alice, Benício, Bento I, Bento II e Heitor. O meu amor por vocês é incondicional e infinito.
A esposa, meu cheirinho
Por fim, eu agradeço pela existência de minha companheira e esposa, Regina, meu cheirinho.
Ao meu lado, sonhou meus sonhos, chorou minhas lágrimas, enxugou meus prantos e sorriu meu sorriso. A vida deu-me a ti de presente. Tu estais nas minhas entranhas, na minha mente e em cada batimento do meu coração.
Lá, eu te tenho e te guardarei. Vem que o sonho também é teu.
Senhores desembargadores, amigos, queridos! Senhores ministros, servidores, ai de mim, ai de mim que não sonhava, mas eu sonhei.
Muito obrigado a todas e desculpem por essa chata fala, mas eu tinha que expressar os sentimentos que estavam aqui presos há 38 anos.
Muito obrigado! Sejam todos felizes!
Fotos: Ronaldo Siqueira/especial para o BNC Amazonas