Lei do licenciamento e BR-319 podem desmatar 9,4 mil km² do AM até 2050

Levantamento do ISA e UFMG diz que metas climáticas não seriam cumpridas pelo Brasil se PL for aprovado no Senado

Invasões de terras e desmatamento atingem indígenas na BR-319

Antônio Paulo, do BNC Amazonas em Brasília*

Publicado em: 24/11/2021 às 07:41 | Atualizado em: 24/11/2021 às 07:47

O asfaltamento da BR-319, entre Manaus (AM) e Porto Velho (RO), pode fazer o desmatamento apenas no Amazonas alcançar 9,4 mil km² anuais em 2050, mais de oito vezes a média registrada entre 2015 e 2020, que foi de 1,1 mil km².

O desflorestamento acumulado no estado, em 30 anos, poderia chegar a 170 mil km², extensão similar à do Paraná.

Com o asfaltamento da Manaus-Porto Velho e sem medidas de controle do desmatamento, as emissões acumuladas de carbono também mais que quadruplicariam em relação ao cenário previsto sem a pavimentação, alcançando 8 bilhões de toneladas – equivalente à emissão de 22 anos de desmatamento na Amazônia Legal com base na taxa de 2019.

Essas previsões são do Instituto Socioambiental (ISA) e da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). E toda essa “catástrofe ambiental” poderá ocorrer caso o projeto de lei (PL 2.159/21) da Lei Geral do Licenciamento seja aprovado pelo Senado sem as modificações necessárias. As conclusões estão em duas notas técnicas produzidas pelas instituições.

A proposta pode ir à votação no plenário do Senado nesta semana informou a relatora Kátia Abreu (PP-TO) à Folha de S. Paulo. Mas, a senadora disse que a redação final do projeto ainda está sendo “costurada”.

Conforme acordo estabelecido entre a relatora, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), e outros parlamentares que acompanham o tema, seriam realizadas três audiências públicas sobre o PL nas comissões de Agricultura e Meio Ambiente.

Depois disso, ele seria votado conjuntamente nos dois colegiados e, na sequência, no plenário. Se a redação aprovada for diferente da que foi aprovada em maio, pela Câmara, o projeto será novamente analisado pelos deputados.

Leia mais

Observatório do Clima culpa BR-319 pela explosão do desmatamento no AM

Fim de condicionantes ambientais

Conforme o texto atual do PL 2.159, obras de melhoramento e manutenção em obras de “infraestruturas pré-existentes”, como o asfaltamento de estradas, seriam dispensadas do licenciamento. Outros 12 tipos de atividades e empreendimentos, inclusive agricultura e pecuária, teriam o mesmo tratamento.

Além disso, o artigo 13 do projeto exclui a previsão de condicionantes ambientais sobre impactos causados por terceiros e sobre os quais o poder público detenha o poder de fiscalização.

Dessa forma, a BR-319 facilitaria o acesso a uma das regiões mais preservadas e de maior biodiversidade da Amazônia, com muitas espécies endêmicas, que só ocorrem localmente, e fragmentaria definitivamente a maior floresta tropical do mundo no sentido sudoeste-nordeste. Cerca de 95% do desmatamento e 85% das queimadas na Amazônia concentram-se em uma distância de até 5 km de estradas, informa o levantamento do ISA e da UFMG.

Para o ISA e a UFMG, a aprovação da proposta, já aprovada pela Câmara dos Deputados, pode fazer o desmatamento na Amazônia explodir e jogar na lata do lixo as promessas que o Brasil fez no Acordo de Paris, o tratado internacional sobre a crise climática. Além disso, os riscos de novos desastres socioambientais, como o de Brumadinho e Mariana (MG), aumentariam exponencialmente.

“Na prática, o PL acaba com a maioria dos licenciamentos ambientais do país. Se aprovado, a maior parte dos empreendimentos e atividades econômicas precisaria apenas realizar um procedimento autodeclaratório na internet, sem nenhum tipo de análise prévia dos órgãos ambientais e a emissão automática da licença. Várias das condicionantes e controles dos impactos socioambientais das obras seriam simplesmente abolidos, inclusive os de prevenção ao desmatamento”, diz a nota técnica do ISA e UFMG.

Atividades de mineração

De acordo com as análises do ISA e da UFMG, se for realizada sem as condicionantes ambientais previstas na legislação atual, uma única obra sozinha, a ferrovia “Ferrogrão”, entre Sinop (MT) e Miritituba (PA), pode provocar a destruição de 53 mil km² de florestas até 2030, uma área do tamanho do Rio Grande do Norte ou nove vezes o território do DF.

De acordo com o levantamento do ISA e UFMG, 85,6% dos projetos de atividades minerárias e suas barragens em Minas Gerais passariam a obter licença automática.

“O projeto de lei ampliará sobremaneira os riscos de proliferação de novos desastres socioambientais, como as tragédias ocorridas em Mariana (MG) e Brumadinho (MG)”, reitera o documento.

“Ao tornar o licenciamento ambiental exceção e inviabilizar a adoção de condicionantes ambientais para prevenir a supressão ilegal de vegetação, o projeto de lei resultará no aumento do desmatamento da Amazônia Legal em níveis que impedirão o Brasil de cumprir suas metas assumidas no Acordo de Paris”, reforça o documento.

*Com informações do ISA

Foto: Divulgação