Pautas ambientais: deputados engolem Marina e BR-319 tem chance
A ministra Marina Silva luta para fazer suas pautas avançarem no Congresso, enquanto projetos contrĂ¡rios Ă agenda ambiental ganham espaço.

Publicado em: 02/04/2024 Ă s 12:22 | Atualizado em: 02/04/2024 Ă s 12:22
Respeitada no exterior pela defesa do desenvolvimento sustentĂ¡vel, a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, enfrenta desafios internos considerĂ¡veis. AtĂ© o momento, a influĂªncia da auxiliar de Luiz InĂ¡cio Lula da Silva no Congresso tem sido mĂnima, incapaz de garantir a aprovaĂ§Ă£o de suas pautas ou de deter projetos contrĂ¡rios Ă agenda ambiental.
Ao acumular derrotas, Marina tambĂ©m nĂ£o teve condições de barrar a aprovaĂ§Ă£o de textos contrĂ¡rios Ă agenda ambiental. Enfrentando cenĂ¡rio adverso, a ministra tem sido atropelada pela bancada ruralista, hoje com 324 congressistas.
O protagonismo da frente parlamentar Ă© evidente na redaĂ§Ă£o de projetos relacionados ao meio ambiente. Na maioria dos casos, os ajustes feitos pelos integrantes desse bloco buscam a flexibilizaĂ§Ă£o de medidas de proteĂ§Ă£o para facilitar a exploraĂ§Ă£o de atividades econĂ´micas.
Projetos que abrem margem para o desmatamento, por exemplo, tĂªm avançado no começo do ano. A CĂ¢mara aprovou texto que permite a exploraĂ§Ă£o econĂ´mica em terras altas da Mata AtlĂ¢ntica e em outros biomas.
Outra proposta analisada facilita asfaltar uma rodovia amazĂ´nica. As duas iniciativas estĂ£o no Senado, que tambĂ©m debate, na ComissĂ£o de ConstituiĂ§Ă£o e Justiça (CCJ), um projeto que reduz as Ă¡reas de preservaĂ§Ă£o na AmazĂ´nia.
Leia mais
Nova estiagem severa precipita agenda de Wilson Lima com Marina Silva
Enquanto isso, Marina se esforça para aprovar um projeto que regulamenta o manejo de fogo, mas o texto ainda caminha a passos lentos. A proposta chegou a ser enviada para o plenĂ¡rio do Senado, mas, por falta de acordo, precisou retornar para a ComissĂ£o de Agricultura da Casa.
A ministra tambĂ©m jĂ¡ criticou a CĂ¢mara por nĂ£o incluir o agronegĂ³cio no texto do mercado de carbono. A iniciativa ainda precisa passar por votaĂ§Ă£o pelos senadores.
Mesmo com as dificuldades, Marina tem feito pouco para se aproximar do Congresso: foram menos de dez reuniões com parlamentares neste ano, de acordo com sua agenda oficial. HĂ¡ pouco diĂ¡logo com os presidentes do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), e da CĂ¢mara, Arthur Lira (PP-AL), com quem falou poucas vezes, apenas ao telefone desde o inĂcio do governo Lula 3.
O deputado Lucas Redecker (PSDB-RS), que foi relator do projeto que flexibiliza a proteĂ§Ă£o ambiental na Mata AtlĂ¢ntica e outros biomas, disse que Marina e seus auxiliares estiveram ausentes durante todo o processo de construĂ§Ă£o do relatĂ³rio na CĂ¢mara.
“Ela nĂ£o falou e ninguĂ©m do ministĂ©rio. TambĂ©m sem contato com ninguĂ©m do governo”, disse o tucano. Da mesma forma, o deputado Alceu Moreira (MDB-MS), que jĂ¡ comandou a bancada ruralista e Ă© autor do projeto relatado por Redecker, tambĂ©m disse que nĂ£o houve diĂ¡logo.
O presidente do Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e dos Recursos RenovĂ¡veis (Ibama), Rodrigo Agostinho, afirmou que a aĂ§Ă£o da bancada ruralista sempre Ă© forte porque o governo aumentou a fiscalizaĂ§Ă£o ambiental em relaĂ§Ă£o Ă gestĂ£o federal passada.
O setor ambiental sempre sofreu com essas tentativas de mudança legislativa. Toda vez que o comando e controle, leia-se fiscalizaĂ§Ă£o, aumenta, surgem novas propostas para flexibilizar ou atĂ© anistiar, como foi na Ăºltima mudança no cĂ³digo florestal.
Esperamos que o bom senso prevaleça e a legislaĂ§Ă£o ambiental possa ser fortalecida e atĂ© aprimorada – declarou ao GLOBO. JĂ¡ o secretĂ¡rio de Controle dos Desmatamentos do MinistĂ©rio do Meio Ambiente, AndrĂ© Lima, afirmou que a pasta estĂ¡ buscando parlamentares para conversar sobre projetos, como o do manejo do fogo:
“A gente ainda nĂ£o conversou pessoalmente com o relator (Zequinha Marinho) porque estĂ¡ ocupado buscando esse alinhamento direto com os proponentes das emendas para ver se consegue chegar no prazo de um mĂªs e meio em um alinhamento, e aĂ, sim, conversar com o relator e chegar em uma proposta de consenso. A ministra (Marina) conversou com alguns senadores, como a senadora Leila, presidente da ComissĂ£o de Meio Ambiente, pedindo apoio e prioridade para esse projeto”.
Reclamações até na base
Por outro lado, atĂ© integrantes da base governista na CĂ¢mara se queixam da falta de diĂ¡logo. Em conversas reservadas, parlamentares dizem que ter Marina no comando da pasta Ă© Ă³timo “para fora”, jĂ¡ que ela Ă© referĂªncia internacional na Ă¡rea, mas “para dentro”, na negociaĂ§Ă£o com o Congresso, Ă© necessĂ¡rio ter alguĂ©m com maior habilidade polĂtica de negociaĂ§Ă£o com os parlamentares.
JĂ¡ o deputado Bacelar (PV-BA), que Ă© um dos vice-lĂderes do governo na CĂ¢mara, classifica os projetos que flexibilizam o desmatamento como iniciativas de extrema-direita.
Ele nĂ£o vĂª espaço para diĂ¡logo entre os parlamentares ruralistas e o MinistĂ©rio do Meio Ambiente. “Eles (parlamentares ruralistas) nĂ£o conseguem, por problemas ideolĂ³gicos, manter um diĂ¡logo com o produtivo, com o MinistĂ©rio do Meio Ambiente”, declarou.
O deputado Tulio Gadelha (Rede-PE), do partido de Marina, tambĂ©m reconhece o cenĂ¡rio adverso. “O MinistĂ©rio do Meio Ambiente tem dialogado bastante conosco da frente parlamentar ambientalista e alertado sobre alguns riscos, mas, de fato, eles nĂ£o podem interferir no Legislativo. Temos atuado para frear o avanço desses textos que atacam o meio ambiente, mas temos um quadro reduzido diante da bancada ruralista”, disse.
Durante o ano passado, senadores do Norte chegaram a pressionar para que Marina saĂsse do cargo, no auge da crise com a exploraĂ§Ă£o da Foz do Amazonas.
De um lado, o governo nĂ£o atendeu Ă demanda pela retirada da ministra do cargo, mas, por outro, sinaliza que a iniciativa terĂ¡ aval para prosseguir.
Leia mais no O Globo
Foto: Ricardo Stuckert/PR