A “briga campal” entre o presidente da República, Jair Bolsonaro (sem partido), e o vice-presidente da Câmara, deputado Marcelo Ramos (PL-AM), por conta da aprovação do fundo eleitoral de R$ 5,7 bilhões, despertou a curiosidade de cientistas e políticos experientes.
Esses analistas querem entender por que, subitamente, Marcelo Ramos e Bolsonaro elevaram o tom, no que parecia vir sendo uma relação amistosa.
Essa possível ruptura política de Marcelo com o governo e o centrão também tem elevado o nível de preocupação dos prefeitos municipais que temem a perda de recursos vindos das emendas parlamentares.
O deputado amazonense é um dos campeões em liberação de recursos por conta da sua influência política no Congresso e os cargos de destaque que tem ocupado desde que assumiu o mandato em 2019.
Também é motivo de curiosidade, como esses acontecimentos podem se refletir nas eleições da mesa diretora da Câmara dos Deputados, em fevereiro do ano que vem, e nas eleições gerais de outubro de 2022.
Ao BNC , um experiente político amazonense avaliou os episódios da seguinte forma:
“O Marcelo [Ramos] fez o certo. Brigou para cima. Além do mais, Bolsonaro terminou o valorizando, pois, o presidente da República bater boca com um deputado é tudo o que o parlamentar quer”.
Mas, para o cientista social Marcelo Seráfico, há duas circunstâncias envolvidas na diatribe (crítica severa, mordaz) de Marcelo Ramos a Jair Bolsonaro.
A mais imediata diz respeito ao que está evidente, isto é, ao aumento do fundo eleitoral.
“Ao aprová-lo e deixar para o presidente o ônus do veto, sua própria base parlamentar de apoio, o centrão, por assim dizer, testa a disposição do mandatário de se manter protegido dos mais de 100 pedidos de impeachment de que é justamente alvo”, analisa o cientista social.
Some-se a isso uma situação mediata, mas decisiva, que é a crescente impopularidade do presidente da República, cuja origem está em dois fatores independentes, mas relacionados entre si: a crise sanitária, social e econômica agravada pelo desemprego, fome, inflação e a precarização das condições de vida da maioria dos cidadãos brasileiros.
Segundo, a CPI da covid (coronavírus), presidida pelo senador Omar Aziz, do Amazonas, levanta suspeitas seríssimas sobre as concepções que orientaram a política de enfrentamento da pandemia, assumida pelo governo federal e sobre os interesses que dominaram várias das decisões e omissões a ela relacionadas.
“Portanto, a solicitação do deputado federal pelo Amazonas e vice-presidente da Câmara, para que os pedidos de impeachment sejam movimentados, está contida nesse quadro mais amplo dos conflitos político-partidários”, afirma Marcelo Seráfico.
Sem rupturas políticas
Embora tenha havido um enfrentamento, na opinião do cientista social, esse bate-boca está longe de ser um ato de ruptura.
O anúncio de Marcelo Ramos, no entanto, parece mais um ato perfeitamente ajustado ao tipo de negociação característico do centrão, de que, inclusive, o presidente da Câmara, Arthur Lira, é liderança.
“O deputado federal pelo Amazonas não parece estar rompendo com o presidente da Câmara, mas sim se deslocando dentro do espectro de possibilidades táticas usadas regularmente para pressionar o Executivo”, analisa Seráfico.
Logo, o próprio aumento do fundo eleitoral, no contexto das gravíssimas suspeitas que pesam sobre o governo, põe em questão a natureza do apoio parlamentar de que desfruta o presidente no Congresso Nacional.
Desdobramentos eleitorais
Os desdobramentos político-eleitorais desse processo podem ser muitos, tanto na visão de Marcelo Seráfico quanto na do experiente político ouvido pelo BNC , mas todos dependerão do que ainda está por vir.
“Sem que o presidente da República tenha decidido vetar ou não vetar o aumento do fundo eleitoral e sem que os pedidos de impeachment entrem na pauta da Câmara, é difícil analisar as ameaças que possam surgir desse processo, com consequências objetivas, dentre as quais o próprio impeachment e a rearticulação das forças políticas com vistas, seja a concorrer aos cargos majoritários estaduais em 2022, seja a abrir a possibilidade para o deputado Marcelo Ramos se tornar sucessor de Arthur Lira”, avalia Marcelo Seráfico.
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Marcelo nas eleições 2022
Quanto à possibilidade de Marcelo Ramos se desgastar dentro do PL e do próprio centrão, dando espaço para a candidatura do ex-ministro e ex-senador Alfredo Nascimento a deputado federal, em 2022, o experiente político do Amazonas faz a seguinte análise:
“Vejo o Alfredo muito desgastado, pois, receber 3% para prefeito, em 2020, foi muito ruim para ele. Portanto, não creio que mesmo com recursos vindos da direção do PL, consiga vencer o Marcelo”.
Por outro lado, se Marcelo Ramos sentir qualquer hostilidade no PL, esse analista político acredita que o deputado voltará ao seu curso normal que será um partido de esquerda. “O próprio Lula é só elogios para ele desde que retomou as atividades, embora esses comentários sejam restritos. É o que vislumbro”, diz a fonte do BNC .
Foto: Pablo Valadares/Câmara dos Deputados