Sem as assinaturas dos três membros da bancada do Amazonas, um grupo de senadores protocolou, nesta segunda-feira (31), pedido Supremo Tribunal Federal (STF) para integrarem, como terceiros interessados, na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 6.524/DF.
A ação foi apresentada pelo PTB, no início de agosto, que alega ser inconstitucional a reeleição dos presidentes da Câmara dos Deputados e do Senado – Rodrigo Maia (DEM-RJ) e Davi Alcolumbre (DEM-AP) respectivamente –.
O artigo 57, § 4º, da Constituição Federal e o artigo 5º do Regimento Interno da Câmara dos Deputados vedam a recondução para o mesmo cargo na eleição imediatamente subsequente ao mandato de dois anos frente à Mesa Diretora.
A petição foi assinada pelos senadores Alessandro Vieira (Cidadania-SE), Randolfe Rodrigues (Rede-AP), Oriovisto Guimarães (Podemos-PR), Jorge Kajuru (Cidadania-GO) e Major Olímpio (PSL-SP).
O relator da ADI 6.524/DF é o ministro Gilmar Mendes. O magistrado já enviou ao plenário da corte a ação movida pelo PTB. Também pediu as manifestações da Advocacia-Geral da União (AGU) e da Procuradoria-Geral da República (AGU).
Integrantes do movimento “Muda Senado” Foto: reprodução/Focus.jor
Pretensões e defesas
O presidente da Câmara, Rodrigo Maia, nega publicamente sobre sua reeleição, mas, nos bastidores, admite disputar a Presidência da Casa para um quarto mandato em fevereiro de 2021. No entanto, essa candidatura teria que ser consenso entre os partidos aliados.
No Senado, o presidente Davi Alcolumbre (DEM-AP), que também tem a mesma restrição legal, já deu aval para mudar a regra e liberar sua reeleição à Presidência do Senado. Mas, a medida depende de emenda constitucional.
Na semana passada, a Advocacia do Senado foi ao STF defender a legalidade da reeleição para as presidências da Câmara e do Senado.
No documento encaminhado ao STF, o advogado de Davi Alcolumbre disse que a ação do PTB deve ser rejeitada sem análise do mérito, pois, o assunto da sucessão das mesas diretoras das duas Casas é regulado internamente.
O Senado destacou ainda que, à luz da “moderna teoria da tripartição dos poderes”, se é permitido reeleição para cargos no Executivo também deve valer para o Legislativo.
As posições dos senadores do Amazonas
Integrante de primeira hora e subscritor do Manifesto “Muda Senado”, Plínio Valério (PSDB-AM) está entre os 14 membros do grupo que não assinou a petição contra a reeleição de Davi e Rodrigo Maia.
“No Muda Senado, temos uma espinha dorsal: prisão em segunda instância, Lava Toga , redução de mandato de ministro do Supremo, apoio à Lava Jato, entre outros. Nem sempre as reivindicações têm as assinaturas de todos os integrantes. A não ser que sejam relacionadas à nossa espinha dorsal”, explicou Plínio Valério.
MDB apoiará Davi se houver reeleição
O líder do MDB no Senado, Eduardo Braga (AM), em recente entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo afirmou que a sigla apoiará a reeleição de Davi Alcolumbre se o STF liberar a possibilidade de recondução.
Caso contrário, ele deixou claro que o MDB terá candidato. Braga é uma dos nomes cotados, dentro do partido, para concorrer à Presidência do Senado.
“Se houver reeleição, o MDB vai com o Davi. Se não houver, o MDB vai se habilitar, Mas, se houver a possibilidade de reeleição, o Davi está reeleito”, avaliou o senador eleito pelo Amazonas.
O senador Omar Aziz (PSD-AM) não se manifestou sobre a reeleição do presidente do Senado.
Leia, a seguir, a íntegra da petição protocolada pelos 4 senadores do Muda Senado no Supremo Tribunal Federal:
EXCELENTÍSSIMO SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES, RELATOR JUNTO AO EGRÉGIO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL
Ref.: ADI n° 6.524/DF
ALESSANDRO VIEIRA, brasileiro, casado, Senador da República, RG 811924, SSP/SE, CPF 719.437.905-82, com endereço profissional no Senado Federal, Anexo II, Ala Afonso Arinos, Gabinete 08, Brasília/DF, endereço eletrônico [email protected] , RANDOLPH FREDERICH RODRIGUES ALVES, brasileiro, divorciado, Senador da República, portador da cédula de identidade no 050360, inscrito no CPF sob o no 431.879.432-68, com endereço profissional na Avenida Almirante Barroso, 2957. Alvorada, Macapá, Amapá, Cep: 68900-041, JORGE KAJURU REIS DA COSTA NASSER , brasileiro, divorciado, Senador da República, RG 39.421.421-3 SSP/SP, CPF 218.405.711-87, com endereço profissional na Praça dos Três Poderes, Palácio do Congresso Nacional, Senado Federal, Anexo 2, Ala Teotônio Vilela, Gabinete 16, SERGIO OLIMPIO GOMES, brasileiro, casado, Senador da República, RG nº 8.475.424-2, CPF nº 005.023.028-01, com endereço profissional na Senado Federal, Praças dos Três Poderes s/n, Anexo II, Gabinete 7, Ala Teotônio Vilela, Brasília, Distrito Federal, CEP 70165-900, ORIOVISTO GUIMARÃES , vêm, respeitosamente, à presença de Vossa Excelência, por meio do advogado ao final subscrito, na condição de terceiros interessados , com fulcro no art. 5°, XXXIV, “a” da Constituição Federal, exercer os respectivos direitos de petição , para que seja julgado procedente o pedido formulado na exordial, conferindo-se interpretação conforme à Constituição aos dispositivos dos Regimentos Internos do Senado Federal (art. 59) e da Câmara dos Deputados (art. 5°, caput e § 1°), de modo a declarar solenemente a impossibilidade de recondução dos Presidentes das Casas na mesma legislatura.
No início do mês de agosto do corrente ano, o Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) ajuizou perante essa E. Corte ação direta de inconstitucionalidade, rogando-lhe que se pronuncie sobre a interpretação constitucionalmente adequada a ser conferida às disposições regimentais das Casas Legislativas do Congresso Nacional acerca da (im)possibilidade de reeleição de seus respectivos Presidentes.
Diante dos expressivos reflexos de seu futuro julgamento nos trabalhos e no funcionamento do Parlamento brasileiro, os Senadores da República signatários valem-se do direito constitucionalmente assegurado de petição para complementar as razões elencadas na peça vestibular, bem como para apresentar parecer jurídico da lavra de renomado jurista.
A controvérsia reside na interpretação do art. 59 do Regimento Interno do Senado Federal (“Os membros da Mesa serão eleitos para mandato de dois anos, vedada a reeleição para o período imediatamente subsequente”) e do caput (“Na segunda sessão preparatória da primeira sessão legislativa de cada legislatura, no dia 1º de fevereiro, sempre que possível sob a direção da Mesa da sessão anterior, realizar-se-á a eleição do Presidente, dos demais membros da Mesa e dos Suplentes dos Secretários, para mandato de dois anos, vedada a recondução para o mesmo cargo na eleição imediatamente subsequente”) e § 1° (“Não se considera recondução a eleição para o mesmo cargo em legislaturas diferentes, ainda que sucessivas”), ambos do art. 5° do Regimento Interno da Câmara dos Deputados.
O parâmetro de controle apontado pela presente ação direta de inconstitucionalidade é precisamente o art. 57, § 4°, da Constituição Federal (“ Cada uma das Casas reunir-se-á em sessões preparatórias, a partir de 1º de fevereiro, no primeiro ano da legislatura, para a posse de seus membros e eleição das respectivas Mesas, para mandato de 2 (dois) anos, vedada a recondução para o mesmo cargo na eleição imediatamente subsequente.”)
Do texto constitucional, ictu oculi, depreende-se, sem qualquer esforço hermenêutico, que não se permite a recondução para o mesmo cargo (Presidente da Câmara dos Deputados ou do Senado Federal) na eleição levada a cabo imediatamente após o mandato em exercício.
Há discussão doutrinária, contudo, a respeito da possibilidade da recondução em caso de nova legislatura, reeleito o Presidente para um novo mandato de Deputado ou Senador e tendo ocupado a cadeira na legislatura que se encerrou.
In casu, entretanto, tanto o atual Presidente do Senado como o da Câmara dos Deputados vislumbram a possibilidade de concorrer para um segundo mandato na mesma legislatura, razão pela qual pretende-se explorar essa exata realidade, deixando-se as contendas em sede de doutrina acerca de legislaturas distintas para a percuciente pena do parecerista, o Professor Titular de Direito Administrativo da PUC/SP, Adilson Abreu Dallari.
A esse respeito, pede-se vênia para reproduzir trecho de comentário ao artigo sob exame, inserido em obra dedicada a toda a Constituição da República Federativa do Brasil, coordenada pelo eminente Relator e por outros juristas de renome, como os Professores Canotilho e Ingo Sarlet:
“Registre-se, de qualquer modo, que o entendimento dentro das Casas Legislativas, contrariando a melhor interpretação, é o de que a proibição de reeleição para a Mesa se dá apenas para a mesma legislatura, permitindo-se, portanto, que os membros das Mesas no último biênio da Legislatura possam se candidatar para as vagas das Mesas no Congresso que ainda será instalado se forem reeleitos para um novo mandato parlamentar. O supedâneo desse entendimento se encontra formalizado no Regimento Interno da Câmara dos Deputados (art. 5º, § 1º, bem como na interpretação exarada, pelo Parecer n. 555, de 1998, do art. 59 do Regimento do Senado Federal).” Grifo nosso.
Também André Ramos Tavares, Professor Titular da Universidade de São Paulo, sustenta semelhante raciocínio, cosignando que ficou assente o entendimento de que a restrição é exigível, ainda que aplicável apenas dentro da mesma legislatura.
Ives Gandra da Silva Martins, na mesma toada, escreveu a respeito do tema para o jornal “O Globo” quando se discutia a possibilidade de reeleição de Rodrigo Maia, tratando-se então de circunstâncias excepcionais em que o aludido parlamentar havia assumido o cargo para substituir o Presidente deposto e por poucos meses.
Naquele contexto, Gandra defendeu a possibilidade de reeleição já que não se estava diante de mandato completo de dois anos, objeto de expressa vedação da Carta Maior.
Para formular seu raciocínio, contudo, cumpre reproduzir alguns argumentos no sentido da proibição de reeleição quando o cargo é regularmente ocupado durante o lapso de tempo prescrito, como se está ora a discutir:
“O que a Constituição proíbe é a reeleição daquele que foi eleito para mandato de dois anos. A dicção constitucional é clara ao dizer que: a eleição da Mesa Diretoria é por dois anos, e esta Mesa Diretora não pode ser reconduzida para o mesmo cargo na eleição imediatamente subsequente.
Não há qualquer manifestação do constituinte a respeito de mandatos complementares no que concerne à reeleição.
À evidência, o dispositivo contém uma norma permissiva (possibilidade de eleição por 2 anos) e uma norma vedatória (impossibilidade de recondução de quem foi eleito por dois anos).
Ora, na hermenêutica constitucional, toda a norma restritiva de direitos não pode ser interpretada extensivamente, mas sim restritivamente, pois o texto constitucional é assecuratório de direitos, e não amputador deles por interpretações abrangentes, analógicas ou integrativas. Tais técnicas exegéticas, se aplicadas à restrição de direitos, ensejariam com sua adoção a redução do estado democrático de direito, prelúdio das ditaduras.” Grifo nosso.
Nessa esteira, não se pode ampliar o que o Constituinte expressamente restringiu. O único e legítimo meio para se permitir a recondução dentro da mesma legislatura seria através da aprovação, nas duas Casas e em dois turnos, de Proposta de Emenda à Constituição para alterar a redação do § 4° do art. 57 da Lei Maior. Mera mudança regimental – frise-se – não seria capaz de desautorizar o comando constitucional e tampouco essa E. Corte, com a devida vênia, poderia atribuir interpretação diversa a norma semanticamente unívoca.
O dispositivo em tela não estimula, senão obriga a alternância de poder no cargo máximo de cada Casa Legislativa quando o novo pleito ocorre na mesma legislatura.
Absolutamente descabida, portanto, a tentativa de emprego, por analogia, do art. 14, § 5º, da Constituição Federal, segundo o qual o Presidente da República, os Governadores de Estado e do Distrito Federal, os Prefeitos e quem os houver sucedido, ou substituído no curso dos mandatos poderão ser reeleitos para um único período subsequente.
Já o sabem os primeiranistas do curso de Direito que o recurso à analogia é franqueado tão-somente quando não há regra específica a disciplinar determinada situação no plano dos fatos, ou seja, quando é preciso integrar o sistema normativo.
Ora, no caso sob exame, o § 4° do art. 57 da Constituição Federal foi desenhado precisamente para figurar como norma vedatória cujo suporte fático é a eleição para a Presidência das Casas do Congresso Nacional.
Há, em consequência, uma subsunção perfeita do fato à previsão normativa, perfectibilizando a atuação do intérprete, a quem não serve, nesse contexto, o uso da analogia. Nesse sentido, as sempre atuais lições do Professor Miguel Reale:
“Não se esqueçam, aliás, que é muito frequente em Direito o recurso à analogia. O proceso analógico é, no fundo, um raciocínio baseado em razões relevantes de similitude. Quando encontramos uma forma de conduta não disciplinada especificamente por normas ou regras que lhe sejam próprias, consideramos razoável subordiná-la aos preceitos que regem relações semelhantes, mas cuja similitude coincida em pontos essenciais. Como demonstro em minha Filosofia do Direito, o processo analógico está como que a meio caminho entre a indução e a dedução, desempenhando função relevante no Direito, quando a lei é omissa e não se pode deixar de dar ao caso uma solução jurídica adequada.”
Na mesma linha, como não poderia deixar de sê-lo em tema tão incontroverso, o Professor Tercio Sampaio Ferraz Junior:
“O uso da analogia, no direito, funda-se no princípio geral de que se deva dar tratamento igual a casos semelhantes. Segue daí que a semelhança deve ser demonstrada sob o ponto de vista dos efeitos jurídicos, supondo-se que as coincidências sejam maiores e juridicamente mais significativas que as diferenças. Demonstrada a semelhança entre dois casos, o intérprete percebe, simultaneamente, que um não está regulado e aplica a ele a norma do outro. A analogia permite constatar e preencher a lacuna.”
Pergunta-se, pois: que lacuna haverá de se preencher? Qual é a falta de regulação para que se tome emprestada regra semelhante? Acaso se poderá substituir a clara e objetiva vontade do Constituinte por qualquer sorte de interpretação?
Mais uma vez com a devida vênia, o manejo da analogia para o presente caso, regrado de forma cristalina e unívoca, nada mais seria, para empregar a expressão utilizada por Sua Excelência, o ex-Ministro Ayres Britto, do que um salto triplo carpado hermenêutico.
A necessidade de alternância de poder como corolário da democracia encontra uma longa solidez teórica. Os estudiosos que investigaram as bases do regime democrático, apontavam – e por todos, menciona-se Aristóteles em sua “Política” – que a mutabilidade na ocupação de cargos públicos é um de seus atributos essenciais.
Na realidade das Casas do Congresso Nacional, a alternância é ainda mais imperiosa ao se considerar que os Presidentes de cada qual têm amplo domínio sobre as pautas das sessões que comandam. Desse modo, a recondução de um mesmo Presidente, sobretudo dentro da mesma legislatura, pode ocasionar prejuízos insanáveis ao bom funcionamento do Legislativo, na medida em que o que será pautado ou não pode vir a ser objeto de negociações políticas para a reeleição do atual mandatário.
Nessa linha, a baixa taxa de renovação das Casas Legislativas, com exceção do último pleito em que foi expressiva ao menos na Câmara Alta, é comumente associada como fator responsável por um funcionamento menos eficiente e respeitoso dos valores republicanos, motivo pelo qual passou a ser objeto de discussão, inclusive, a possibilidade de se restringir eleições consecutivas ilimitadas.
A preocupação com as eleições sucessivas e indefinidas no Parlamento encontra eco, em particular, na importante eleição para as Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal e especialmente para os que as presidem, tamanho o poder que lhes é conferido.
Entre os valores republicanos a que se fez alusão, figura a temporariedade dos mandatos políticos, tanto no Poder Executivo como no Legislativo. Neste, embora seja possível reeleger-se indefinidamente e sem necessidade de intercalar mandatos, houve por bem o Constituinte em não adotar a regra em tela, por simetria, aos chefes das Mesas Diretoras de cada uma das Casas.
A alternância de poder figura ainda como postulado básico de respeito ao cidadão e de combate à corrupção na esfera pública e privada. Nesse particular, não se está a questionar a honradez dos atuais ocupantes dos cargos de Presidente na Câmara e no Senado, indivíduos probos e idôneos.
Contudo, o exercício do poder, como já o previra Montesquieu, pode conduzir a que seus titulares venham a exercê-lo de forma abusiva, em detrimento dos objetivos institucionais do Parlamento e mesmo do interesse público.
Como conclusão, para além da univocidade semântica da redação do art. 57, § 4° da Constituição Federal no sentido da impossibilidade de os Presidentes do Senado da República e da Câmara dos Deputados concorrerem a um mandato subsequente, em especial na mesma legislatura, há consenso doutrinário, também na Ciência Política, de que a perspectiva de alternância no poder é condição sem a qual não se pode sustentar qualquer modelo de democracia representativa com pretensões normativas.
Roga-se, portanto, aos eminentes Ministros dessa E. Corte, que julguem procedentes os pedidos formulados na inicial, inclusive quanto à concessão de medida cautelar.
Outrossim, requer-se a juntada de parecer jurídico firmado por Adilson Abreu Dallari, Professor Titular de Direito Administrativo da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, confeccionado a rogo dos Senadores abaixo subscritos.
Nesses termos,
pedem deferimento.
Brasília, 24 de agosto de 2020.
Senador ALESSANDRO VIEIRA
Senador RANDOLFE RODRIGUES
Senador JORGE KAJURU
Senador ORIOVISTO GUIMARÃES
Senador MAJOR OLÍMPIO
Caio Chaves Morau
OAB/SP 357.111
(assinado eletronicamente)
Foto: Waldemir Barreto/Agência Senado/arquivo