CGU investiga fraude na documentação da Precisa na compra de vacina

Órgão apura o papel de intermediadora da empresa Precisa Medicamentos após encontrar uma adulteração na autorização para negociar as vacinas

Precisa usava documentos falsos na venda da Covaxin ao governo

Diamantino Junior

Publicado em: 29/07/2021 às 15:57 | Atualizado em: 29/07/2021 às 15:57

A Controladoria-Geral da União (CGU) não encontrou evidências de sobrepreço na contratação da vacina Covaxin, mas apura o papel de intermediadora da empresa Precisa Medicamentos após encontrar uma adulteração na autorização para negociar as vacinas. 

O anúncio dos principais pontos da auditoria feita pelo órgão foi feito pelos ministros da CGU, Wagner Rosário, e da Saúde, Marcelo Queiroga, nesta quinta-feira (29).

O descarte da versão de um possível sobrepreço e as desconfianças envolvendo a Precisa tinham sido adiantados pela analista de política da CNN, Renata Agostini, na noite anterior. 

Segundo explicou Wagner Rosário, a CGU descartou a suspeita de sobrepreço em 1000% após entender que o único preço atribuído às doses da Covaxin havia sido US$ 15.

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A hipótese de fechar negócios a US$ 10 girou apenas ao redor de suposições e expectativas da empresa em uma reunião feita no dia 20 de novembro de 2020. “Posteriormente, a empresa informa em reuniões e oficialmente em documentos que os preços fechados eram de 15 dólares”, disse Rosário.

A CGU também descartou a hipótese de suspeitas envolvendo o quantitativo de vacinas contratadas, que foi de 20 milhões de doses, apesar de admitir que faltaram elementos técnicos para cravar a quantia.

A oferta inicial da Precisa e da Bharat foi de 12 milhões de doses, mas depois as quantias escalonaram até 20 milhões.

Vacinas

Já que a Bharat Biotech teria 70 dias para entregar as doses e aquele era um momento de procura de vacinas, a CGU interpretou que os prazos “foram adequados e o que tinha para o momento da contratação”, declarou Rosário. 

Outros aspectos que levantaram suspeitas no caso da Covaxin foram a celeridade de fechamento do contrato e possíveis pressões no processo de autorização de importação. Ambos também foram descartados na auditoria da CGU.

Em relação ao primeiro ponto, Wagner Rosário mostrou comparações entre o tempo de negociação para adquirir a Covaxin e a vacina russa Sputnik V. Somente a data de assinatura do contrato distoa.

Na segunda suspeita, Rosário mostrou que os servidores da Saúde identificaram erros na elaboração das invoices (faturas) e enviaram para a correção da Anvisa – fato também já explorado com funcionários na CPI da Pandemia -, mas que os erros foram corrigidos.

“Todas as imprecisões foram detectadas pelo Ministério da Saúde e em nenhum momento esses documentos foram tramitados para o setor de pagamentos do Ministério”, disse o ministro.

Indício de adulteração

O principal tópico apresentado pela CGU foi o indício de adulteração de uma das autorizações que a Precisa necessitava apresentar para a Saúde a fim de fechar negócios.

A empresa tinha o aval da Bharat Biotech para “emitir documentos e iniciar discussões”. Até então, “não havia dúvidas que a precisa era a representante” da Bharat Biotech para conversar sobre a Covaxin, afirmou Rosário.

No entanto, não ficou claro para o Ministério se isso também incluiria autorização para assinar o contrato, o que motivou um novo pedido de explicação para a Precisa. O documento recebido deu o aval final, mas ficou sob suspeita após as denúncias virem à tona.

“Quando verificamos, achamos estranho um fato: todos os documentos da Bharat estavam em com título, cabeçário, texto em inglês. Esse documento [a autorização para assinar o contrato] possuía o seu corpo em inglês e o texto em português. Não se assemelhava muito aos demais emitidos pela Bharat, e a equipe aprofundou os pontos”, explicou o ministro da CGU.

“O documento ficou com marcas de digitalização, e as marcas não aparecem em cima do texto que constava em português, o que nos demonstrava que o texto em português havia sido colado nesse documento”, afirmou.

Depois que a Bharat não reconheceu a legitimidade da suposta autorização e, no dia seguinte, suspendeu a parceria com a Precisa, ficou claro que o papel tinha sido adulterado.

Agora, a CGU encaminhou o documento para a Polícia Federal para que se faça uma perícia e descubra quem teria feito tal colagem. Se for comprovado que a Precisa atuou neste trâmite, a empresa poderá sofrer sanções em licitações futuras, afirmou Rosário.

Os fatos apresentados dizem respeito à auditoria feita para avaliar a legalidade do processo após as denúncias feitas no âmbito da CPI da Pandemia. Outra apuração, uma “investigação preliminar sumária”, ainda está em curso e avaliará se houve algum indício de corrupção nas negociações, disse o chefe da CGU.

Segundo Queiroga, o Ministério da Saúde também irá cancelar definitivamente o contrato de compra da Covaxin, que havia sido apenas suspenso até então.

Denúncias de servidor não foram confirmadas

Ao responder às questões dos jornalistas sobre a auditoria, Wagner Rosário afirmou que as denúncias feitas pelo servidor Luís Ricardo Miranda tinham sido desmentidas, já que “a irregularidade não estava na invoice” e sim em uma “representação da empresa”.

“A irregularidade está numa representação que não apreenta autenticidade, e que a gente só conseguiu detectar por causa das diversas suspeitas que surgiram. O servidor teve o papel dele de trazer, e é o que esperamos de qualquer servidor”, respondeu. “E o canal de denúncia não é procurar irmão ou presidente, está dentro do governo. Isso traz muito mais efetividade ao processo do que ficar conversando por fora”, criticou.

Queiroga e Rosário também negaram que haja qualquer suspeita para além dos fatos apurados sobre a Covaxin, como uma possível demora na aquisição de doses da Pfizer por parte do governo, por exemplo.

Histórico

A CGU passou a investigar os contratos de aquisição da Covaxin em meados de junho, após surgirem denúncias de pressão pela compra do imunizante indiano.

Na época, a CPI da Pandemia havia recebido documentos enviados pelo Ministério das Relações Exteriores que revelavam um valor de negociação pelo governo brasileiro 1.000% superior ao estimado por executivos da Bharat Biotech em agosto do ano passado.

Depois, o deputado federal Luís Miranda (DEM-DF) declarou que levou as suspeitas de irregularidades ao presidente Jair Bolsonaro (sem partido), já que o irmão do parlamentar, Luís Ricardo Miranda, percebeu uma “pressão incomum” nas negociações na divisão de importação do Ministério da Saúde. 

Como não houve indícios de que Bolsonaro repassou a denúncia do possível crime adiante, a Polícia Federal investiga agora se o presidente cometeu prevaricação.

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