Após um mês da chacina ocorrida em Tabatinga (1.106 km de Manaus), o comandante do 8º Batalhão da Polícia Militar (BPM), tenente-coronel Eddie César, 48, foi retirado do comando da unidade. Depois da morte de um sargento da PM na cidade, 12 de junho, enquanto fazia um bico como segurança, equipes de policiais militares do Batalhão mataram ao menos sete pessoas, das quais três foram jogadas no lixão após tortura, segundo denúncias.
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Eles ainda invadiram e vandalizaram casas, ameaçaram familiares dos mortos, adulteraram atestado de óbito e impuseram a lei do silêncio.
Essa é a conclusão após cinco dias de conversas da reportagem da Folha com familiares, testemunhas, moradores e autoridades da tríplice fronteira , uma estratégica porta de entrada no Brasil para a cocaína peruana e para o skunk (maconha mais potente) colombiano.
Por segurança, diversas conversas ocorreram em Leticia, na Colômbia. Apenas o pai de um dos jovens torturados e mortos concordou em falar sem a proteção do anonimato.
Reação da PM
A onda de violência teve início com a morte do sargento Michael Flores Cruz, 36. Por volta do meio-dia daquele sábado, ele estava na região portuária de Tabatinga quando foi alvejado com dois tiros, um deles na cabeça. Outro PM que estava ao seu lado levou um tiro no ombro, mas reagiu e matou o atirador.
Logo após o assassinato, um áudio distribuído via WhatsApp fez a convocação: “Todos os PMs que estiverem de folga desloquem-se para o 8º Batalhão para manter uma reunião aqui. Nosso colega M. Cruz foi a óbito”.
Chacinas no Amazonas
Esta é a terceira chacina atribuída à PM sob o governo Wilson Lima (PSC). Em outubro de 2019, a Rocam matou 17 pessoas no bairro Crespo, em Manaus, na ação mais violenta da corporação. O Ministério Público apontou fortes indícios de que eles foram executados e de que a cena do crime foi manipulada.
Em agosto de 2020, ao menos quatro mortes e outras ações ilegais atribuídas à PM levaram a Justiça Federal a determinar que a PF e a Força Nacional adotassem medidas de proteção para ribeirinhos e indígenas da região.
Comandante acusado de assédio
Em Tabatinga, o 8º Batalhão da Polícia Militar (BPM) está sob o comando do tenente-coronel Eddie César, 48.
Ele foi transferido para a cidade após ter sido denunciado por se envolver sexualmente com alunas do Colégio Militar da Polícia Militar 8, de Ensino Médio, onde ele trabalhava como diretor.
O caso ocorreu em março de 2019, quando circularam áudios e mensagens de WhatsApp em que ele propunha fazer sexo em troca de dinheiro.
À época, ele admitiu as conversas, mas afirmou que eram endereçadas a mulheres de mais de 30 anos. Em seguida, foi para a fronteira, remoção considerada uma punição.
Tiros em adolescente
Na Justiça do Amazonas, ele responde a dois processos por lesão corporal. Em um deles, disparou na perna de um adolescente de 17 anos, em Barcelos (AM). Nos autos, afirmou que o rapaz não obedeceu à ordem de parar.
O caso ocorreu em 2014, durante uma fiscalização de bares junto ao Conselho Tutelar. Segundo o Ministério Público do Amazonas, a vítima estava de costas e não oferecia risco a ninguém.
Oficial nega envolvimento na chacina
Na segunda-feira (28), a Folha ligou para o celular do comandante Eddie. Antes de interromper a entrevista, o tenente-coronel disse que a PM matou quatro pessoas no dia 12, após o assassinato do sargento, mas negou envolvimento com os corpos encontrados no lixão.
“A ação da Polícia Militar se resumiu ao dia 12 de junho. E já foi comprovado, diante da intervenção militar, de quatro óbitos, além do sargento”, afirmou.
O tenente-coronel disse que houve resistência nas quatro mortes cometidas pela PM. “Foi apresentado armamento, foi apresentado tudo que foi necessário.”
Sobre as mortes no lixão, afirmou que a investigação é atribuição da Polícia Civil.
“Acho que já dei informações suficientes para fazer o seu trabalho aí, coisa que não fiz com nenhum órgão de imprensa em Tabatinga. Então, a gente encerra por aqui, tá ok?”
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Foto: Reprodução da TV