O avanço das tropas russas sobre o território ucraniano , que já deixou ao menos 57 mortos e outros 169 feridos desde a madrugada dessa quinta-feira (24/2), horário de Brasília, sinaliza consequências econômicas para o Brasil. Os preços do petróleo e do trigo registram alta no mercado internacional, o que fará com que os brasileiros paguem ainda mais caro pela gasolina e pelo pão, por exemplo.
A importação de fertilizantes – fundamental para a produção agrícola do país – e de tecnologias também poderá ser afetada, e o governo federal terá de se mexer em busca de alternativas, caso as sanções norte-americanas e europeias estrangulem o fornecimento.
Em última instância, tudo isso poderá gerar reflexos nos planos do presidente Jair Bolsonaro (PL) para as eleições de 2022, avaliam especialistas ouvidos pelo Metrópoles .
O chefe do Executivo federal pode não se posicionar publicamente sobre a guerra declarada pelo aliado russo Vladimir Putin, a quem manifestou solidariedade na semana passada, mas a potencial elevação dos preços no mercado ameaça ter impacto direto sobre o bom humor dos eleitores.
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Mais da metade (62%) das importações são adubos ou fertilizantes químicos, o que faz do país o maior fornecedor do produto ao Brasil. Os dados foram levantados pela reportagem do Metrópoles com base na plataforma Comex Stat , do Ministério da Economia.
“O Brasil importa daquela região, não só da Rússia, mas também da própria Ucrânia e da Bielorrússia, muito fertilizante, que é muito importante para a recomposição de terra e o aumento de produção no Brasil. Então, se as sanções econômicas adotadas pelos Estados Unidos e pela Europa afetarem, por exemplo, as transações bancárias, os mecanismos de financiamento e de pagamento operacional contra a Rússia, isso pode dificultar a importação daquela região e afetar o abastecimento brasileiro, mesmo o Brasil tendo outras fontes”, explica o estrategista-chefe do banco Ourinvest e ex-secretário de Comércio Exterior do Brasil, Welber Barral.
“O que isso pode implicar para o Brasil é a dificuldade de encontrar imediatamente fertilizantes, ou até uma postergação de exportações ou de preços mais altos”, acrescenta. O Brasil também tem um histórico de cooperação com a Rússia em ciência, tecnologia e inovação, o que, do mesmo modo, poderá ser afetado, segundo Barral, a depender das sanções.
A ministra da Agricultura, Tereza Cristina (DEM-MS), admitiu estar preocupada com a situação. Nessa quinta-feira, ela afirmou que a pasta tem monitorado a ofensiva da Rússia contra a Ucrânia e avaliado alternativas, caso as importações da Rússia sejam inviabilizadas.
“Tem que ter muito cuidado com isso. O Brasil não importa só desse país. É um importador de fertilizantes de vários países. Temos outras alternativas para substituir, se tivermos problemas”, afirmou ela.
As tensões entre Ucrânia e Rússia também devem impactar no preço dos combustíveis no Brasil. Na manhã dessa quinta-feira, o valor do barril de petróleo Brent alcançou US$ 105 pela primeira vez desde setembro de 2014, e as projeções realizadas por especialistas indicam que esse valor pode atingir os US$ 120 até o fim de fevereiro.
A Petrobrás informou avaliar os impactos do conflito no país. Economistas consultados pelo Metrópoles analisam a situação e antecipam que, caso persista a conjuntura de alta do dólar e do barril de petróleo, inexoravelmente o preço da gasolina sofrerá reajuste no país.
“O cenário é muito ruim para a economia global e péssimo para a brasileira, que está ainda se recuperando da pandemia de Covid. A Rússia é um grande produtor de petróleo e gás natural e, com a política de preços da Petrobras, que acompanha o valor internacional, vai pressionar ainda mais o valor dos combustíveis no Brasil, além de todo processo produtivo”, explica Renato Ribeiro de Almeida, doutor em Direito do Estado pela Universidade de São Paulo (USP). “A Ucrânia e a Rússia também são grandes produtores de trigo, então, naturalmente, vamos ter um aumento do valor do pão e da massa”, diz.
Eleições 2022
Mas a conta não vai pesar só para o bolso dos brasileiros. A investida russa também poderá trazer consequências para o presidente Jair Bolsonaro. Ao se encontrar com o presidente Putin, no último dia 16, o chefe do Executivo federal afirmou que o Brasil é “solidário” ao país . “Estou muito feliz e honrado por este convite. Somos solidários à Rússia. Queremos muito colaborar em várias áreas. Defesa, petróleo e gás, agricultura. As reuniões estão acontecendo. Tenho certeza de que esta passagem por aqui é um retrato para o mundo que nós podemos crescer muito nas nossas relações bilaterais”, disse Bolsonaro, sem, no entanto, fazer menção pública à tensão na região da fronteira entre a Rússia e a Ucrânia, no Leste Europeu.
Pouco depois, ele tentou amenizar o estrago, dizendo que se solidarizava com quem busca a paz.
A fala não foi bem recebida pela comunidade internacional. A Casa Branca criticou a “solidariedade” prestada por Bolsonaro aos russos. Segundo Jen Psaki, secretária de Imprensa do presidente dos Estados Unidos, Joe Biden (Partido Democrata), o Brasil está “do lado oposto da maioria da comunidade global” .
O cientista político João Feres, professor do Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), avalia que as relações externas, porém, nunca foram um tópico relevante nas eleições brasileiras.
“O problema para Bolsonaro, na verdade, é essa guerra causar uma alta dos combustíveis, do petróleo internacional, carência de produtos, inflação. Ou seja, fazer com que a economia do país piore rapidamente – e ainda mais do que já está”, afirma o especialista. “Colocaria um peso a mais sobre ele, pois os eleitores tendem sempre a fazer essa coisa de punir quem está no governo quando a crise piora.”
“O Brasil se colocou em uma posição bem delicada; uma espécie de nó em que o Bolsonaro acabou se envolvendo. Ele tentou buscar na Rússia algum respaldo eleitoral para o isolamento que ele experimenta, mas prestou solidariedade à Rússia em um momento inapto e, agora, chega a uma espécie de encruzilhada”, afirma o professor de relações internacionais da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) André Luiz Reis da Silva.
“Mesmo o Brasil tendo, historicamente, uma tendência de mediação, nosso patrimônio diplomático está tão devastado que seria muito difícil o país atuar de alguma maneira”, complementa o especialista.
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Foto: Marcos Corrêa/PR