Como um czar, Lira ataca desafetos e prioriza aliados de Bolsonaro
O presidente da CĂ¢mara disse nĂ£o haver prazo especĂfico que a Mesa tome essas decisões, "o que dependerĂ¡ da complexidade de cada caso"

Publicado em: 08/03/2022 Ă s 14:29 | Atualizado em: 08/03/2022 Ă s 14:33
A Mesa da CĂ¢mara dos Deputados, presidida por Arthur Lira (PP-AL) e composta por outros seis deputados titulares, tem segurado na gaveta pedidos de puniĂ§Ă£o a parlamentares de partidos que integram a base governista, sendo que um deles estĂ¡ hĂ¡ mais de dois anos aguardando uma mera canetada para começar a tramitar.
Ao mesmo tempo em que nĂ£o se move em relaĂ§Ă£o a esses parlamentares, Lira indica que darĂ¡ prioridade ao caso envolvendo o deputado Kim Kataguiri (UniĂ£o-SP), adversĂ¡rio polĂtico e crĂtico do governo Jair Bolsonaro, que, em uma entrevista, disse ter sido um erro a Alemanha ter criminalizado o partido nazista.
O caso mais antigo se refere ao deputado Wilson Santiago, que, em 2019, teve o mandato suspenso por ordem do STF (Supremo Tribunal Federal) nas investigações de desvio de verbas pĂºblicas de obras contra a seca no sertĂ£o da ParaĂba.
A denĂºncia feita pelo MinistĂ©rio PĂºblico trazia fotos de ações policiais controladas que mostrariam pagamento de propina no apartamento do deputado e em seu gabinete na CĂ¢mara, alĂ©m de imagens de um prefeito aliado supostamente enfiando maços de dinheiro na cueca.
O plenĂ¡rio da CĂ¢mara, presidida Ă Ă©poca por Rodrigo Maia (sem partido-RJ), derrubou a decisĂ£o do STF e restabeleceu o mandato de Santiago. O discurso dos parlamentares, na ocasiĂ£o, foi o de que o caso seria tratado pela instĂ¢ncia adequada, o Conselho de Ética da CĂ¢mara.
Para isso, era preciso apenas que a Mesa da CĂ¢mara encaminhasse a representaĂ§Ă£o ao Conselho, Ă³rgĂ£o que poderia propor penalidades que vĂ£o de advertĂªncia Ă cassaĂ§Ă£o do mandato.
SĂ³ que essa mera formalidade nĂ£o aconteceu atĂ© hoje. No Ăºltimo ano da gestĂ£o de Maia, a pandemia de Covid-19 deixou o colegiado e as demais comissões da CĂ¢mara inativos. No mandato de Lira, que teve inĂcio em fevereiro do ano passado, a representaĂ§Ă£o tambĂ©m nĂ£o andou.
Outro caso parado na Mesa da CĂ¢mara hĂ¡ oito meses se refere a recomendações do Conselho de Ética para suspensĂ£o do mandato do bolsonarista Daniel Silveira (UniĂ£o-RJ), que foi preso em fevereiro do ano passado por ordem do ministro Alexandre de Moraes, do STF, por ter publicado na internet um vĂdeo com ataques a ministros da corte —Moraes, por exemplo, era chamado de “XandĂ£o do PCC”.
SĂ£o duas as punições decididas pelo conselho, mas elas dependem do aval do plenĂ¡rio para serem aplicadas. A maior, de suspensĂ£o de seis meses do mandato, foi deliberada justamente pelos vĂdeos com xingamentos a ministros do STF.
HĂ¡ ainda outra suspensĂ£o de dois meses que tem como origem a gravaĂ§Ă£o clandestina, pelo bolsonarista, de uma reuniĂ£o interna do PSL durante a crise que rachou o partido no primeiro ano do governo de Jair Bolsonaro.
Em outubro de 2019, o ex-PM divulgou o encontro, durante o qual o deputado Delegado Waldir (PSL-GO), entĂ£o lĂder do partido na CĂ¢mara, chamou o presidente Jair Bolsonaro de “vagabundo”.
Waldir integrava a ala do PSL alinhada ao presidente da sigla, o também deputado federal Luciano Bivar (PE), que foi alvo de Bolsonaro e de aliados em uma disputa pelo comando do partido.
Cabe Ă Mesa colocar esses pareceres em votaĂ§Ă£o no plenĂ¡rio, mas isso nĂ£o ocorreu atĂ© agora — ainda nĂ£o foi decidido se as duas punições serĂ£o cumulativas ou se serĂ¡ considerada a maior suspensĂ£o, de seis meses. Com isso, Daniel Silveira, que cumpre medidas cautelares, segue recebendo salĂ¡rio (R$ 33,8 mil) e cotas, como os R$ 112 mil mensais para contrataĂ§Ă£o de assessores.
Outros casos parados na Mesa da CĂ¢mara sĂ£o o de Josimar MaranhĂ£ozinho (PL-MA), suspeito de desvio de recursos de emendas para a SaĂºde, de Bia Kicis (UniĂ£o-DF), por divulgaĂ§Ă£o de dados de mĂ©dicos favorĂ¡veis Ă vacinaĂ§Ă£o infantil, e de Evandro Roman (Patriota-PR), que teve o mandato cassado pelo Tribunal Superior Eleitoral em novembro por infidelidade partidĂ¡ria.
Nesse Ăºltimo caso, cabe Ă CĂ¢mara, pela ConstituiĂ§Ă£o, apenas efetivar a perda do mandato, mas isso nĂ£o ocorreu atĂ© agora.
Questionado por jornalistas no Ăºltimo dia 22 sobre o caso de Daniel Silveira, Arthur Lira nĂ£o deu uma definiĂ§Ă£o clara, mas citou especificamente o caso de Kataguiri, que Ă© do mĂªs passado, o mais recente a chegar Ă Mesa da CĂ¢mara.
“Tem muita coisa aĂ que estĂ¡ esperando, inclusive a remessa do Kim Kataguiri para o Conselho de Ética tambĂ©m estĂ¡ parada. NĂ³s precisamos reunir a mesa para deliberar sobre isso”, disse.
Leia mais
‘Temos que acabar com o poder imperial desse Arthur Lira’, diz Lula no AM
Em 7 de fevereiro, Kataguiri participou do podcast Flow ao lado do podcaster Monark (Bruno Aiub) e da deputada Tabata Amaral (PSB-SP). No programa, Monark defendeu o direito de existĂªncia de um partido nazista. Tabata Amaral rebateu o podcaster.​ Kim foi questionado por Tabata se achava errado a Alemanha ter criminalizado o nazismo. O deputado respondeu que sim.
Kim e Arthur Lira sĂ£o adversĂ¡rios desde que o fundador do MBL se posicionou contra a eleiĂ§Ă£o do alagoano para a PresidĂªncia da CĂ¢mara, no inĂcio de 2021. Lira venceu o presidente do MDB, Baleia Rossi (SP), por 302 votos a 145.
“Em pouco mais de dois anos de mandato, vocĂª jĂ¡ tem o presidente da RepĂºblica e os deputados bolsonaristas apoiando Arthur Lira para a PresidĂªncia da CĂ¢mara. Arthur Lira que Ă© condenado em segunda instĂ¢ncia, que sĂ³ assumiu o mandato de deputado federal porque estĂ¡ com uma liminar no Tribunal de Justiça”, afirmou Kataguiri em entrevista concedida em janeiro de 2021 ao programa “Papo Antagonista”.
Pouco tempo depois que Lira foi eleito, em 1º de fevereiro de 2021, o fundador do MBL escreveu em uma rede social: “Quanto custou os 302 votos de Arthur Lira para vocĂª, pagador de impostos? VocĂª sabe? Considerando aqueles R$ 3 bilhões sĂ£o quase R$ 10 milhões pra cada deputado. Eleger o candidato rĂ©u e condenado de Bolsonaro para a presidĂªncia da CĂ¢mara tem um preço que vai ser cobrado.”
Procurado pela Folha, o presidente da CĂ¢mara disse nĂ£o haver prazo especĂfico que a Mesa tome essas decisões, “o que dependerĂ¡ da complexidade de cada caso”.
“Os casos dos parlamentares citados sĂ£o diferentes entre si, de complexidade diversa e se encontram em momentos distintos de anĂ¡lise.”
Leia mais na Folha
Foto: Paulo Sergio/CĂ¢mara dos Deputados