Após a posse de João Otávio de Noronha como presidente do STJ (Superior Tribunal de Justiça), dois filhos do ministro, que advogam na corte, intensificaram a atuação em processos criminais, apontados como dos mais rentáveis em Brasília.
Noronha chegou ao comando do tribunal em agosto de 2018.
Antes disso, seus filhos Anna Carolina Noronha, 34, e Otávio Noronha, 36, tinham como foco temas ligados às áreas civil e pública do direito.
Depois, passaram a fazer a defesa penal de pessoas investigadas em grandes operações da Polícia Federal e do Ministério Público Federal.
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Nada proíbe que filhos de ministros do STJ advoguem em causas que tramitam no mesmo tribunal — há um debate antigo na classe jurídica sobre o tema.
Nesses casos, os magistrados, e com Noronha não é diferente, ficam impedidos de julgá-las.
Constrangimento dos ministros
Nos bastidores do STJ, no entanto, ministros relatam constrangimento em decidir sobre ações em que figuram como advogados nomes dos filhos do presidente.
Além disso, a situação criou um clima de insatisfação entre a classe de advogados em Brasília.
Levantamento da Folha identificou que, desde agosto de 2018, mês da posse de Noronha como presidente do STJ, 65% das ações protocoladas na corte que têm como advogados Anna Carolina e Otávio tratam de matéria penal.
Antes, representavam apenas 10% da demanda da dupla.
Clientes robustos
Neste ano, a advogada Anna Carolina Noronha assinou, por exemplo, o habeas corpus que garantiu a soltura de Coriolano Coutinho, irmão do ex-governador da Paraíba Ricardo Coutinho (PSB), preso pela PF no início deste ano.
Os pedidos de habeas corpus, e também recursos em habeas corpus, têm sido o forte do trabalho deles de agosto de 2018 para cá.
Desde aquele mês, Anna Carolina e Otávio Noronha figuraram como advogados em 24 pedidos, contra apenas quatro protocolados antes da chegada do presidente do STJ ao cargo.
Ações em operações importantes
Os dois conseguiram libertar presos envolvidos em operações rumorosas.
Um dos pedidos dizia respeito a investigados por fraudes na compra de respiradores pelo Governo do Rio de Janeiro para combater a pandemia do coronavírus.
Publicidade para os filhos
Um dos episódios que mais gerou críticas foi a participação recente dele em uma videoconferência com Anna Carolina nas redes sociais.
O tema do debate foi “Habeas Corpus nos Tribunais Superiores” e, para integrantes do STJ, o caso pode configurar até uma estratégia de captação de clientela para a filha.
O painel digital foi promovido pelo IGP (Instituto de Garantias Penais).
O ministro foi palestrante, e a filha, um dos entrevistadores.
Noronha fez comentários sobre Anna Carolina e admitiu que ambos conversam sobre processos sob relatoria de colegas do ministro.
“Vocês viram aí como é duro ser pai de uma advogada penalista. Imagina, cada decisão do STJ que a descontenta, sou eu que tenho que ouvir toda a reprovação. Às vezes, eu levo bronca por [causa] de decisões dos meus colegas. Não é fácil. Aconselho a vocês não deixarem a filha de vocês serem advogadas no campo penal”, disse o ministro.
Noronha protagonizou na semana passada uma decisão polêmica ao determinar a conversão, de preventiva para domiciliar, da prisão do PM aposentado Fabrício Queiroz, ex-assessor do senador Flávio Bolsonaro e amigo do presidente Bolsonaro.
Queiroz é suspeito de coletar durante anos parte dos salários de funcionários do gabinete na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro quando o hoje senador exercia o mandato de deputado estadual, caso conhecido como “rachadinha”.
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Foto: Valter Campanato/ABr