A marca dos mil dias do governo de Jair Bolsonaro, em 27 de setembro, funcionou como uma espécie de tiro de partida: a pretexto de divulgar o que a gestão fez nesse período, o presidente e seus ministros iniciaram na sequência uma verdadeira peregrinação pelo país.
O poderoso chefe da Casa Civil, o piauiense Ciro Nogueira, um dos líderes do Centrão, inaugurou uma unidade da Polícia Rodoviária Federal em Piripiri (PI) e novas instalações do Instituto Federal do Piauí, em Floriano. O gaúcho Onyx Lorenzoni (Trabalho e Previdência) foi a Canoas (RS) abrir um posto de autoatendimento do INSS.
No Rio Grande do Norte, o titular das Comunicações, o potiguar Fábio Faria, entregou internet de banda larga gratuita em um assentamento de Mossoró, enquanto o ministro do Desenvolvimento Regional, o também potiguar Rogério Marinho, concedeu sistemas de dessalinização de água e maquinário agrícola a 41 municípios.
O ministro do Turismo, o pernambucano Gilson Machado, levou a sua inseparável sanfona a Caruaru (PE) para inaugurar uma “pracinha da Cultura”.
A titular da Secretaria de Governo, a brasiliense Flávia Arruda, exibiu, em cerimônia no Palácio do Planalto, um balanço de investimentos no Distrito Federal, com 275 milhões de reais na construção de um túnel, 2 bilhões de reais para enfrentar a pandemia e 1 200 casas populares.
Além do mesmo chefe, todos têm algo em comum: boas chances de estarem nas urnas eletrônicas em 2022.
O sexteto não está sozinho: levantamento de VEJA mostra que 12 dos 23 titulares da Esplanada cogitam se candidatar, o que faz deste governo o recordista de ministros candidatos desde a redemocratização.
O balaio bolsonarista tem de tudo:
auxiliares mantidos em alta conta pelo presidente, como os comandantes da Infraestrutura, Tarcísio Gomes de Freitas, e da Agricultura, Tereza Cristina, dividem a lista com o chamuscado Marcelo Queiroga (Saúde) e o quase desconhecido Anderson Torres (Justiça e Segurança Pública).
“É um governo de ministros com viabilidade eleitoral”, afirma o senador Eduardo Gomes (MDB), líder do governo no Congresso, ele próprio cotado ao governo do Tocantins.
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Curiosamente, essa enxurrada de candidatos se dá em meio a um governo impopular — segundo o Datafolha de setembro, apenas 22% o classificam como ótimo ou bom, o menor índice desde a posse.
Mas há atrativos para se lançar à disputa, como os estímulos do presidente aos subordinados para que encarem as eleições, sobretudo ao Senado, onde o seu mandato tem sofrido em votações, e a existência de um eleitorado bolsonarista cativo, de 20% a 30%.
Por outro lado, diante do ibope em baixa do presidente e do risco real de derrota no projeto de reeleição do capitão, há também o instinto de garantir uma sobrevivência política, seja no Congresso ou em nível regional.
Não à toa, o segundo governo que proporcionalmente mais teve ministros nas urnas foi o de Michel Temer, que não continuaria no cargo após o pleito de 2018. “Alguns ministros têm suas bases nos estados, que eles têm atendido há algum tempo. Isso é mais importante do que a relação com Bolsonaro”, diz o cientista político David Fleischer, professor da Universidade de Brasília (UnB).
O grande número de ministros dispostos a encarar as urnas pode ser bom para Bolsonaro, mas embute um problema: trocar metade do primeiro escalão daqui a pouco mais de cinco meses, em meio ao processo eleitoral e dentro de um governo que já não prima por ser um modelo de gestão.
A lei eleitoral prevê que os ocupantes de ministérios devem deixar seus cargos até o início de abril. O espaço para concluir prioridades é, portanto, bastante curto, mas há quem veja tempo suficiente para mostrar trabalho e resultados.
Interessado em uma cadeira no Senado, Fábio Faria disse recentemente ao programa Amarelas On Air , de VEJA, que trabalha pela conclusão da privatização dos Correios, já aprovada pela Câmara, e para encaminhar a implantação do 5G em 2022 — tarefa que, segundo ele, ocupou 80% do seu tempo desde a posse.
Cotado ao governo da Bahia, João Roma tem como trunfo o Auxílio Brasil, substituto do Bolsa Família, lançado oficialmente na quarta 20, e que começa a ser pago em novembro.
Outro risco para Bolsonaro é ele perder o pouco de coordenação política que ainda tem no governo.
Caso se confirmem as candidaturas de Ciro Nogueira ao governo do Piauí (aliados locais preferem que ele continue na Casa Civil) e de Flávia Arruda ao Senado, o presidente ficaria sem dois de seus articuladores.
Os aliados, é claro, minimizam eventuais prejuízos e argumentam que as áreas técnicas das pastas não foram loteadas entre políticos. “Antigamente os partidos tinham cargos e na época da eleição todo mundo saía”, diz Eduardo Gomes.
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Foto: Marcos Corrêa/PR