Identificados em vala clandestina 2 desaparecidos na ditadura militar

Os restos mortais foram identificados pela Comissรฃo de Mortos e Desaparecidos Polรญticos e pela Universidade Federal de Sรฃo Paulo (Unifesp)

Mariane Veiga

Publicado em: 15/04/2025 ร s 20:50 | Atualizado em: 15/04/2025 ร s 22:50

A Comissรฃo de Mortos e Desaparecidos Polรญticos e a Universidade Federal de Sรฃo Paulo (Unifesp) identificaram os restos mortais de Denis Casemiro e Grenaldo de Jesus Silva.ย Ambos estavam entre osย desaparecidos polรญticosย sepultados por agentes da ditadura militar na vala clandestina do Cemitรฉrio Dom Bosco, em Perus, na capital paulista.

โ€œAmbos lutaram pela democracia e pela liberdade e foram presos pelo Exรฉrcito, torturados, assassinados e tiveram seus corpos desaparecidos. Identificรก-los รฉ um passo fundamental na reparaรงรฃo histรณrica e no direito ร  memรณria e ร  verdadeโ€, disseram em nota divulgada nesta terรงa-feira (15).

Grenaldo era militar da Marinha brasileira, nascido em Sรฃo Luรญs (MA). Foi preso em 1964 e expulso da instituiรงรฃo enquanto reivindicava melhores condiรงรตes de trabalho.ย Chegou a fugir da prisรฃo e viver na clandestinidade, mas foi morto em 30 de maio de 1972 ao tentar capturar uma aeronave no aeroporto de Congonhas, em Sรฃo Paulo (SP).

Documentos do IML registraram que Grenaldo teria sido sepultado em 1ยบ de junho de 1972 no Cemitรฉrio Dom Bosco como indigente, e constava como desaparecido, atรฉ ter seus remanescentes รณsseos identificados pela equipe do Projeto Perus.

Jรก Denis Casemiro nasceu em Votuporanga (SP), foi pedreiro,ย trabalhador rural e atuou politicamente na Vanguarda Popular Revolucionรกria (VPR).ย Foi preso em abril de 1971, torturado e executado pela equipe do Departamento de Ordem Polรญtica e Social (DOPS), coordenada pelo delegado Sรฉrgio Fleury. Na รฉpoca daย morte dele, foram forjadas versรตes de tentativas de fuga que “resultaram em sua morte”.

Em 2018, os trabalhos jรก haviam identificado os remanescentes do irmรฃo dele, Dimas Antรดnio Casemiro.

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Identificaรงรฃo

Denis Casemiro jรก havia sido identificado em 1991. Mas, segundo a Unifesp, aquela havia sido uma identificaรงรฃo incorreta. Agora, os trabalhos conseguiram a confirmaรงรฃo por meio de uma etapa de compatibilidade genรฉtica.

O reconhecimento dos dois desaparecidos foi possรญvel por meio doย Projeto Perus, que busca identificar as ossadasย encontradas na vala de Perus.ย O projeto รฉ resultado de uma parceria do Ministรฉrio dos Direitos Humanos e da Cidadania, da prefeitura de Sรฃo Paulo, da comissรฃo e da Unifesp, por meio do Centro de Antropologia e Arqueologia Forense.

Grenaldo e Denis foram identificadosย poucos dias depois do governo federal ter realizado um pedido de desculpas pรบblico quanto ร  negligรชncia na guarda e identificaรงรฃo dos remanescentes รณsseos da vala clandestina de Perus. Na ocasiรฃo, a ministra dos Direitos Humanos e da Cidadania, Macaรฉ Evaristo, pediuย desculpas aos familiares das vรญtimas.

โ€œO Ministรฉrio dos Direitos Humanos e da Cidadania, em nome do Estado Brasileiro, pede desculpas aos familiares dos desaparecidos polรญticos durante a ditadura militar brasileira, iniciada em 1964, e ร  sociedade brasileira pela negligรชncia, entre 1990 e 2014, na conduรงรฃo dos trabalhos de identificaรงรฃo das ossadas, encontradas na vala clandestina de Perus, localizada no Cemitรฉrio Dom Bosco em Sรฃo Pauloโ€, disse a ministra, na ocasiรฃo.

Um ato serรก realizado amanhรฃ (16), na capital paulista, a partir das 11h, para anunciar os trabalhos de identificaรงรฃo. A cerimรดnia poderรก serย acompanhada pelo YouTube.

Vala clandestina

A vala foi descoberta pelo jornalista Caco Barcellos, em 1990, quando ele investigava homicรญdios praticados por policiais militares. Analisando laudos periciais em uma sala do Instituto Mรฉdico Legal (IML), em particular nos processos de 1971 a 1973, referentes a encaminhamentos de mortos feitos pelo Departamento de Ordem Polรญtica e Social (Dops), o jornalista notou que havia a letra โ€œTโ€ escrita com lรกpis vermelho em alguns documentos. Ele entรฃo perguntou aos funcionรกrios do IML o significado da marcaรงรฃo e descobriu que a letra T se referia a โ€œterroristaโ€.

Barcellos comunicou a gestรฃo da entรฃo prefeita de Sรฃo Paulo, Luiza Erundina, sobre a existรชncia dessa vala, que determinou o inรญcio das escavaรงรตes.ย No local, foram encontradas 1.049 ossadas sem identificaรงรฃo de vรญtimas de esquadrรตes da morte, indigentes e presos polรญticos.

Assim que a vala foi descoberta, a prefeitura assinou um convรชnio com a Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) para a identificaรงรฃo das ossadas. Tambรฉm houve encaminhamento para a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). O trabalho foi interrompido pouco tempo depois e, em 2002, as ossadas foram levadas para o Cemitรฉrio do Araรงรก, na capital paulista, sob responsabilidade da Universidade de Sรฃo Paulo (USP). Mas a demora para conclusรฃo do trabalho de identificaรงรฃo foi questionada em uma aรงรฃo civil pรบblica de 2009, do Ministรฉrio Pรบblico Federal.

Em 2014, uma parceria da Secretaria Especial de Direitos Humanos (hoje Ministรฉrio dos Direitos Humanos), da Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania e da Universidade Federal de Sรฃo Paulo (Unifesp) permitiu a retomada do trabalho deย identificaรงรฃo dos restos mortaisย resgatados da vala clandestina do Cemitรฉrio de Perus. Mas poucas ossadas foram identificadas atรฉ hoje.

Os restos mortais de apenas cinco pessoas, das 42  provavelmente assassinadas durante a ditadura militar e sepultadas na vala de Perus, haviam sido identificadas: Denis Casemiro, identificado em 1991; Frederico Eduardo Mayr (1992); Flรกvio Carvalho Molina (2005); Dimas Antรดnio Casemiro (2018) e Aluรญsio Palhano Pedreira Ferreira (2018).

Fonte: Agรชncia Brasil

Foto: Antonio Cruz/Agรชncia Brasil