AĂ§Ă£o contra bloqueio de contas bolsonaristas cai no colo de Marques no STF
O ministro, que tem um histĂ³rico de determinações favorĂ¡veis aos interesses de aliados do Planalto, estĂ¡ em recesso de meio do ano e ainda nĂ£o decidiu no processo

Publicado em: 14/07/2022 Ă s 11:08 | Atualizado em: 14/07/2022 Ă s 11:12
Em uma ofensiva jurĂdica no STF (Supremo Tribunal Federal), o site bolsonarista Terça Livre tem apresentado recursos que caem com diferentes ministros da corte para tentar conseguir a liberaĂ§Ă£o das suas contas bancĂ¡rias e redes sociais, bloqueadas apĂ³s decisĂ£o do ministro Alexandre de Moraes.
O principal nome do Terça Livre é o influenciador Allan dos Santos, que é considerado foragido pela Justiça e atualmente vive nos Estados Unidos, onde tem participado de eventos promovidos por apoiadores do presidente Jair Bolsonaro (PL). ​
A estratĂ©gia do site no STF Ă© semelhante a outras tentativas de selecionar, por vias legais, um dos ministros para decidir sobre o caso — como fez o narcotraficante AndrĂ© do Rap, do PCC — e tem gerado crĂticas de integrantes do Supremo.
Os recursos contra a decisĂ£o de Moraes jĂ¡ passaram por Edson Fachin, CĂ¡rmen LĂºcia, Rosa Weber e, novamente, por Fachin.
No Ăºltimo dia 7, um novo pedido da defesa do site ficou sob responsabilidade do ministro Kassio Nunes Marques, indicado para o STF por Bolsonaro.
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Marques, que tem um histĂ³rico de determinações favorĂ¡veis aos interesses de aliados do Planalto, estĂ¡ em recesso de meio do ano e ainda nĂ£o decidiu no processo.
Allan dos Santos Ă© investigado no inquĂ©rito das milĂcias digitais. Em outubro passado, por decisĂ£o de Moraes, as contas do Terça Livre foram removidas no YouTube, Instagram, Facebook e Twitter. As contas bancĂ¡rias da empresa tambĂ©m foram bloqueadas.
A decisĂ£o de Moraes foi tomada ao mesmo tempo em que ele decretou a prisĂ£o preventiva de Santos, sob a justificativa de que sĂ£o necessĂ¡rias restrições financeiras ao influenciador e ao site ligado a ele, “pois hĂ¡ fortes indĂcios de que os valores arrecadados por meio de vĂdeos e lives na internet sĂ£o utilizados de maneira ilĂcita, financiando a estrutura da organizaĂ§Ă£o criminosa que se investiga”.
O advogado do site, Renor Oliver Filho, afirma que o bloqueio Ă© uma “afronta objetiva e direta a direitos constitucionais fundamentais de liberdade de imprensa, livre iniciativa, exercĂcio de profissĂ£o, devido processo legal, entre outros, todos assegurados expressamente pela ConstituiĂ§Ă£o.”
Em outubro, a defesa entrou com o primeiro pedido no STF contra as decisões de Moraes, em um recurso chamado mandado de segurança, que ficou sob relatoria de Edson Fachin.
O ministro rejeitou o pedido, sob o argumento de que a jurisprudĂªncia da corte nĂ£o permite esse tipo de recurso contra ato de um dos seus ministros.
A PGR (Procuradoria-Geral da RepĂºblica) se manifestou no processo com o mesmo entendimento.
ApĂ³s a decisĂ£o de Fachin, a defesa do Terça Livre continuou com uma sequĂªncia de recursos. O argumento utilizado Ă© dizer que os ministros, ao negarem o pedido, estĂ£o concordando com uma suposta decisĂ£o irregular de Moraes —e que, portanto, o processo deve mudar de relator.
O segundo mandado de segurança foi sorteado para CĂ¡rmen LĂºcia, que decidiu com o mesmo entendimento de Fachin. O terceiro caiu com Rosa Weber, que tambĂ©m reiterou a negativa.
Um novo mandado de segurança, apresentado no primeiro semestre deste ano, caiu mais uma vez com Fachin. A defesa do Terça Livre alegou Ă presidĂªncia do Supremo que seus recursos nĂ£o podiam cair com ministros cujas decisões eram contestadas.
Pediu entĂ£o a redistribuiĂ§Ă£o do processo, excluindo os integrantes do Supremo que jĂ¡ haviam decidido sobre o caso.
O presidente do Supremo, Luiz Fux, manteve o caso com Fachin e alfinetou a defesa, afirmando que o pedido do advogado acabaria viabilizando o direcionamento do recurso.
“A se adotar a lĂ³gica do impetrante, nĂ£o haverĂ¡, em breve, ministros competentes para a relatoria do mandamus, tendo em vista a sucessĂ£o de impetrações e o insucesso oriundo da incompatibilidade entre o pedido deduzido na inicial e os precedentes desta corte”, afirmou Fux, em 30 de maio.
Fachin negou o pedido mais uma vez. ApĂ³s isso, a defesa apresentou outro recurso no Ăºltimo dia 7 de julho, que por fim ficou sob a responsabilidade de Kassio Nunes Marques.
Consultados pela Folha sob reserva, advogados que defendem diversas causas no Supremo acham improvĂ¡vel que Kassio se manifeste de forma favorĂ¡vel ao site, mesmo tendo decidido em prol de bolsonaristas anteriormente.
Uma determinaĂ§Ă£o nesse sentido abriria um precedente para que outros advogados questionem, por meio de mandado de segurança, atos individuais dos ministros do STF –inclusive do prĂ³prio Kassio.
Ao Supremo a defesa do Terça Livre afirmou que, mesmo que o ministro se considere impossibilitado de rever a decisĂ£o dos pares, o pedido deve submetido ao plenĂ¡rio do tribunal.
O argumento Ă© que uma decisĂ£o precisa ser “tomada em definitivo e apreciando o mĂ©rito, sem evasões devido a questões meramente formais.”
Procurado, o advogado Renor Oliver Filho afirmou em nota que os bloqueios determinados por Alexandre de Moraes levaram 50 funcionĂ¡rios a perderem seus empregos e vigoram hĂ¡ nove meses “sem que a investigaĂ§Ă£o tenha qualquer deslinde, como o arquivamento ou oferecimento de denĂºncia, importando em confisco da renda e do trabalho desses profissionais de imprensa”.
“Passados mais de nove meses do vazamento da decisĂ£o Ă imprensa, os advogados ainda nĂ£o tiveram acesso aos autos do procedimento, nĂ£o se sabendo a natureza da decisĂ£o e quais as provas que a fundamentam”, afirmou o advogado.
Ele diz que ainda estĂ¡ pendente uma decisĂ£o no STF em um habeas corpus apresentado pela defesa contra a decisĂ£o de Moraes para conceder o acesso Ă investigaĂ§Ă£o —o julgamento foi interrompido por um pedido de vista de Nunes Marques.
“Contra o inevitĂ¡vel e silencioso empastelamento, por estrangulamento, da atividade profissional jornalĂstica, a empresa de mĂdia Terça Livre TV ajuizou atĂ© o momento cinco ações de mandado de segurança contra a ordem abusiva e ilegal do ministro Alexandre de Moraes. Registre-se que todas as ações foram distribuĂdas por sorteio no STF, sem qualquer ingerĂªncia da parte ou do advogado”, disse Oliver Filho.
Em um episĂ³dio que causou desgastes no STF em 2020, o ministro Marco AurĂ©lio, hoje aposentado, mandou soltar o narcotraficante AndrĂ© de Oliveira Macedo, o AndrĂ© do Rap, um dos principais chefes do PCC.
A ordem de Marco AurĂ©lio foi dada apĂ³s manobras da defesa de AndrĂ© do Rap para o caso cair com um ministro cuja tendĂªncia era conceder uma decisĂ£o favorĂ¡vel no caso.
Fux e o plenĂ¡rio do STF agiram para revogĂ¡-la e para mudar a forma como os processos eram distribuĂdos entre os ministros, mas o narcotraficante segue foragido da Justiça atĂ© hoje.​
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Foto: Carlos Mouro/SCO/STF