Num dos primeiros inquéritos abertos a partir de fatos apurados pela CPI da covid no Senado, a Polícia Federal (PF) identificou indícios de falsidade ideológica, uso de documentos falsos e associação criminosa, por parte de funcionários da Precisa Medicamentos que participaram das negociações com o Ministério da Saúde para a venda da vacina indiana Covaxin, a mais cara negociada pelo governo brasileiro durante a pandemia.
A transação foi cancelada em agosto, após o contrato ter sido assinado, por determinação da Controladoria-Geral da União (CGU), que também encontrou indicativos de irregularidades.
Além disso, a PF detectou indícios de lavagem de dinheiro por parte dos responsáveis pelo FIB Bank, uma empresa que deu a garantia financeira para a assinatura do contrato, embora não tivesse autorização do Banco Central para conceder esse tipo de chancela.
Foi com base nesses elementos que a PF cumpriu busca e apreensão na semana passada em endereços de Francisco Emerson Maximiano, sócio da Precisa, e de outros personagens envolvidos no negócio.
A magistrada aponta que “extrai-se dos documentos acostados aos autos a existência de indícios de autoria e materialidade da possível prática de ilícitos criminais”, em especial dos crimes de falsidade ideológica, uso de documentos falsos e associação criminosa.
Ela negou o pedido de prisão de investigados, como Maximiano, mas autorizou as demais medidas.
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A investigação também chegou a suspeitas que envolvem o FIB Bank. Nesse braço da apuração, chamou a atenção o papel do empresário Marcos Tolentino. Para a PF, possivelmente, ele é um “sócio-oculto” da empresa.
“Tudo em torno do FIB Bank orbita em torno da pessoa de Marcos Tolentino da Silva, que possui vínculos diretos com as empresas que compõem seu quadro societário […], sem contar que ele é o beneficiário final do dinheiro que passa pela conta da empresa”, diz a decisão.
De acordo com a PF, o FIB Bank não é um banco nem uma seguradora e, por isso, não teria autorização legal para fornecer garantia financeira. Além disso, a empresa teria inflado seu capital social “mediante atos fraudulentos”, incluindo dois imóveis em seu patrimônio que não seriam da empresa.
A PF ainda aponta que é necessário aprofundar as investigações sobre a empresa para apurar se houve pagamento de propina a servidores públicos, já que o alto fluxo financeiro despertou suspeitas dos órgãos de controle.
Os indícios de ilegalidades em torno do contrato de compra da Covaxin surgiram após o servidor do ministério Luís Miranda ter denunciado que sofreu pressões dos seus superiores para dar aval à aquisição da vacina, mesmo depois de identificar possíveis irregularidades.
Para a PF, os principais suspeitas de crimes estão relacionados aos documentos apresentados pela Precisa ao Ministério da Saúde para demonstrar que ela seria o “representante legal e exclusivo” do Bharat Biotech, o laboratório indiano que fabrica a Covaxin, para negociar o imunizante.
Outras questões levantadas pela CPI da covid, no entanto, como um eventual sobrepreço na aquisição da vacina e irregularidades em documentos que previam o pagamento antecipado por parte do ministério, foram descartadas pela Polícia Federal.
O imunizante custou R$ 80,70 por dose ao governo, quatro vezes o valor unitário da vacina produzida pela AstraZeneca. O contrato previa pagamento de R$ 1,6 bilhão para fornecer 20 milhões de unidades.
Outro lado
Procurada, a Precisa negou irregularidades nos documentos entregues ao ministério e afirmou estar colaborando com as investigações. A versão, contudo, já foi contestada por seu principal parceiro comercial no caso.
O laboratório indiano Bharat Biotech informou em nota, divulgada em julho, que não reconhecia a autenticidade dos documentos levados em seu nome pela empresa brasileira.
A Precisa alega, porém, que “já apresentou laudo técnico” que comprovou que a autoria dos arquivos questionados é de outra companhia parceira do Bharat Biotech.
A CGU apontou indícios de falsificação como um dos motivos para orientar o governo pelo cancelamento da compra.
Já a defesa de Marcos Tolentino disse que ele “não é, nem nunca foi, sócio oculto do FIB Bank”.
“Não há justificativas para o empresário Marcos Tolentino ser envolvido neste processo, uma vez que não tem qualquer relação societária com o FIB Bank nem com a Precisa Medicamentos”, argumentou o empresario por meio dos seus representantes.
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Foto: Revista Fórum