Meu primeiro encontro com o compositor Edvan Menezes Teixeira foi na frente de casa. Eu tirava meu carro da garagem, quando ele quase me fechou com o carrinho de bebê que conduzia.
Isso foi no fim de outubro do ano passado.
– Eu conheço o senhor. Eu já lhe vi não sei aonde, disse ele tentando buscar as lembranças de sua memória.
E continuou, depois de vagar um pouco em suas reminiscências.
– O senhor é de Parintins?
A pergunta era a senha da conversa que poderíamos ter. De pronto, dei-lhe atenção. Afinal, aquele cidadão aparentava ter a minha idade, apesar da aparência sofrida.
Meus traumas
Sim, poderia ser, quem sabe, um ex-colega de aula.
Isso já aconteceu comigo, num dia que viajei de férias para um lugar bem distante da cidade de Parintins. Para o rio Uaicurapá, para as belas praias da comunidade de São João do Jacu, ainda não descobertas comercialmente.
Nessa viagem, estava o então superintendente regional da Infraero Rubens Lima, o querido Rubinho.
Na segunda noite dessa curtição, desejamos apreciar um porco assado na praia.
Pegamos o barco e, a uma hora de onde estávamos, encontramos um produtor que tinha leitões à escolha. Negociamos, escolhemos o animal, contamos nossa história por ali, e o dono da propriedade se prontificou a tratar o suíno à luz de lamparina.
Ao fim, quando nos despedíamos, o homem falou meu nome. Alias, nome e sobrenome, citando a rua da casa dos meus pais.
Ele havia estudado comigo a 5ª série. Porém, sumiu da escola depois disso. Contou-me ali que, naquele ano que cursou o primeiro ano do ginásio, trocou a cidade pelo campo.
Imaginem! Quase 40 anos haviam se passado, mas meu colega de aula ainda lembrava de mim, da minha voz, porque, no escuro, nossos rostos não apareciam perfeitamente.
Eu fiquei desapontado por não tê-lo reconhecido, assim como ele me reconheceu.
Isso me consumiu o resto na noite. Depois, por dias e dias. E agora, encontrando o Edvan, percebo que o reencontro com meu ex-colega de aula me foi uma lição.
Conversa adiada
Então, por isso, resolvi falar atentamente com aquele cidadão que pilotava o carrinho de bebê.
Mas, naquele momento, não dava pra gente conversar. Eu estava correndo para uma pauta e, de lá, embarcaria para o #Toadas de Brasília.
Dias se passaram e voltei a encontrar o Edvan. Dessa vez, longe de casa, na avenida das Torres, num cruzamento de ruas, quase debaixo de semáforo.
Ele estava ali catando latinhas. Ao acaso, ele olhou pra mim e falou à queima roupa:
– Eu já sei quem o senhor é. Pois eu quero muito falar com o senhor.
Isso deveria ser fim de novembro. Mas a nossa conversa, mesmo, só veio a acontecer depois do Natal que passou .
Com seu carrinho de bebê, que utiliza para catar as coisas na ruas, ele havia montado espera para me abordar.
Ele já sabia que eu utilizo um portãozinho secreto pelos fundos de casa. Ali, ele se pôs até eu chegar, quase meio-dia.
Então, o Edvan já foi dizendo:
– Eu não vou lhe pedir dinheiro. Eu não vou lhe pedir nada.
Quase sem ação, convidei-o a entrar em casa e que almoçasse com a gente.
Mas ele preferiu ficar à beira da rua, quase fechando minha entrada pelo portão secreto.
– Eu só quero que o senhor escute minhas músicas. São de minha autoria.
E pedi que as cantasse. E ele prontamente.
Começou pela “Bruna Terço”, que eu gostei no ato. Depois, soltou “Paulinha”, “Não te perdi (Amor bandido dói)” e finalizou com “Emprega e patrão”.
Avaliação de maestro
Ironicamente, no momento em que o Edvan apresentava as músicas dele, chegava em casa o meu amigo Neil Armstrong.
Sem explicar o que estava acontecendo ali, pedi ao Neil que parasse um pouco e ouvisse as músicas à capela.
De pronto, Neil olhou para o artista com olhar de admiração e apontou o dedo, fez um biquinho na boca, em seguida balançando a cabeça positivamente.
A aprovação das obras do Edvan não foi de um qualquer. Neil Armstrong é músico formado pela Universidade Federal do Amazonas (Ufam), é maestro do Teatro Amazonas, é regente adjunto da Orquestra de Violões do Amazonas. Sem falar que ele é produtor musical há 35 anos.
História das composições
– Como você compõem essas músicas?
– Quando eu estou perturbado, pensando nas coisas. Eu vou andando com esse carrinho e os versos vão aparecendo.
– Você não compõe parado, sentado, combinando letra e música?
– Não, não, eu não sei fazer assim. As músicas só saem quando eu estou com algum problema.
A vida de Edvan
Neste ponto, procurei saber mais sobre ele.
– Sou avô, tenho uma filha de 21 anos.
– Você tem estudo?
– Estudei até a 8ª série, estudei no Andirá (rio Andirá possui várias comunidades indígenas da etnia Sateré-Maué).
– E sua esposa?
– Ela me deixou quando minha filha tinha 5 anos, há 17 anos.
O sonho de Edvan
Esse foi o momento mais forte desta conversa: quando perguntei do Edvan qual era o maior sonho da vida dele.
Nesse ato, seus olhos destampara a represa que segurava a dor que ele carrega:
“Meu maior sonho, hoje, é ter alguma coisa para comer e beber. E ter onde morar”.
Outras obras de Edvan
Edvan participou do nosso almoço nesse dia, pediu roupas e cantou mais umas dez músicas, pedindo que eu não as publicasse, por enquanto.
Assim, criou mistério de que pode ter um celereiro de músicas próprias. Ou seja: Edvan pode ser um novo Caneta Azul?
Contato
Edvan Menezes Teixeira atende no contato (92) 991851115.
https://www.youtube.com/watch?v=-dFYbc7nHLI