Foto: Wilson Nogueira
Wilson Nogueira* [Texto e fotos]
Nas várzeas amazônicas é raro não encontrar uma casa ao menos com um pé de cuieira (Crescentia cujete ), planta que tem vários nomes populares na extensa geografia das Américas. No Nordeste brasileiro, por exemplo, é mais conhecida como cabaceira.
O cultivo da espécie pela população indígeno-cabocla tem uma explicação óbvia: trata-se da árvore cujo fruto, a cuia, coité ou cabaça, gera utensílios domésticos, enfeites e remédios para humanos e animais domésticos.
Além da vasta utilidade, a cuia é biodegradável e, por isso, logo retorna à natureza na forma de adubo. O seu lugar entre os itens indispensáveis à vida rural, entretanto, há algum tempo vem sendo tomado por utensílios e enfeites feitos de outros materiais, principalmente os de plástico e de vidro, cujos danos à natureza são alarmantes.
O fruto arredondado é constituído de uma casca resistente que protege o bucho (polpa) e as sementes. Existe uma variedade da espécie com frutos de diferentes tamanhos.
Entre os objetos que derivam da cuia, o mais conhecido no meio urbano amazônico é a cuia de tacacá, na qual é servida essa iguaria da culinária regional. O tacacá é uma espécie de sopa feita de goma e sumo (tucupi) de mandioca, mais jambu, cebola picada, camarão e sal.
Cuia tucano
No cotidiano amazônico, a cuia serve para transportar, armazenar e servir água de beber; para se beber o sapó (bebida sateré-mawé feita de guaraná ralado na língua de pirarucu) e o caxiri (bebida indígena de mandioca fermentada); para mexer a farinha no forno (cuia péua ); para coletar urina (urinol/penico), para guardar alimentos e utensílios de pesca; cuia para tirar água da canoa, para tomar banho de beira de rio etc.
Cuia com suporte da etnia Tucano, alto rio Negro.
No quesito arte, o tamanho da lista só depende da criatividade do artista. Nas lojas de artesanatos da região são abundantes os pingentes, sutiãs, anéis, colares, maracás, lembrancinhas com figuras de animais, abajures…todos feitos de cuia.
Na medicina popular, existem relatos de que a polpa da cuia combate micoses e asma, e que, na forma de chá, produz efeitos purgativos e expectorante. É comum o uso popular do banho com bucho de cuia esmigalhado para curar pira (sarda) canina.
A literatura científica atesta que da cuia já foram isolados ácido crescentino, cianídrico e taninos. São princípios ativos botânicos que colocam a cuieira entre as inúmeras espécies amazônicas com potencial para a bioindústria.
Diz a crença popular que um pé de cuieira no quintal é sinal de que a casa é receptiva, amável, farta e abençoada pelos deuses e deusas das florestas e dos rios.
Não bastasse essas mil e uma utilidades, a cuieira ainda é uma arvore de exótica beleza: seus galhos, com folhas pequenas, verdes escuras, se espalham tortuosamente. Os frutos tanto surgem nos galhos finos quanto nas proximidades do caule, vinculados diretamente ao madeiro.
Pé de cuia
Assim, pode ser cultivada com finalidade ornamental. Seus frutos, verdes, verdoengos ou maduros são de encher os olhos de beleza ímpar.
*O autor é jornalista e escritor