A cuia e suas mil e uma utilidades

Publicado em: 25/02/2019 Ă s 10:14 | Atualizado em: 25/02/2019 Ă s 10:14

Foto: Wilson Nogueira
Wilson Nogueira*[Texto e fotos]
Nas vĂ¡rzeas amazĂ´nicas Ă© raro nĂ£o encontrar uma casa ao menos com um pĂ© de cuieira (Crescentia cujete), planta que tem vĂ¡rios nomes populares na extensa geografia das AmĂ©ricas. No Nordeste brasileiro, por exemplo, Ă© mais conhecida como cabaceira.
O cultivo da espĂ©cie pela populaĂ§Ă£o indĂgeno-cabocla tem uma explicaĂ§Ă£o Ă³bvia: trata-se da Ă¡rvore cujo fruto, a cuia, coitĂ© ou cabaça, gera utensĂlios domĂ©sticos, enfeites e remĂ©dios para humanos e animais domĂ©sticos.
AlĂ©m da vasta utilidade, a cuia Ă© biodegradĂ¡vel e, por isso, logo retorna Ă natureza na forma de adubo. O seu lugar entre os itens indispensĂ¡veis Ă vida rural, entretanto, hĂ¡ algum tempo vem sendo tomado por utensĂlios e enfeites feitos de outros materiais, principalmente os de plĂ¡stico e de vidro, cujos danos Ă natureza sĂ£o alarmantes.
O fruto arredondado Ă© constituĂdo de uma casca resistente que protege o bucho (polpa) e as sementes. Existe uma variedade da espĂ©cie com frutos de diferentes tamanhos.
Entre os objetos que derivam da cuia, o mais conhecido no meio urbano amazĂ´nico Ă© a cuia de tacacĂ¡, na qual Ă© servida essa iguaria da culinĂ¡ria regional. O tacacĂ¡ Ă© uma espĂ©cie de sopa feita de goma e sumo (tucupi) de mandioca, mais jambu, cebola picada, camarĂ£o e sal.

Cuia tucano
No cotidiano amazĂ´nico, a cuia serve para transportar, armazenar e servir Ă¡gua de beber; para se beber o sapĂ³ (bebida saterĂ©-mawĂ© feita de guaranĂ¡ ralado na lĂngua de pirarucu) e o caxiri (bebida indĂgena de mandioca fermentada); para mexer a farinha no forno (cuia pĂ©ua); para coletar urina (urinol/penico), para guardar alimentos e utensĂlios de pesca; cuia para tirar Ă¡gua da canoa, para tomar banho de beira de rio etc.

Cuia com suporte da etnia Tucano, alto rio Negro.
No quesito arte, o tamanho da lista sĂ³ depende da criatividade do artista. Nas lojas de artesanatos da regiĂ£o sĂ£o abundantes os pingentes, sutiĂ£s, anĂ©is, colares, maracĂ¡s, lembrancinhas com figuras de animais, abajures…todos feitos de cuia.
Na medicina popular, existem relatos de que a polpa da cuia combate micoses e asma, e que, na forma de chĂ¡, produz efeitos purgativos e expectorante. É comum o uso popular do banho com bucho de cuia esmigalhado para curar pira (sarda) canina.
A literatura cientĂfica atesta que da cuia jĂ¡ foram isolados Ă¡cido crescentino, cianĂdrico e taninos. SĂ£o princĂpios ativos botĂ¢nicos que colocam a cuieira entre as inĂºmeras espĂ©cies amazĂ´nicas com potencial para a bioindĂºstria.
Diz a crença popular que um pĂ© de cuieira no quintal Ă© sinal de que a casa Ă© receptiva, amĂ¡vel, farta e abençoada pelos deuses e deusas das florestas e dos rios.
NĂ£o bastasse essas mil e uma utilidades, a cuieira ainda Ă© uma arvore de exĂ³tica beleza: seus galhos, com folhas pequenas, verdes escuras, se espalham tortuosamente. Os frutos tanto surgem nos galhos finos quanto nas proximidades do caule, vinculados diretamente ao madeiro.

PĂ© de cuia
Assim, pode ser cultivada com finalidade ornamental. Seus frutos, verdes, verdoengos ou maduros sĂ£o de encher os olhos de beleza Ămpar.
*O autor Ă© jornalista e escritor