[…mas o que é isto?!]

Neuton Correa

Publicado em: 03/11/2019 às 12:00 | Atualizado em: 03/11/2019 às 12:01

Por Wilson Nogueira*

 

– Não fiz nada, senhor.

– Já lhe disse senhor: não fiz nada!

– Sim. Tava lá, mas não fiz nada de errado, senhor.

– Não conheço ele, senhor. Não conheço ninguém, senhor.

– Aii! Aiii! Aiii…! Não me bata, senhor.

– Não vou confessar o que não fiz, senhor!

– Urrrrrr! Urrrrr!

Sim.  Senhor, só tenho dezessete anos.

– Não. Não tenho pai, senhor.

–Também não tenho mãe.

– Meu pai morreu no ano passado.

– Não conheci minha mãe.

– Não matei ninguém, senhor. Juro, senhor. Tava eu, mais minha namorada, a Mina, na parada de ônibus, quando ouvi os tiros e vi o cara cair. Foi o que aconteceu.

– Não, senhor, essa arma não é minha.

– Nem da minha namorada, senhor.

– Tô vendo uma arma pela primeira vez, senhor.

– Levem ele daqui, deem um banho nele com touca, para ele não molhar os cabelos.

Talkey, chefe! Vou cuidar dessa criança com carinho.

– Vamo, vaga…bun…do!

 

[…]

– Não fiz nada, senhor!

– Não matei ninguém, senhor.

– Sim, senhor. Sou namorada dele.

– Comparsa não, senhor, sou namorada dele.

– Isso mesmo. Tenho dezessete anos!

– Não acredito! Mataaaram ele!?

Rraimm!ukk!Rraimm!

– Meu Deus, mataram o Nino! Seus assassinos!

–  …

–  …

– Nunca me envolvi em crime, senhor!

– Não.  Não, sou mentirosa!

Zruq!zruq!zruq!

Timbum!timbum!timbum!

Ai! Aii! Aiii…!

– Pelo amor de Deus, estão me afogando.  Não me matem!

Zruq!zruq!zruq!

Timbum!timbum!timbum!

Aí! Aí! Aí!

– Ju, ju, juro! Pelo amor que tenho no meu filhinho, não me matem!

Ahh-choo! Ahh-choo! Ahh-choo!

– Me deixem viver, pelo amor de Deus!  Preciso ver o meu filho!

– Não me matem! Juro, não sei de nada!

Zruq!zruq!zruq…!

Timbum!timbum!timbum…!

– Vagabunda! Fala, va…ga…bunda!

– Não tenho nada a dizer, senhor.

– Não sou bandida, senhor.

– Não sei nada sobre a morte desse homem.

– Não, senhor, não sabia que ele era traficante. Nem sei quem ele é.

– Não, juro, não sou comparsa dele. Sou inocente.

– Mas eu sou mesma inocente.  Não sou santa, senhor, mas sou inocente.

Zruq!zruq!zruq…!

Timbum!timbum!timbum…!

Ahhi! Ahhi! Ahhhi…!

– Tirem esse saco da minha cabeça! Não me matem!

Zruq!zruq!zruq…!

Timbum!timbum!timbum…!

Ahhiii! Ahhiii! Ahhhiii…!

[…]

Oouííí…oouííí…oouííí…!

– Ele já está quase sem pulso!

– Ele também.

– Já estão mortos! Meu Deus!

– Tentem reanimar ele, que eu tento reanimar ela!

Vuuuc! vuuuc! vuuuc…!

– Não deu, perdemos os pacientes!

Oouííí…ouííí…ouííí…!

– Doutor, esses pacientes não têm mais vida.

– Estranho, hein doutor: dois jovens mortos provavelmente por afogamento, em uma delegacia.

[…]

– Doutor delegado, realmente, eles estiveram presos nesta delegacia, mas não foram os policiais que os mataram.  Eles aproveitaram o descuido dos agentes e tentaram se matar se afogando nas próprias roupas.

– É… Para salvá-los, chamamos o Samu. Mas parece que não deu mais para eles, né? Eles morreram assim porque se amavam.

– Não é deboche, doutor delegado. O senhor viu que ela tinha o nome dele tatuado no braço esquerdo, o lado do coração. Ao menos metade do pessoal que estava de plantão testemunhou esse infortúnio.

– Não senhor, esses sacos de supermercado não são nossos.

– Eles foram jogados no terreno da delegacia pelos vizinhos que, por sinal, são muito porcos.

– O advogado que nos acusa é o mesmo que faz campanha contra a redução da maioridade penal e apoia esses marginais que se escoram na idade para praticar todo tipo de crime.

– Não doutor. Esse pessoal já está no tráfico…

– Doutor, com certeza, não há nenhuma prova contra nós.

– Isso mesmo, doutor. Não torturamos nem matamos.

– Pelo contrário, doutor, tratamos esses meliantes com todos os cuidados exigidos pelo Estatuto da Criança e do Adolescente. O problema é que eles, além de comparsas, se amavam demais.

– Então, doutor, mas juro que não quis debochar de ninguém.

– Sim. Vamos aguardar a perícia técnica.

[…]

Exame de DNA em saliva

achada em saco plástico comprova

 que adolescentes morreram após ser

torturados em delegacia.

[…]

@Att. Migus, vamo  fazê rolehzinho pra pôr esses tiras do mao na cadeia.  Isso naum pode fica assim naum!. Blz!

[…]

Juiz manda prender policiais

acusados de torturar e matar

casal de adolescentes,

mas eles já estão foragidos.

[…]

– Doutor, a polícia acaba de prender o homem que matou o traficante de drogas na parada de ônibus. Como vínhamos sustentando: os jovens eram inocentes. Mataram duas crianças inocentes.

– Vou mandá-lo para a penitenciaria, imediatamente.

– E os agentes suspeitos!

– A polícia já está atrás deles. Não tá?

– ããã…!

– Logo aparecerão na companhia de advogados. A injustiça é grande e advogados existem aos montes…

– Quanto a esse traficante, cismo que ele, logo, logo, vai aparecer morto por aí, não, doutor!?

– Isso. Esses traficantes vivem em guerra e se mantam uns aos outros. É o que a imprensa diz, né?

– Mas isso é um acinte, não, doutor!?

– Um acinte, um acinte…

[…]

@putzs! os assassinos vão se mandá. já arrumaram até um bode sem chifres pra aliviar a cara deles e incriminar os brodis. Galera, vamo organizá um rolezaço. Eh hora de mudá, pq nois não é zemané. Entendeu?

@vamo  nesssa! A justiça só faz justiça se tiver pressão da rua.

@essa polícia,hein, só sabe barbarizar.

@epa!calma!meu velho é policial, e é um amor de pessoa.

@eh,vamo colocá  cada  qual  no seu  lugar

@isso, tem polícia e tem políça

@tem Justiça e tem justi$$a

 

*O autor é sociólogo e jornalista, PhD em Comunicação

Ilustração: Enã Nogueira