Por Wilson Nogueira*
– Não fiz nada, senhor.
– Já lhe disse senhor: não fiz nada!
– Sim. Tava lá, mas não fiz nada de errado, senhor.
– Não conheço ele, senhor. Não conheço ninguém, senhor.
– Aii! Aiii! Aiii…! Não me bata, senhor.
– Não vou confessar o que não fiz, senhor!
– Urrrrrr! Urrrrr!
Sim. Senhor, só tenho dezessete anos.
– Não. Não tenho pai, senhor.
–Também não tenho mãe.
– Meu pai morreu no ano passado.
– Não conheci minha mãe.
– Não matei ninguém, senhor. Juro, senhor. Tava eu, mais minha namorada, a Mina, na parada de ônibus, quando ouvi os tiros e vi o cara cair. Foi o que aconteceu.
– Não, senhor, essa arma não é minha.
– Nem da minha namorada, senhor.
– Tô vendo uma arma pela primeira vez, senhor.
– Levem ele daqui, deem um banho nele com touca, para ele não molhar os cabelos.
– Talkey , chefe! Vou cuidar dessa criança com carinho.
– Vamo, vaga…bun…do!
[…]
– Não fiz nada, senhor!
– Não matei ninguém, senhor.
– Sim, senhor. Sou namorada dele.
– Comparsa não, senhor, sou namorada dele.
– Isso mesmo. Tenho dezessete anos!
– Não acredito! Mataaaram ele!?
Rraimm!ukk!Rraimm!
– Meu Deus, mataram o Nino! Seus assassinos!
– …
– …
– Nunca me envolvi em crime, senhor!
– Não. Não, sou mentirosa!
Zruq!zruq!zruq!
Timbum!timbum!timbum!
Ai! Aii! Aiii…!
– Pelo amor de Deus, estão me afogando. Não me matem!
Zruq!zruq!zruq!
Timbum!timbum!timbum!
Aí! Aí! Aí!
– Ju, ju, juro! Pelo amor que tenho no meu filhinho, não me matem!
Ahh-choo! Ahh-choo! Ahh-choo!
– Me deixem viver, pelo amor de Deus! Preciso ver o meu filho!
– Não me matem! Juro, não sei de nada!
Zruq!zruq!zruq…!
Timbum!timbum!timbum…!
– Vagabunda! Fala, va…ga…bunda!
– Não tenho nada a dizer, senhor.
– Não sou bandida, senhor.
– Não sei nada sobre a morte desse homem.
– Não, senhor, não sabia que ele era traficante. Nem sei quem ele é.
– Não, juro, não sou comparsa dele. Sou inocente.
– Mas eu sou mesma inocente. Não sou santa, senhor, mas sou inocente.
Zruq!zruq!zruq…!
Timbum!timbum!timbum…!
Ahhi! Ahhi! Ahhhi…!
– Tirem esse saco da minha cabeça! Não me matem!
Zruq!zruq!zruq…!
Timbum!timbum!timbum…!
Ahhiii! Ahhiii! Ahhhiii…!
[…]
Oouííí…oouííí…oouííí…!
– Ele já está quase sem pulso!
– Ele também.
– Já estão mortos! Meu Deus!
– Tentem reanimar ele, que eu tento reanimar ela!
Vuuuc! vuuuc! vuuuc…!
– Não deu, perdemos os pacientes!
Oouííí…ouííí…ouííí…!
– Doutor, esses pacientes não têm mais vida.
– Estranho, hein doutor: dois jovens mortos provavelmente por afogamento, em uma delegacia.
[…]
– Doutor delegado, realmente, eles estiveram presos nesta delegacia, mas não foram os policiais que os mataram. Eles aproveitaram o descuido dos agentes e tentaram se matar se afogando nas próprias roupas.
– É… Para salvá-los, chamamos o Samu. Mas parece que não deu mais para eles, né? Eles morreram assim porque se amavam.
– Não é deboche, doutor delegado. O senhor viu que ela tinha o nome dele tatuado no braço esquerdo, o lado do coração. Ao menos metade do pessoal que estava de plantão testemunhou esse infortúnio.
– Não senhor, esses sacos de supermercado não são nossos.
– Eles foram jogados no terreno da delegacia pelos vizinhos que, por sinal, são muito porcos.
– O advogado que nos acusa é o mesmo que faz campanha contra a redução da maioridade penal e apoia esses marginais que se escoram na idade para praticar todo tipo de crime.
– Não doutor. Esse pessoal já está no tráfico…
– Doutor, com certeza, não há nenhuma prova contra nós.
– Isso mesmo, doutor. Não torturamos nem matamos.
– Pelo contrário, doutor, tratamos esses meliantes com todos os cuidados exigidos pelo Estatuto da Criança e do Adolescente. O problema é que eles, além de comparsas, se amavam demais.
– Então, doutor, mas juro que não quis debochar de ninguém.
– Sim. Vamos aguardar a perícia técnica.
[…]
Exame de DNA em saliva
achada em saco plástico comprova
que adolescentes morreram após ser
torturados em delegacia.
[…]
@Att. Migus, vamo fazê rolehzinho pra pôr esses tiras do mao na cadeia. Isso naum pode fica assim naum!. Blz!
[…]
Juiz manda prender policiais
acusados de torturar e matar
casal de adolescentes,
mas eles já est ã o foragidos.
[…]
– Doutor, a polícia acaba de prender o homem que matou o traficante de drogas na parada de ônibus. Como vínhamos sustentando: os jovens eram inocentes. Mataram duas crianças inocentes.
– Vou mandá-lo para a penitenciaria, imediatamente.
– E os agentes suspeitos!
– A polícia já está atrás deles. Não tá?
– ããã…!
– Logo aparecerão na companhia de advogados. A injustiça é grande e advogados existem aos montes…
– Quanto a esse traficante, cismo que ele, logo, logo, vai aparecer morto por aí, não, doutor!?
– Isso. Esses traficantes vivem em guerra e se mantam uns aos outros. É o que a imprensa diz, né?
– Mas isso é um acinte, não, doutor!?
– Um acinte, um acinte…
[…]
@putzs! os assassinos vão se mandá. já arrumaram até um bode sem chifres pra aliviar a cara deles e incriminar os brodis. Galera, vamo organizá um roleza ç o. Eh hora de mudá, pq nois n ã o é zemané. Entendeu?
@vamo nesssa! A justi ç a só faz justi ç a se tiver press ã o da rua.
@essa polícia,hein, só sabe barbarizar.
@epa!calma!meu velho é policial, e é um amor de pessoa.
@eh,vamo colocá cada qual no seu lugar
@isso, tem polícia e tem políça
@tem Justi ç a e tem justi$$a
*O autor é sociólogo e jornalista, PhD em Comunicação
Ilustração: Enã Nogueira