Liege Albuquerque*
Michel Laub é minha paixão atual na literatura brasileira. Estou no quarto livro dele e me poupando para não ler os outro quatro e ficar na tristeza que minha filha ficou há duas semanas, quando acabou de ler sua primeira saga, o Terra de Histórias.
Quem ama (muito) ler e se apaixona por um autor (já tive várias paixões em série, de Clarice Lispector a Simone de Beauvoir, de Virginia Wolf a Lygia Fagundes Teles, de Issac Asimov a Ignácio de Loyola, de Paul Auster a Valter Hugo Mãe) fica nessa ressaca literária depois de prazeres alfabéticos.
Conflitos de família, de casamentos, de dentro da cabeça da gente do passado recente ou do passado longínquo são os universos do autor. E que nos inspiram à reflexão.
E aqui faço uma resenha como sugestão de leitura de toda a obra do autor, mas especificamente do assunto do último (dos quatro) que li, para mim o mais impactante, “O tribunal da quinta-feira”.
Uma roupa lavada em redes sociais de um fim de relacionamento, sobre essa era em que privacidade é luxo já que não estar nas redes sociais não quer dizer nada quando querem te encontrar ou destruir sua imagem.
No caso do livro, não há invenções. Uma mulher no fim do relacionamento descobre que seu marido tinha uma amante metade de sua idade (clichê) e que trocava mensagens com o melhor amigo com detalhes picantes.
Quando ela descobre a senha, vaza tudo nas redes.
O livro é sobre o estrago, sobre antes de tudo, sobre como se chegou àquilo. Sob a perspectiva do homem, que é um sujeito frio e cínico, sem empatia e imaturo.
“Não houve briga nos últimos dias do casamento. Não houve agressão ou cenas de desespero. Não houve apelos de reconciliação ou conversas dolorosas em que um dos dois admite erros ou pede desculpas por algo específico e inequívoco. Ali estava Teca, mais uma pessoa que eu perderia como um dia perdi Carolina, Ana Paula e Simone. Nada fica desses nomes além de uma história que facilmente se transforma em indiferença, quando não em egocentrismo, como a ferida de guerra de alguém apaixonado pelo próprio passado, o charmoso homem de meia idade que teve relacionamentos profundos hoje disfarçados de melancolia, então não deixa de ser irônico que minha ex-mulher possa ter sido algo além disso – alguém com quem tenho outro tipo de marca em comum, das poucas que um ex-marido ou ex-namorado ou ex-contato íntimo eventual não consegue esquecer ou romantizar, apenas porque três meses depois de eu ir embora ela me ligou para conversar sobre as mensagens de Walter.” (trecho do livro)
A hipocrisia do protagonista é sentida em frases e explicações estapafúrdias sobre suas escapadas adúlteras, com piadas cínicas e cruéis.
Embora qualquer pessoa em sã consciência seja a favor da manutenção da privacidade de quem quer que seja, dá para ter empatia pela mulher ao se ver humilhada e devassada nos emails do marido. É uma vendetta que nos dá sororidade.
Mas é crime, é claro, e aqui faço um parêntesis ao ótimo “Crimes Contra os Direitos da Personalidade na Internet – Violação e Reparações de Direitos Fundamentais nas Redes Sociais”, da jornalista e advogada amazonense Luziane Figueiredo, que desnuda o mito de que a internet é uma terra sem lei.
Não é não e as leis aos quais os violadores de privacidade estão sujeitos são as mesmas da vida não virtual, no código civil onde está assegurado o direito à honra, à intimidade, à privacidade e à imagem, que são os direitos da personalidade.
Voltando ao livro de Laub, o amigo do protagonista tem aids e confessa nos emails um crime: que estaria passando o vírus para parceiros sexuais.
Além da infidelidade e dos termos chulos com linguajar recheado de ironia e misoginia, a revelação dos emails da dupla machista revela crimes.
No debate inesgotável sobre as redes sociais e os dados privados que a internet consegue muitas vezes à nossa revelia, uma das leituras de “moral da história” do livro é sempre que a gente ainda pode confessar nossos pequenos grandes crimes aos melhores amigos. Mas ao vivo e em cores. Nunca sob a batuta do intermediário internet, onde nada é privado.
*A autora é jornalista e professora no Curso de Comunicação da Faculdade Metropolitana de Manaus (Fametro).