O gĂªnero da violĂªncia em fronteiras armadas

O relatĂ³rio do OVGAM revela a violĂªncia de gĂªnero em SĂ£o Gabriel da Cachoeira, destacando a falta de preparo dos agentes pĂºblicos e a origem dos agressores.

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Escrito por Diamantino Junior

Publicado em: 05/10/2023 Ă s 20:18 | Atualizado em: 05/10/2023 Ă s 20:18

Por Dassuem Nogueira*

O ObservatĂ³rio da ViolĂªncia de GĂªnero no Amazonas (OVGAM) lançou no mĂªs de setembro o relatĂ³rio que caracteriza a violĂªncia contra mulheres na cidade de SĂ£o Gabriel da Cachoeira no Amazonas.

Os resultados apontam que hĂ¡ despreparo por parte dos agentes pĂºblicos na recepĂ§Ă£o das mulheres vĂ­timas de violĂªncia.

Aponta ainda a predominĂ¢ncia de agressores vinculados Ă s forças policiais com origem em outros estados.

A motivaĂ§Ă£o do estudo partiu do Departamento de mulheres indĂ­genas da FederaĂ§Ă£o das Organizações IndĂ­genas do Rio Negro (Foirn) que recebe, constantemente, reclamações de agressões e pedidos de ajuda.

Foram examinados os boletins de ocorrĂªncia que reportam violĂªncias contra mulheres. A pesquisa foi feita em quase uma dĂ©cada, de 2010 a 2019.

O OVGAM adota como definiĂ§Ă£o de violĂªncia a tipificaĂ§Ă£o presente na Lei Maria da Penha. Assim, a pesquisa abrange a violĂªncia fĂ­sica, moral, sexual, psicolĂ³gica e patrimonial.

Observa-se que o padrĂ£o de violĂªncias encontradas no Brasil se replica em SĂ£o Gabriel da Cachoeira. Assim, os mais comuns sĂ£o os crimes de violĂªncia fĂ­sica (lesĂ£o corporal), psicolĂ³gica (ameaças) e moral (calĂºnia).

AlĂ©m do OVGAM e do Departamento de mulheres indĂ­genas da FOIRN, colabora com a iniciativa o Coletive de pesquisa em antropologia, arte e saĂºde pĂºblica da Universidade de SĂ£o Paulo (USP).

O perfil das vĂ­timas

A pesquisa informa que os dados bĂ¡sicos das vĂ­timas como idade e nacionalidade, comumente nĂ£o constam nos boletins de ocorrĂªncia.

Considerando que sĂ£o as prĂ³prias mulheres que fazem as denĂºncias nas delegacias, a falta de dados Ă© expressĂ£o da omissĂ£o do agente pĂºblico responsĂ¡vel pela feitura do documento.

Assim, sĂ³ Ă© possĂ­vel determinar a nacionalidade brasileira em 13,7% dos casos (312 casos) e em 86,3% (1.964) nĂ£o hĂ¡ essa informaĂ§Ă£o. A pesquisa encontrou uma denĂºncia feita por uma mulher colombiana.

Do total das vĂ­timas, 63,9% (1.455) sĂ£o naturais do estado do Amazonas e 98,8% (2.250) nĂ£o tiveram etnia/raça informada.

37,4% (852) nĂ£o tinham ocupaĂ§Ă£o informada e 19% (440) sĂ£o trabalhadoras domĂ©sticas ou de serviços gerais.

A explicaĂ§Ă£o para a falta de dados bĂ¡sicos perpassa a percepĂ§Ă£o dos agentes do estado, a maioria, homens, sobre a violĂªncia contra mulheres.

Comumente, hĂ¡ uma noĂ§Ă£o de hierarquia dos crimes considerados relevantes, na qual a violĂªncia contra a mulher Ă© vista como uma violĂªncia menor.

Outro fator apontado pela pesquisa sĂ£o as condições materiais e de formaĂ§Ă£o desses profissionais para a atuaĂ§Ă£o voltada para o pĂºblico feminino.

Perfil dos agressores

A maioria dos agressores das mulheres rionegrinas sĂ£o homens, entre adolescentes e adultos. TĂªm como origem outros estados do paĂ­s, como MaranhĂ£o e Rio Grande do Sul. E 61% deles sĂ£o vinculados a instituições militarizadas.

A pesquisa alerta para que o porte legal de armas por parte dos agressores seja considerado nas medidas de controle da atividade policial. E, do mesmo modo, na formulaĂ§Ă£o de protocolos para a mitigaĂ§Ă£o de danos causados pelos armamentos.

A pesquisa aponta que a militarizaĂ§Ă£o de SĂ£o Gabriel da Cachoeira, uma Ă¡rea de fronteira, pode propiciar o aumento de comportamentos agressivos, devido Ă s tensões e interações entre forças de defesa e segurança e as comunidades locais.

O dado da omissĂ£o dos dados bĂ¡sicos, por exemplo, deve ser considerado como colaborador para a subnotificaĂ§Ă£o de casos de violĂªncia. Isso porque a vĂ­tima deve se deparar com um atendimento desencorajador no momento da denĂºncia.

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O que a pesquisa em SĂ£o Gabriel da Cachoeira evidencia Ă© que a presença do Estado caracterizada, sobretudo, por meio da presença de forças policiais e armadas recai de maneira negativa sobre o corpo de mulheres e meninas indĂ­genas.

Ao contrĂ¡rio do que se pode imaginar, ao invĂ©s de protege-las, torna a vivĂªncia dessas mulheres e meninas rionegrinas mais violenta.

*A autora Ă© antropĂ³loga

Foto: ReproduĂ§Ă£o