ViolĂªncia urbana aterroriza a populaĂ§Ă£o e mina a economia
A violĂªncia endĂªmica no Brasil vai muito alĂ©m das estatĂsticas: compromete o bem-estar da populaĂ§Ă£o, afasta investimentos e ameaça diretamente o futuro do paĂs

Por Samuel Hanan
Publicado em: 24/08/2025 Ă s 10:39 | Atualizado em: 24/08/2025 Ă s 10:41
A questĂ£o da violĂªncia urbana no Brasil merece ser discutida de forma mais ampla e profunda do que se vĂª hoje porque o problema nĂ£o se resume somente Ă s estatĂsticas criminais, mas tambĂ©m Ă s consequĂªncias que se estendem Ă economia, sem perder de vista, Ă© claro, a dor das famĂlias que choram a perda de seus entes queridos.
Os efeitos nocivos da violĂªncia endĂªmica registrada no paĂs sĂ£o grandiosos, afetam o bem-estar da populaĂ§Ă£o, afastam investidores e comprometem o futuro da naĂ§Ă£o. Basta olhar os nĂºmeros.
Estima-se que a soma dos gastos com segurança e com o que o Brasil deixa de produzir em consequĂªncia direta e indireta da violĂªncia urbana atinja cerca de R$ 1,0 trilhĂ£o por ano, o equivalente entre 8,6% a 9,0% do Produto Interno Bruto (PIB) nacional.
Os dados constam do AnuĂ¡rio Brasileiro de Segurança PĂºblica de 2024 e dos levantamentos estatĂsticos de instituições renomadas como IPEA, IBGE, FGV-Ibre, CNI e FĂ³rum Brasileiro de Segurança PĂºblica.
Isso porque as estatĂsticas sĂ£o alarmantes. Em 2023, o Brasil registrou 46.328 mortes violentas intencionais, mĂ©dia de 22,8 homicĂdios por grupo de 100 mil habitantes. Na Argentina, essa mĂ©dia foi de 6 homicĂdios por 100 mil habitantes e, na França, de apenas 1 homicĂdio por 100 mil habitantes, no mesmo perĂodo.
A mĂ©dia brasileira foi tambĂ©m muito superior Ă dos Estados Unidos (5,4) e Ă do Chile (6,3). Isso faz do Brasil, em nĂºmeros absolutos, o recordista mundial de homicĂdios intencionais. A magnitude dessa tragĂ©dia pode ser mensurada com o fato de que 86% (3.935 cidades) dos municĂpios brasileiros possuem populaĂ§Ă£o inferior a 46 mil habitantes. EntĂ£o, Ă© como se a violĂªncia eliminasse todos os moradores de uma cidade inteira a cada ano.
Segundo estudo que envolveu o Instituto IgarapĂ©, a AmĂ©rica Latina Ă© a regiĂ£o mais violenta do planeta, pois embora tenha apenas 9% da populaĂ§Ă£o mundial, responde por 39% dos homicĂdios no mundo. A regiĂ£o, segundo o estudo, Ă© a Ăºnica do mundo onde a principal causa externa da morte Ă© o homicĂdio, somando 52% dos falecimentos. Ao lado do MĂ©xico (31 casos por grupo de 100 mil habitantes), o Brasil Ă© um dos maiores responsĂ¡veis por essa macabra situaĂ§Ă£o.
O mesmo estudo tambĂ©m revela que a taxa de roubo na AmĂ©rica Latina (321,7 por grupo de 100 mil habitantes) Ă© o triplo da mĂ©dia mundial (108 para cada 100 mil habitantes) e concentra 41 das 50 metrĂ³poles mais perigosas do mundo.
No caso especĂfico do Brasil, os Ăndices sĂ£o igualmente estarrecedores quando se trata da violĂªncia no trĂ¢nsito. Em 2022, o paĂs registrou mais de 1,0 milhĂ£o de acidentes de trĂ¢nsito, resultando em mais de 33.800 mortes, uma mĂ©dia superior a 92 mortes diĂ¡rias, de acordo com a AssociaĂ§Ă£o Nacional de Medicina do Trabalho (Anamt). Isto Ă©, praticamente um Ă³bito a cada 15 minutos, e um ferido e um sequelado a cada dois minutos.
O impacto de tudo isso no sistema de saĂºde pĂºblica e na economia sĂ£o devastadores, configurando-se verdadeiro flagelo nacional a exigir a atenĂ§Ă£o urgente e ações conjuntas por parte do governo federal, governos estaduais e municipais.
Estimativas de especialistas apontam que cada homicĂdio (morte violenta intencional) custa cerca de R$ 1 milhĂ£o aos cofres pĂºblicos, considerando-se os gastos com saĂºde, justiça, segurança e perda de produtividade. Significa que o impacto direto dos 46.328 homicĂdios anuais para o setor pĂºblico Ă© superior a R$ 46 bilhões anualmente.
O sistema atual nĂ£o se mostra eficiente, resultado tambĂ©m da falta de investimentos. Hoje, o setor pĂºblico brasileiro gasta cerca de R$ 125 bilhões por ano em segurança pĂºblica, dos quais mais de 85% saem dos cofres dos estados, algo superior a R$ 105 bilhões/ano. O orçamento da UniĂ£o aprovado para 2025 para essa Ă¡rea aponta valor irrisĂ³rio de R$ 17 bilhões no universo do orçamento anual, que totaliza R$ 5,8 trilhões. Ou seja, o governo federal destina para questĂ£o tĂ£o importante apenas 0,3% do total dos gastos previstos para 2025.
Os R$ 125 bilhões investidos anualmente em segurança pĂºblica correspondem a pouco mais de 1,0% do PIB nacional. Isso equivale a 3,28% das receitas tributĂ¡rias do paĂs, que tem uma das maiores cargas de imposto do mundo. Em outras palavras, o brasileiro paga muito imposto, porĂ©m vĂª o governo investir uma parcela mĂnima do que arrecada com tributos para oferecer Ă populaĂ§Ă£o maior proteĂ§Ă£o de sua vida e do seu patrimĂ´nio. NĂ£o hĂ¡ hoje nenhum brasileiro, principalmente nas grandes cidades, que possa sair tranquilamente Ă rua sem o medo de que tenha o seu celular roubado por uma dupla em uma moto ou sua aliança de casamento arrancada, um sĂmbolo de amor e fidelidade que nĂ£o pode mais sair Ă s ruas por causa da violĂªncia.
A tĂtulo de comparaĂ§Ă£o, o Orçamento da UniĂ£o para 2025 reserva R$ 39 bilhões para emendas parlamentares impositivas e outros R$ 12 bilhões para emendas nĂ£o impositivas, sem transparĂªncia e destinadas a agradar deputados e senadores. AlĂ©m disso, gasta com o Poder JudiciĂ¡rio mais de 1,3% do PIB, ou seja, cerca de R$ 150 bilhões por ano, valor que garante aos integrantes das cortes judiciais salĂ¡rios muito acima do teto constitucional, graças a uma sĂ©rie de penduricalhos e privilĂ©gios acumulados ao longo dos anos, conforme vem sendo denunciado com frequĂªncia cada vez maior pela imprensa.
Isso tudo, somando, Ă© maior do que o custo da violĂªncia urbana no paĂs, estimado em cerca de 9% do PIB, ou R$ 1,0 trilhĂ£o. Compõem esse custo os valores gastos com escoltas armadas para a proteĂ§Ă£o do transporte de insumos e produtos industriais, aquisiĂ§Ă£o de carros blindados, transporte de valores, compra de coletas Ă prova de balas, instalaĂ§Ă£o de equipamentos contra invasĂ£o e de sistemas de alarme e rastreadores eletrĂ´nicos, contrataĂ§Ă£o de apĂ³lices de seguro, vigilĂ¢ncia privada armada e outras despesas do gĂªnero, alĂ©m dos gastos com a populaĂ§Ă£o carcerĂ¡ria.
A ConfederaĂ§Ă£o Nacional da IndĂºstria (CNI), calcula que as empresas brasileiras gastam 1,7% do PIB nacional com segurança privada, o equivalente, em valores de hoje, a quase R$ 200 bilhões/ano, soma que poderia estar sendo canalizada para investimentos em tecnologia e na melhoria da sofrĂvel posiĂ§Ă£o nacional no ranking de competitividade industrial. Tudo isso, estima-se, chega a 6% do PIB. O restante (3%), Ă© o custo relacionado a afastamento laboral, queda na produtividade dos trabalhadores, problemas emocionais e tratamentos de saĂºde das vĂtimas da violĂªncia.
É evidente que, alĂ©m do pĂ¢nico causado no cotidiano da populaĂ§Ă£o, a violĂªncia ainda compromete a atraĂ§Ă£o de investimentos internos e externos, a geraĂ§Ă£o de novos empregos e melhores salĂ¡rios. Seria salutar que a imprensa mostrasse que a violĂªncia urbana jĂ¡ deixou de ser um problema criminal para se tornar tambĂ©m um grande problema econĂ´mico e de desgaste da imagem do paĂs no exterior.
Estamos perdendo esta guerra. Os governos falham e o silĂªncio sobre a situaĂ§Ă£o estĂ¡ matando mais do que o conflito no Oriente MĂ©dio ou a guerra na UcrĂ¢nia. É inaceitĂ¡vel.
Interromper a banalizaĂ§Ă£o da violĂªncia urbana tornou-se inadiĂ¡vel. O patamar atual exige uma campanha urgente de conscientizaĂ§Ă£o nacional sobre a gravidade da situaĂ§Ă£o e suas consequĂªncias ainda nĂ£o perceptĂveis Ă populaĂ§Ă£o, como uma prĂ©via de formaĂ§Ă£o de uma robusta a apartidĂ¡ria força-tarefa a favor do Brasil. Um grande concerto nacional constituĂdo pelos governos da UniĂ£o, estados e municĂpios e pelos trĂªs poderes da RepĂºblica, vĂ¡lido por um perĂodo longo e abastecido por recursos financeiros com fontes asseguradas e impositivas, assim como Ă© a marca de 76% dos valores das emendas parlamentares.
O cenĂ¡rio atual, desastroso, nĂ£o mudarĂ¡ enquanto houver criminosos nas ruas, e tolerĂ¢ncia dentro dos governos, alĂ©m de buracos gigantes nos controles das contas pĂºblicas e brechas que possibilitam a ministros de Estado e membros do JudiciĂ¡rio receberem remuneraĂ§Ă£o mensal muito superior ao teto constitucional. Merecendo especial destaque o assalto a previdĂªncia social e INSS, nos Ăºltimos anos, jĂ¡ da ordem de R$ 8 bilhões de reais. Que coisa feia, estĂ£o roubando velhinhos indefesos.
Recursos financeiros para esse enfrentamento existem, assim como existem pessoas competentes, experientes e bem-intencionadas para ocupar cargos pĂºblicos. O que falta Ă© indignaĂ§Ă£o. E atitude. É preciso discutir soluções como a implantaĂ§Ă£o de regras mais restritivas para evitar golpes no pix; medidas para combater o uso de motos em assaltos, e mudanças legislativas para alterar a pena de crimes praticados por menores – incluindo a transferĂªncia para penitenciĂ¡rias uma vez atingida a maioridade penal – e para alcançar laranjas utilizados na prĂ¡tica de crimes, contingente expressivo das forças armadas e policia federal precisa estar lotado nas fronteiras, portos e aeroportos, com recursos disponĂveis para tanto.
Enquanto a violĂªncia urbana – crescente e com o crime organizado cada vez mais fortalecido e com ações diversificadas – nĂ£o for tratada como uma questĂ£o prioritĂ¡ria, a populaĂ§Ă£o continuarĂ¡ sofrendo e chorando seus mortos, impotente e amedrontada.
O autor Ă© engenheiro com especializaĂ§Ă£o nas Ă¡reas de macroeconomia, administraĂ§Ă£o de empresas e finanças; empresĂ¡rio, foi vice-governador do Amazonas (1999-2002).
Autor dos livros ‘Brasil, um paĂs Ă deriva’ e ‘Caminhos para um paĂs sem rumo’. Site: https://samuelhanan.com.br
Foto: reproduĂ§Ă£o/TV Globo