Voluntariado, uma nobre atitude de cidadania e espiritualidade

Aguinaldo Rodrigues
Publicado em: 18/06/2018 ร s 18:14 | Atualizado em: 18/06/2018 ร s 18:14
Por Jacir Venturi*
A solidariedade รฉ intrรญnseca ร condiรงรฃo humana, um dever moral que vai alรฉm da dimensรฃo religiosa, pois todos somos gregรกrios e frรกgeis. A bondade รฉ tรฃo relevante que, cinco sรฉculos antes de Cristo, nos limiares da filosofia, o prรฉ-socrรกtico Demรณcrito de Abdera assim aconselhava: โรฉ preciso ou ser bom ou imitar quem o sejaโ.
Praticar o bem รฉ um ato nobre e gratificante, sejam quais forem as motivaรงรตes: espiritualidade, cidadania ou alegria de servir. Conta-se que um grande filantropo americano foi ร รndia conhecer as aรงรตes de Madre Teresa e, surpreso com tanta misericรณrdia e dificuldade, teria exclamado: โIrmรฃ, eu nรฃo faria esse trabalho por dinheiro algum do mundoโ. Ao que ela respondeu: โEu tambรฉm nรฃoโ. Imbuรญda de elevada religiosidade, ela manifesta a sua escala de valores: โAs mรฃos que ajudam sรฃo mais sagradas que os lรกbios que rezamโ.
O voluntariado รฉ uma via de mรฃo dupla, pois dรก dignidade, supre necessidades bรกsicas e leva tanto quanto possรญvel autossuficiรชncia ร comunidade atendida. E a neurociรชncia comprova que agir de modo altruรญsta, entre outros efeitos positivos, libera o hormรดnio oxitocina, que promove bem-estar e cuja falta pode ocasionar estresse e depressรฃo. โVoluntarioterapiaโ, um neologismo que se impรตe diante de testemunhos daqueles que esquecem os prรณprios problemas, pois sรฃo pequenos diante da realidade em que estรฃo atuando; ou que abandonaram terapias e remรฉdios contra a tristeza e a depressรฃo โ nรฃo hรก voluntรกrio triste quando em aรงรฃo.
Zilda Arns, uma mรกrtir do voluntariado โ pois faleceu em plena atividade comunitรกria, vรญtima do terremoto no Haiti em 2010 โ se faz oportuna: โquem รฉ voluntรกrio nรฃo sรณ dรก, recebe muito maisโ. Essa transcendentalidade estรก presente nas palavras de Gibran Khalil Gibran, humanista e escritor libanรชs: โO trabalho voluntรกrio รฉ para mim uma prece silenciosa. Deveis encontrar uma causa generosa ร qual sacrificareis tempo e dinheiro, porque รฉ assim que conhecereis a alegria de dar. Mais do que vossas posses, รฉ quando derdes de vรณs prรณprios รฉ que realmente daisโ.
Inegavelmente, รฉ a motivaรงรฃo religiosa que prepondera em atividades sociais de benemerรชncia. Os fiรฉis que frequentam igrejas, sinagogas, mesquitas ou outros templos sรฃo mais generosos na doaรงรฃo de seu tempo e nas contribuiรงรตes pecuniรกrias. Um estudo realizado nos Estados Unidos pela Charities Aid Foundation aponta que, em mรฉdia, o americano religioso distribui 7% de sua renda para projetos sociais, correspondendo ao dobro dos 3,5% praticados pela populaรงรฃo como um todo, em muito contrastando com os 0,3% da renda que os brasileiros dedicam ร s doaรงรตes.
Certamente, nรฃo รฉ menor a generosidade dos brasileiros, mas sim baixa a confianรงa em relaรงรฃo ร s associaรงรตes de filantropia (quantas delas merecedoras do adjetivo โpilantrรณpicasโ?). A despeito, hรก um outro olhar, de enlevo e esperanรงa, quando se convive com o expressivo nรบmero de abnegados que dedicam tempo e dinheiro ร s famรญlias necessitadas ou entidades assistenciais idรดneas, sem que constem em qualquer estatรญstica.
Atรฉ mesmo sem vรญnculos com crenรงas religiosas, muitos sรฃo os atores sociais movidos pelo espรญrito de cidadania, cujo estรญmulo advรฉm do prazer de agregar valor ร comunidade, ou atรฉ pelo desejo de serem reconhecidos. Sim, hรก aqueles que promovem aรงรตes voluntรกrias em busca de reconhecimento e autopromoรงรฃo ou para vender uma boa imagem โ mesmo assim, nรฃo devem ser julgados, pois a entrega traz benefรญcios. ร um narcisismo eficaz, e ser apreciado รฉ prรณprio da condiรงรฃo humana. Seja qual for a motivaรงรฃo, รฉ sempre relevante a promoรงรฃo de oportunidades de estudos e trabalho que propiciem autossuficiรชncia e efetiva inclusรฃo social.
Infelizmente, boa parte dos paรญses ainda pratica a โeconomia da exclusรฃo, que mantรฉm os pobres na marginalidadeโ โ faz-se oportuno o papa Francisco. E o Brasil รฉ uma das naรงรตes em que hรก maior desigualdade social, nรฃo por escassez de recursos, e sim por injustiรงa e improbidade. ร de se perguntar: o que choca mais, a pobreza ou a passividade diante dela? A bem da verdade, uma real e duradoura transformaรงรฃo de nosso paรญs virรก de uma contribuiรงรฃo muito significativa das aรงรตes comunitรกrias de cada um de nรณs e, concomitantemente, de uma pressรฃo persistente sobre gestores pรบblicos e melhores escolhas na eleiรงรฃo de nossos dirigentes e legisladores.
*O autor รฉ coordenador da Universidade Positivo (UP), foi professor e diretor de escolas pรบblicas e privadas
Foto: Reproduรงรฃo/sesc-rs.com.br