Juventude indígena do rio Negro denuncia descaso com educação
Moção de repúdio, tirada no encontro de lideranças da comunidade “Tabocal dos Pereira”, reclama da falta de merenda e transporte

Antônio Paulo, do BNC Amazonas em Brasília
Publicado em: 23/12/2021 às 20:52 | Atualizado em: 27/12/2021 às 16:02
A juventude indígena da comunidade “Tabocal dos Pereira”, na região do alto rio Negro, no estado do Amazonas, encaminhou ao Ministério Público Federal (MPF) um documento com uma série de denúncias de má gestão e execução dos recursos públicos do Fundo Nacional de Educação Básica (Fundeb). A denúncia é subscrita por cerca de 200 jovens.
Além de pedir providências, as lideranças indígenas querem que representantes do MPF-AM façam uma visita às comunidades para apurar todas essas situações de precariedades no ensino indígena da região.
A moção de repúdio da coordenação da Associação Indígena do Alto Rio Negro e Xié (Caiarnx), encaminhada à Procuradoria da República do Amazonas (PR-AM), saiu da terceira Mostra Cultural e do primeiro Encontro da Juventude cujo debate principal foi a “Valorização das vozes indígenas”.
A principal denúncia e reclamação é contra a Secretaria Municipal de Educação (Semed) de São Gabriel da Cachoeira por causa dos problemas que, segundo os jovens indígenas, têm afetado diretamente a aprendizagem dos alunos e a qualidade de ensino. O município fica 852 quilômetros distante de Manaus.
De acordo a Caiarnx, durante todo o ano de 2020 as escolas não receberam merenda escolar, mas apenas um kit individual para cada aluno que durou no máximo três dias.
Já em 2021, até o momento, as escolas não receberam nenhum tipo de alimentação. Com a falta de merenda escolar, os professores são obrigados a trabalhar com a carga horária reduzida, pois, não têm condições dos alunos permanecerem durante quatro horas sem receber nenhuma refeição.
A única merenda que algumas escolas municipais estão recebendo atualmente, diz a entidade, é a merenda regionalizada que é entregue uma vez por mês.

“Porém, a merenda regionalizada não atende à demanda dos alunos por ser bem reduzida, ou seja, deveria ser só um complemento da merenda normal que deveria ser oferecida pelo poder público”, diz o documento dos jovens indígenas.
Falta material didático e uniforme
De acordo com a entidade indígena, a última vez que as escolas municipais receberem o material didático-pedagógico foi no final do ano de 2019 e até essa data, dezembro de 2021, o material não chegou.
Segundo os jovens e lideranças indígenas, os professores também sentem a falta dos materiais didáticos para melhorar a qualidade do trabalho nas escolas e citam a ausência de: impressora, computador, materiais para confecção de cartazes, papel ofício entre outros.
Reclamam ainda que, desde a criação das escolas indígenas, nunca foi enviado informe escolar, nem para os alunos, docentes e auxiliares de ensino.
Sem estrutura e transporte
Para os membros da associação, um dos grandes desafios nas escolas indígenas continua sendo a estrutura física.
Muitas escolas ainda continuam funcionando em locais improvisados (casa comunitária, capela, maloca, terreiro, casa particular, debaixo da arvores).
Dessa forma, crianças e jovens estudam em espaços inadequados, improvisados e construídos sem os recursos do poder público. Espaços pequenos sem ter cozinha, refeitório, biblioteca, sala dos professores, banheiros e área de lazer.
As escolas não têm mobília, não tem água potável e poço artesiano, não tem energia elétrica e nem acesso à internet em comunidades indígenas;
Outro grande desafio que as escolas indígenas enfrentam é a falta de transporte fluvial adequado, condições como: motor de popa 40 HP e bote de 8 metros, contratação de motorista fluvial.
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Essa falta de meio de transporte tem aumentando o número de alunos desistentes, evadidos e reprovados. A falta de transporte tem diminuído o índice de aprendizagem nas escolas indígenas.
Sem qualificação dos professores
Dizem ainda que há muitos anos que não há investimento na qualificação do profissional de educação. Para os jovens líderes, faz-se necessário que sejam oferecidos mais cursos de aperfeiçoamento profissional na área da educação escolar indígenas.
“Os povos indígenas são cidadãos brasileiros, merecem a atenção no que tange à equidade no sistema da educação nacional, especialmente para povos indígenas. Por isso, pedimos a intervenção do MPF para apurar todas essas situações de precariedades no ensino indígena de São Gabriel da Cachoeira”, diz a nota de repúdio assinada por 192 jovens da região do alto rio Negro.
Pandemia causou transtorno
O secretário municipal de educação de São Gabriel da Cachoeira, o indígena da etnia Baniwa Isaías Benjamin, disse ao BNC que soube dessa carta de repúdio, mas ainda não a recebeu para analisar o que está sendo denunciado.
No entanto, o secretário adiantou que por conta da pandemia de coronavírus (covid) ocorreu todo esse transtorno, tendo que suspender as aulas presenciais em 2020 e 2021.
Isaías Benjamin declarou ainda que atendeu às determinações do Tribunal de Contas do Estado (TCE) e entregou os kits de merenda escolar na casa dos estudantes. Reconheceu, no entanto, que houve escassez de merenda no período porque o processo de licitação ficou bastante rígido.
“Mas, se Deus quiser, a partir do início do próximo ano, vamos retomar a entrega dos kits-merenda e em março voltaremos com as aulas presenciais, caso a pandemia esteja totalmente controlada e as autoridades de saúde liberem as atividades escolares”, disse o secretário da Semed de São Gabriel da Cachoeira.
Fotos: divulgação