Garimpeiros ofereciam comida em troca de sexo com adolescentes ianomâmis

Documento apresenta relatos comoventes de Terra Ianomâmi, sobre fome, morte e exploração sexual de mulheres indígenas

Gabriel Ferreira do BNC Amazonas

Publicado em: 26/01/2023 às 16:39 | Atualizado em: 26/01/2023 às 16:48

Um relatório de 120 páginas divulgado em abril de 2022 apresenta relatos impactantes do genocídio do povo Ianomâmi, em Roraima.

Intitulado “Yanomami sob ataque: garimpo ilegal na Terra Indígena Yanomami e propostas para combatê-lo”, o documento foi elaborado pela Hutukara Associação Ianomâmi e Associação Wanasseduume Ye’kwana.

Nele, há relatos comoventes do polo-base Kayanau da Terra Indígena Ianomâmi, sobre fome, morte e exploração sexual de mulheres indígenas.

Com base no relatório, escrutinado pelo BNC Amazonas, os garimpeiros ilegais na TI oferecem comida em troca de sexo com adolescentes ianomâmis. O trecho a seguir na íntegra é descrito na página 85 do documento.

Após os Yanomami solicitarem comida, os garimpeiros rebatem sempre. Quando os [Yanomami] disse rem: “Certo, sendo que vocês estão tirando ouro de nossa floresta, vocês devem dar comida para nós sem trocar”, [os garimpeiros respondem:] Vocês não peçam nossa comida à toa! É evidente que você não trouxe sua filha! Somente depois de deitar com tua filha eu irei te dar comida!”. Assim, quando os Yanomami tentam pedir comida, os garimpeiros sempre respondem.

Contudo, outros não atendem os Yanomami, rebatendo apenas: “Eu não tenho comida!”. Após falarem assim, os [garimpeiros] pedem, para as mulheres adultas, suas filhas e também pedem, para os homens velhos, suas filhas. Eles falam assim para os Yanomami: “Se você tiver uma filha e a der para mim, eu vou fazer aterrizar uma grande quantidade de comida que você irá comer! Você se alimentará!”.

Os [garimpeiros] dizem: “Essa moça aqui. Essa tua filha que está aqui, é muito bonita!”. Então, os Yanomami respondem: “É minha filha!”. Quando falam assim, os garimpeiros apalpam as moças. Somente depois de apalpar é que dão um pouco de comida. “Se eu pegar tua filha, não vou mesmo deixar vocês passarem necessidade!”, assim os [garimpeiros] falam muito para os Yanomami.

Segundo o relatório, a abordagem dos garimpeiros com as indígenas ocorre “quando querem ter relações com as mulheres Yanomami”.

Primeiro lhes entregam um pouco de comida, para fazer com que cesse nelas o medo, para que comecem a se iludir, pensando: “Eles entregaram para mim comida sem razão! Talvez sejam generosos?”. Depois, outra vez, quando a mulher voltar, entregam novamente um pouco de comida. A mulher não pergunta: “Por que você deixa para mim comida, sem outra razão?”. Quando a mulher perdeu o medo, ele a chama por perto. Assim os garimpeiros fazem muito frequentemente com as moças Yanomami.

Os garimpeiros também entregam perfumes, prometem roupas, cachaça e até mesmo ouro, segundo o documento.

Os garimpeiros têm relações somente com as mulheres que tomaram cachaça. Os garimpeiros não
conseguem transar com as mulheres que não tomaram cachaça. Somente as mulheres que não temem contrair a doença [da pele], não tem medo, as outras não atendem às insistências [dos garimpeiros]. Assim falam as mulheres Yanomami: “Não… os homens Yanomami estão carentes, por isso, de verdade, não vou fazer transar [os garimpeiros]. Após eu deixar transar os garimpeiros que tem a doença do ouro, eu ficarei alterada!”. Tudo isso é verdade.

O aliciamento das jovens ianomâmis ocorre, segundo o relatório, com a oferta de bebidas alcóolicas.

Os garimpeiros fazem perguntas para os jovens que levam juntos suas irmãs. Assim pergunta para os Yanomami: “Aquela moça que você levou consigo, é sua irmã?”. Então os Yanomami respondem: “É minha irmã!”. Depois dos Yanomami disserem assim, deixam os garimpeiros informados. Por isso, [continuam pedindo:] “O que você pensa a respeito de sua irmã? Se você fizer deitar sua irmã comigo, sendo que você é o irmão dela, eu vou pagar para você 5 gramas [de ouro]. Faça o que eu digo! Se você quiser cachaça, eu vou dar também cachaça. Você vai ficar bêbado na sua casa!”. Falam assim para os Yanomami, por isso, têm relações com as mulheres. Induzem os Yanomami a fazer isso.

Conforme os relatos registrados de mulheres ianomâmis no relatório, “os garimpeiros representam, pois
uma terrível ameaça. São luxuriosos e violentos, produzindo um clima de terror e angústia permanente nas aldeias”.

Há registro também de transmissão de doenças sexualmente transmissíveis, ocasionadas por garimpeiros.

O relatório apesar de ser do ano passado, revela as barbaridades cometidas por garimpeiros criminosos, que tiveram respaldo do governo de Jair Bolsonaro (PL), com o aumento dessa atividade ilegal a partir de 2018.

A exemplo disso, o relatório aponta que a área da Terra Ianomâmi destruída pela garimpo cresceu de 1.200 hectares em outubro de 2018 para 3.272 hectares em dezembro de 2021.

Leia mais

Lula decreta estado de emergência em terras ianomâmis

Ianomâmis: Bolsonaro ignorou e foi omisso aos alertas, diz MPF

Bolsonaro mentiu seguidas vezes à ONU sobre ianomâmis

Genocídio Ianomâmi

No último dia 21 deste mês, o Ministério da Saúde decretou estado de emergência na terra Ianomâmi, em Roraima.

Técnicos da pasta encontraram crianças em situação de desnutrição, entre elas, um bebê de 18 dias de vida.

Segundo a ministra dos Povos Indígenas, Sônia Guajajara, 570 crianças ianomâmis morreram de fome e também por contaminação ocasionado pelo garimpo ilegal, nos quatros anos de Bolsonaro.

Atualmente, a situação daquele povo é considerado de grande crise sanitária.

Foto: Leonardo Prado/Fotos Públicas