Neste dia 19, o coletivo Ilhargas realizou um módulo especial do curso antropologia no antropoceno, promovido em parceria com o Pulitizer Center, uma instituição americana de jornalismo independente.
Na Universidade Federal do Amazonas (Ufam), em Manaus, com transmissão pelo YouTube, pesquisadores, jornalistas e lideranças de povos da tríplice fronteira do Brasil com Peru e Colômbia, apresentaram dados que dimensionam o tamanho e a complexidade dos mercados ilegais e violências na região.
O mediador da mesa, Fábio Candotti, antropólogo e membro do Conselho Nacional de Segurança Pública, afirmou que, comumente, a abordagem científica e jornalística de quem está distante da região produz diagnósticos generalizantes que simplificam situações diversas.
E priorizam enfoques nos crimes ambientais, sobretudo, no desmatamento, pois seguem agendas de interesse internacional.
Contudo, fica em segundo plano os problemas sociais de quem vive na região.
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A Amazônia corresponde a 60% do território nacional e abrange ainda outros países: Bolívia, Colômbia, Peru, Equador, Venezuela, Guiana e Suriname.
A exploração econômica de mercados legais e ilegais, historicamente, é violenta, sobretudo, com povos indígenas e tradicionais.
Nas últimas décadas, novas frentes de exploração ilegais avançaram.
O estado atual desses mercados afeta violentamente a vida humana, em especial, a das mulheres e meninas, e a natureza.
Com o avanço, nota-se um salto na formação de diferentes grupos de trabalhos ilegais, inclusive armados. E com tipos de armamento diferenciados, característicos de grupos narcotraficantes. Assim, modificando o padrão de violência armada.
O caso do rio Japurá
Para Bram Ebus, criminólogo e jornalista investigativo, especialista na Amazônia transfronteiriça, as frentes de exploração ilegais aumentam de modo acelerado, com ampliação da presença criminosa, de violências e massacres.
Ebus usou como exemplo o caso do rio Japurá, que nasce no Peru e segue no Brasil, no Amazonas.
A exploração em busca de ouro, além da óbvia contaminação por mercúrio , chegou a mudar o curso desse rio.
Ele afirma que o mercado ilegal de mercúrio e ouro, por exemplo, é uma atividade em cadeia que perpassa Guianas, Colômbia, Venezuela e Brasil.
Ele afirma que “para grupos armados, não existe fronteira”.
O jornalista chama essas cadeias de submundo amazônico.
Em sua metodologia, ele busca informações também com aqueles que atuam nessa cadeia: traficantes, garimpeiros, membros das facções criminosas.
A Alianza periodista amazônica, da qual Ebus participa, fez um levantamento in loco que contabilizou a existência de 80 dragas de garimpo na metade brasileira do rio Japurá. Cada uma delas extrai cerca de quilos de ouro por mês.
A extração e introdução desse ouro no mercado legal requer operações comerciais muito grandes, que operam em metade da Amazônia, com a conivência corrompida de diferentes escalões do estado.
No Japurá, atuariam piratas noturnos, milícia colombiana e grupos da Polícia Militar do Amazonas.
Ebus levantou que tais grupos recebem uma propina de cerca de 30 gramas de ouro das 150 dragas de todo o rio.
O que parece pouco, mas em um ano contabilizam 930 mil reais em ouro.
As altas cifras financiam conflitos armados, agudizam os impactos ambientais e sociais.
Por exemplo, os corredores de drogas amazônicos chegam aos mercados internacionais, mas também alimentam o abuso de substâncias nos locais por onde passa.
Em cada cidade ou comunidade, deixam um montante de drogas, formando mão de obra criminosa cujos membros, não raro, são presos por pequenos delitos.
Ao entrar em cadeias comandadas por facções criminosas, saem especializados para atuar nos diferentes pontos dessa cadeia produtiva.
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Convergências históricas
Ebus levanta alguns eventos de nossa história recente que ajudam a entender as mudanças aceleradas na última década.
Em 2016, houve uma desmobilização da guerrilha das Farcs (forças revolucionárias colombianas), quando o grupo negociou a paz em troca de participação legal na vida política da Colômbia.
Contudo, grupos dissidentes se mantiveram na região transfronteiriça.
Outro importante evento foi o decreto que permitiu a exploração do que tem sido chamado de o arco da mineração do rio Orinoco, na Venezuela, também em 2016.
Segundo levantamento feito por Bram, não há grandes empresas explorando o garimpo legal na Venezuela.
Ele identificou duas empresas colombianas cooptando camponeses famintos em função da grave crise venezuelana para atuar como mão de obra barata na extração de ouro.
No mesmo período, no Brasil, houve a ruptura entre o Primeiro Comando da Capital e o Comando Vermelho, alimentando uma verdadeira guerra entre as facções.
Grandes lideranças foram transferidas para penitenciárias na região, oportunizando alianças até então pouco exploradas.
Outro fator propulsor do crescimento do crime organizado na Amazônia foi a própria pandemia de covid-19. Com as recomendações de isolamento social e restrições de circulação nas cidades, os grupos puderam agir com maior fluidez.
O resultado do mapeamento da Amazon Under World aponta que são um total de 348 municípios no Equador, Peru, Colômbia, Venezuela, Brasil e Bolívia tomados por grupos criminosos.
Mapa 348 municípios amazônicos tomados por grupos criminosos. Fonte: Amazon Under World/Infoamazonia, 2023.
A diplomacia criminal
Contudo, há novas dinâmicas na cadeia produtiva dos mercados ilegais que apontam para uma fragmentação dos serviços.
Os grupos criminosos já não mantêm um corpo robusto de especialistas afiliados. Mas, terceirizam serviços por meio de freelancers e grupos independentes de homens armados.
Assim, praticam um tipo de diplomacia criminosa a fim de convergirem em mercados ilícitos secundários, como de garimpo e produção de cocaína, por exemplo. E também para mercados legais, como as monoculturas e a agropecuária.
Ebus afirma que há uma crise de governabilidade na Amazônia, pois os governos dos países que englobam a região não têm como governar, pois estariam sob uma governança criminosa.
Para o jornalista, “é preciso combater fluxos de dinheiro, mas há também que proporcionar alternativas econômicas para que as pessoas que vivem no interior não sejam exploradas”.
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Foto: Agência Marinha/divulgação