Brasil perde 10.627 filhos em apenas 54 dias, mas há quem veja só “neurose”

Enquanto o Brasil chorava a perda de quase 11 mil vidas para o coronavírus, o chefe da nação passeava de jet-ski na lagoa e desdenhava do caos

Brasil

Aguinaldo Rodrigues, da Redação

Publicado em: 10/05/2020 às 08:25 | Atualizado em: 10/05/2020 às 08:28

No dia (9) em que o Ministério da Saúde divulgava que o Brasil perdera 10.627 dos seus filhos para o coronavírus (covid-19), em menos de dois meses (54 dias), o seu presidente passeava de jet-ski.

Alienado da realidade e desprovido de espírito humanístico, atribuiu a maior tragédia do Brasil a uma “neurose”.

Além disso, o chefe maior da nação, eleito por muitos desses brasileiros que já partiram, fez uma previsão. Ou rogou uma praga:

“Setenta por cento dos brasileiros vão ser contaminados”.

Estava feliz, em passeio na lagoa, na confraternização com pessoas amigas.

Não poderia mesmo, naquele clima, expressar qualquer sentimento solidário ao que ocorre no “nosso querido Brasil”.

Emitir algum sinal de consternação pelas vidas perdidas, muito menos.

E olha que, certamente, muitos perderam suas vidas seguindo conselhos para desrespeitar as orientações pelo isolamento.

Outra grande parte morreu nas portas do falido sistema de saúde do país cujo chefe é insensível e distante do sofrimento das mães e filhos.

E que deu demonstração cabal disso justamente à véspera de uma data tão simbólica e cara para o brasileiro.

Não bastasse a dor das famílias dessas quase 11 mil vítimas do coronavírus (ressalte-se, pelos números oficiais), a angústia foi maior ao ouvir que a tragédia e o terror não passam de “neurose” do seu povo.

 

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Frieza contagiante

O homem que passeia, em trajes de banho, enquanto seu povo agoniza perdeu uma chance de mostrar que se importa com o que acontece à sua nação. Só teve tempo mesmo para ir às redes sociais xingar jornalistas por divulgar suas declarações em público.

Como amostra de que esse alto número de mortes não o sensibiliza, sequer fez o gesto do STF e Congresso de decretar luto oficial pelas vidas perdidas.

Tal insensibilidade é contagiante. Manaus é um exemplo disso. Neste triste sábado para a história do Brasil, o manauense estava nas ruas, nas aglomerações crescentes a cada dia.

O trânsito de veículos nas principais vias das zonas centro-sul, oeste e norte estava como antes da pandemia. É visível o desrespeito ao isolamento voluntário. A impressão é que uma simples máscara é suficiente para permitir que se circule sem receio de contaminação.

Dessa maneira, quem chegasse a Manaus neste sábado (9) jamais imaginaria que o Amazonas vinha de perder 88 de seus filhos em apenas 24 horas. E que, além disso, 123 corpos estavam em frigoríficos à espera do provável resultado positivo do teste do coronavírus.

 

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Fora da conta

Quisera esse clima de quase normalidade na capital acenasse que a fúria do coronavírus estava se acalmando.

Ao contrário, e desgraçadamente, não são o que dizem os números fora dos boletins oficiais. Portanto, as vítimas da subnotificação, de quem não conseguiu ou não foi buscar atendimento na rede de saúde.

Frios números de uma triste realidade, que se revelaria mais assustadora se fosse mapeado tal funesto cenário da subnotificação.

Difícil haver um morador de Manaus que não conheça alguém que contraiu o vírus mortífero e se trata em casa. E que morre em casa porque tem mais medo de ir a um hospital do que da morte.

Estão aí para reforçar que o quadro de contaminados e mortos pelo coronavírus não notificados é igualmente doloroso os registros cartoriais de óbitos e de sepultamentos.

 

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Na conta do chefe

Contudo, há outras dores nas costas do brasileiro que são de responsabilidade do chefe da nação que desdenha do vírus da morte.

Este homem, além de não assumir o controle e coordenação do enfrentamento ao vírus, de não dar estrutura e condições de trabalho aos profissionais de saúde, de ser o primeiro a dar mau exemplo contra o isolamento, quase dois meses depois do vírus espalhando a tragédia, ainda não se moveu para permitir que pelo menos uma amostra da população pudesse fazer o teste da doença.

Para se ter uma ideia desse descaso, enquanto a Alemanha faz 500 mil testes por semana, no Brasil foram 311 mil. Só que desde o início da pandemia, até o dia 6 de maio.

Como resultado de tudo isso, o “nosso querido Brasil” é hoje o segundo país do mundo na velocidade de infectados e mortos. Além disso, ocupa o sexto lugar no total de mortes pelo coronavírus.

Posições nada honrosas, que mostra como o pai da nação trata seus filhos.

 

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A interiorização mortal

E, infelizmente, há sinais de que o país ainda vai ver muitas cenas chocantes. É que, depois de levar a saúde dos centros urbanos ao colapso, obrigando que se escolha quem vai viver ou morrer, o vírus agora invade o interior com igual voracidade.

Para o Amazonas, por exemplo, há preocupação adicional. Suas dimensões continentais deixam as comunidades distantes das sedes das cidades, onde supostamente há melhor condição de tratar doentes.

Com base nos números, já é possível perceber essa invasão do coronavírus no interior. Até meado de abril, Manaus concentrava a grande maioria dos casos, quase 90%. Poucas semanas depois, a estatística aponta uma divisão quase meio a meio.

Além disso, o vírus já está presente em 54 dos 61 municípios do interior. Logo, somado à capital, em 89% do estado.

 

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Como será o amanhã?

É diante desse panorama e das perspectivas que preocupa muito os próximos dias no Amazonas, que fica pior com aglomerações crescentes. Conforme previsões das autoridades de saúde, é da segunda quinzena de maio em diante que o estado vai sofrer o pico da doença.

Para um país que “navega às cegas” contra a morte, dito pelo próprio ministro da Saúde, chega a ser aterrorizante pensar que números os boletins vão trazer amanhã.

E que nova aberração está sendo gestada na cabeça de quem deveria assumir as rédeas da situação, mas que prefere ficar de passeio na lagoa enquanto as valas comuns, de enterros indignos de filhos da pátria, são abertas a toda hora.

 

Foto: Reprodução/TV