Enrolando-se mais e mais a cada depoimento prestado à CPI da covid, o governo de Jair Bolsonaro tem pela frente outra bomba a ser desarmada, esta no reduto eleitoral original do clã presidencial: contratos firmados sem licitação, inclusive com empresas investigadas por outras irregularidades, para a prestação de serviços terceirizados a órgãos federais no Rio de Janeiro, a maioria hospitais e outros serviços de saúde.
VEJA teve acesso a 74 contratos que relacionam 27 empresas. Destes, 21 foram fechados sem concorrência pública nos últimos dois anos e envolvem um total de 60,2 milhões de reais.
Nos demais, o que chama atenção é a quantidade de aditivos agregados aos contratos originais no decorrer do atual governo — são 82 no total.
Entre os beneficiários desses negócios com o governo federal estão pelo menos dois presos em operações da Polícia Federal e do Ministério Público por suspeita de participação em esquema de desvio de recursos também na área da saúde, só que na esfera estadual.
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O dossiê vai ser entregue aos senadores da CPI, em depoimento reservado a ser marcado — seria na sexta 09, mas foi adiado —, pelo ex-governador do Rio Wilson Witzel (PSC), afastado do cargo por suspeita de ocupar posição de liderança no propinoduto fluminense.
Impeachment
Removido definitivamente do Palácio Guanabara ao fim de um processo de impeachment em abril, Witzel falou pela primeira vez à CPI, no mês passado.
Condenou com veemência a atuação federal no combate à pandemia, repetiu ser vítima de perseguição política, disse se sentir ameaçado e, amparado por um habeas-corpus concedido previamente pelo Supremo Tribunal Federal, encerrou sua participação e foi embora.
Combinou-se então uma segunda audiência, esta fechada, para que apresentasse outras denúncias — e é nela que o ex-governador promete abrir o vespeiro dos contratos federais no Rio.
Hospital de Bonsucesso
O epicentro dos acordos sem licitação é o Hospital Federal de Bonsucesso, na Zona Norte da capital, que empenhou mais de 13 milhões de reais em cinco contratações entre abril de 2019 e julho de 2020.
Três delas contemplam a Cemax Administração e Serviços, encarregada de fornecer ao hospital mão de obra de “apoio operacional administrativo”.
Outras duas empresas, a Nova Rio Serviços Gerais e a Gaia Service Tech, foram contratadas sem concorrência para “atendimento de demandas” da Creche Itália Franco, gerida pela unidade de saúde de Bonsucesso.
O campeão dos contratos sem licitação esteve no noticiário em fevereiro de 2019, quando o então secretário-geral da Presidência da República, Gustavo Bebianno (1964-2020), denunciou que uma equipe despachada para fiscalizar o local havia sido ameaçada por milicianos.
Dias depois, o ministro foi exonerado do cargo pelo presidente Jair Bolsonaro.
No depoimento secreto à CPI, Witzel entregará vídeos de Bebianno, morto em decorrência de um infarto no ano passado, chegando ao Palácio Guanabara para encontros em que, segundo o ex-governador, lhe pediu que garantisse sua segurança, pois tinha medo de ser assassinado.
O próprio Witzel, ex-aliado e hoje desafeto do presidente Bolsonaro, solicitou e será incluído, junto com a mulher, Helena, e os filhos, no Programa de Proteção a Vítimas e Testemunhas Ameaçadas (Provita).
Na primeira vez que depôs perante a CPI, o ex-governador bateu boca com o senador Flávio Bolsonaro (Patriota-RJ), filho mais velho do presidente.
Para embasar agora o pedido de proteção, seus advogados adiantaram que, no próximo depoimento, ele vai revelar fatos que “são gravíssimos e envolvem muitas pessoas e autoridades”. A sessão, ainda que reservada, promete fortes emoções.
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Foto: Agência Senado