“A religião é o ópio do povo”. Esta frase é, sem dúvida, uma das mais famosas de Karl Marx. Está registrada no texto Crítica da Filosofia do Direito de Hegel , escrito entre dezembro de 1843 e janeiro de 1844. Tomando como referência o Brasil, escrevo, hoje, para reafirmar a atualidade desta frase síntese.
Com efeito, antes de prosseguir, faz-se necessário entender o que Marx quis dizer com a frase, que aparece na introdução do texto supracitado, publicado na forma de artigo nos Anais Franco-Alemães em 1844. O contexto da frase é o seguinte:
“A miséria religiosa constitui ao mesmo tempo a expressão da miséria real
e o protesto contra a miséria real. A religião é o suspiro da criatura oprimida,
o ânimo de um mundo sem coração, assim como o espírito de estados de
coisas embrutecidos. Ela é o ópio do povo”.
A religião é o ópio porque, assim como a droga, ela tem o poder de entorpecer, de narcotizar o sujeito, alienando-o a ponto de fazê-lo ignorar e suportar situações de miséria, de exploração e de submissão à vontade de outrem por entender que se trata de algo sobrenatural/divino e não fruto de um processo material e histórico. Na verdade, a miséria não tem nada de divino. Trata-se de uma condição materialmente produzida.
Alienação
O ópio possui substâncias que deprimem o sistema nervoso central. Agindo de maneira lenta, proporciona a diminuição da dor a partir do entorpecimento. Neste sentido, de forma análoga, a religião tem a função de entorpecer e de alienar mentes e corações de homens e mulheres para que não vejam e não entendam as origens históricas de sua condição. Segundo a filósofa política Hannah Arendt, “o trabalho é condição humana”. A religião, portanto, não é.
Neste sentido, não entender as origens materiais de uma vida miserável, precária e desprovida de sentido é não entender que “a história da humanidade é a história da luta de classes”. Esta condição é fundamental para a dominação burguesa. Uma dominação, entretanto, que seria impossível de ocorrer apenas pelo “monopólio do uso legítimo da violência física”, para citar, aqui, uma passagem famosa de Max Weber sobre o que é o Estado.
Dominação ideológica
Em uma sociedade cada vez mais marcada por discrepâncias abissais que, por conta disso, se constitui a cada dia em uma espécie de barril de pólvoras à espera de uma única centelha, como manter a dominação? A resposta é simples: pela dominação ideológica. Neste caso, a religião assume papel preponderante, constituindo-se em um dos principais instrumentos da dominação ideológica burguesa.
A religião, desde a sua origem, e até agora, sempre foi o principal instrumento de manutenção do poder. Ela sempre esteve ao lado dos poderosos e dos opressores, pregando obediência, servidão, mansidão, renúncia ascética apenas para o rebanho, enquanto os seus líderes gozam de riqueza, fama e poder.
Bolsonaro
Temos diante de nós o caso brasileiro para exemplificar. É só verificar de qual lado ficaram os cristãos, católicos e protestantes brasileiros, salvo raríssimas exceções, nas últimas eleições. A maioria ficou do lado de Jair Bolsonaro, o candidato cujo projeto de país mostrava claramente a defesa dos interesses dos ricos e poderosos e o massacre da classe trabalhadora.
Neste âmbito, o papel dos líderes religiosos brasileiros, grandes e pequenos, todos eles porta-vozes dos interesses da burguesia, é anestesiar o povo e, desta forma, manter as coisas exatamente como elas são e estão.
A cada sermão de domingo “doses cavalares de ópio” são injetadas nos fiéis. São estas doses que projetam no indivíduo a ideia de uma vida gloriosa em outro reino, que atestam que os dissabores de uma vida miserável neste mundo serão compensados por algo sublime, inigualável e inimaginável no reino do porvir.
Desta forma, a consciência-de-si da classe-que-vive-do-trabalho é impedida de nascer e de florescer. Elimina-se ou reduz-se, com isto, qualquer possibilidade de revolta, de protesto, de emancipação e de revolução.
Ademais, o papel do ópio/religião é fazer a dor do corpo (fome e miséria) e da alma (angústia e depressão) passar, ainda que momentaneamente. É fazer a desesperança se transformar em esperança no porvir. Neste sentido, Marx está absolutamente correto: “a religião é o suspiro da criatura oprimida, o ânimo de um mundo sem coração […]. Ela é o ópio do povo” .
*Sociólogo
Arte: Gilmal