Por Lúcio Carril*
A verdade absoluta está intrinsecamente ligada à ideia de religião, como salvaguarda dos interesses de dominação dos seus sacerdotes. Foi criado até mesmo um direito divino, que subjugou homens e mulheres aqui na terra.
Essa filosofia supremacista da verdade influenciou a construção da ciência e o pensamento dos cientistas, que de acordo com a concepção positivista passaram a se intitular os novos sacerdotes, reveladores da verdade do mundo.
Trata-se de uma visão ultrapassada, permeada de limitações intelectuais sobre a pluralidade de pensamento, ideias, conhecimento, saberes tradicionais, que formam a humanidade. Não existe uma verdade, existem verdades sobre o mundo, sua origem, construção, formação e os caminhos a serem percorridos.
Faço essa introdução para revelar meu assombro com recentes declarações de um conhecido biólogo sobre a rodovia BR-319.
Suas previsões, que diz serem com base nas ciências naturais, são apocalípticas. Que a pavimentação da estrada vai “acabar com 70% das chuvas que abastecem o Sul e o Sudeste do Brasil”. Que vai “impactar o suprimento de água para consumo humano, agricultura, indústria”.
É ou não é uma previsão do fim do mundo, ou do fim do Brasil?
Tudo isso será causado se a BR-319 for asfaltada. É o asfalto que vai causar esse colapso ambiental no Brasil, pois a estrada já existe há 50 anos. Agora mesmo tem 20 km de caminhões e carretas paradas, esperando para atravessar o rio Curuçá, cuja ponte caiu em 2022.
Antes do vaticínio catastrófico sobre as águas do sul e sudeste do Brasil, o especialista em BR-319 havia alertado sobre “uma sequência de novas pandemia globais”, caso a rodovia seja “aberta”.
Não sabe o incauto que a estrada já existe e que a floresta foi rasgada em 1976. Não haverá nova supressão de vegetação. O que queremos, como brasileiros da Amazônia, é que o Estado recupere o trecho do meio da rodovia. Só isso.
Sobre o alerta para novos desmatamentos e grilagem de terras no entorno da estrada, já está havendo e o próprio sacerdote das ciências naturais diz que tem estudo que mostra isso entre 2020 e 2022. Ou seja, o crime está lá, mas o Estado não, se escudando na falta de infraestrutura da rodovia para justificar sua ausência.
Reconheço os estudos científicos sobre os problemas causados ao planeta pelo desmatamento da floresta amazônica, mas usar a mídia para criar pânico na população do sul e sudeste do Brasil contra nossos povos do Amazonas e Roraima é de extrema desonestidade e inigualável maldade.
Todos nós sabemos da importância da floresta amazônica para o clima no mundo, assim como conhecemos os “rios aéreos” que beneficiam a vida e a agricultura noutras regiões do país, mas não será um asfaltamento de 400 km de estrada que destruirá esse ecossistema. Isso não é verdade. O Brasil e o mundo precisam da floresta toda em pé, isto sim é uma verdade científica.
Defendemos a pavimentação do trecho do meio da BR-319 e um plano do governo federal, com estados e municípios, para proteger nosso patrimônio ambiental e dar segurança às populações que habitam o entorno da estrada. Do jeito que está só o crime organizado tem acesso. O Estado é ausente e conivente com o desmatamento e a grilagem de terras.
Esse senhor que anda espalhando pânico pela mídia não ajuda em nada a luta pela preservação da floresta amazônica e presta um desserviço ao Brasil ao tentar jogar brasileiros do sul e sudeste contra brasileiros do norte. Isso é condenável.
*O autor é sociólogo.
Foto: Dnit