Um levantamento feito pelo G1 revela que ao menos 1.593 servidores do governo federal são candidatos nestas eleições.
Esses funcionários foram obrigados a solicitar uma licença para a atividade política, que dura de três a seis meses, dependendo do cargo.
Segundo o Ministério da Economia, o servidor não tem a opção de abrir mão da remuneração nesse tempo, apesar de estarem afastados do cargo.
Em apenas um mês, o salário desses servidores chega a R$ 15,5 milhões. Ou seja, considerando o tempo mínimo de licença, esse montante é de R$ 46,4 milhões.
É provável, porém, que os valores sejam ainda maiores, principalmente quando considerados os servidores do Legislativo e do Judiciário, além de funcionários públicos das esferas municipal e estadual.
Os servidores que se lançaram na política em 2020 ocupavam, principalmente, os cargos de professor, médico, policial rodoviário federal, sargento e técnico do seguro social.
A maioria estava lotada nos ministérios da Saúde e da Economia, no INSS, no Comando do Exército e na Polícia Rodoviária Federal (PRF). O cargo eletivo mais buscado é o de vereador (1.320 do total).
O levantamento é resultado do cruzamento de dados da lista de servidores do Poder Executivo do governo federal, disponível no Portal da Transparência, e de candidatos que disputam estas eleições, disponível no Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
O Ministério da Economia informa que esse é o arquivo público mais completo sobre servidores.
Servidores candidatos
O G1 localizou cinco candidatos da lista de 1.593 servidores do Poder Executivo do governo federal. Esses candidatos recebem os salários mais altos, que se aproximam do teto constitucional de R$ 39 mil.
São médicos e auditores federais. Houve até quem dissesse que gostaria de abrir mão do salário, mas, como a lei não permite, continua com o “incentivo público” para ser eleito.
O médico Wellington Bruno, candidato a vereador pela Rede Sustentabilidade em Niterói (RJ), recebe o maior salário da lista de servidores que participam destas eleições.
A remuneração básica bruta dele foi de R$ 36.565,43 em setembro. Esta é a primeira eleição em que ele se candidata.
A licença concedida ao médico é de três meses. Ele diz que resolveu se candidatar porque está “indignado como todos os cidadãos”.
“Aos 57 anos de idade, após 32 anos sofrendo com as consequências das decisões políticas na área de saúde pública, junto aos meus colegas profissionais de saúde e junto aos pacientes, estou preparado para ocupar um espaço na política municipal e contribuir para lutar por mudanças, propondo projetos e fiscalizando o Executivo”, diz.
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Já o candidato Antônio Samarone (Cidadania), professor de medicina da Fundação Universidade Federal de Sergipe, também entrou na disputa para uma vaga de vereador.
Esta é a quarta eleição da qual participa em Aracaju. Nunca foi eleito. Em setembro, o salário bruto de Samarone foi de R$ 35.563,68. Ele não quis se manifestar.
Concorre a vice
Outro médico aparece na lista: Roger Catunda Rocha, candidato a vice na chapa do atual prefeito de Chaval (CE), filiado ao PDT.
O município fica a 400 km de Fortaleza e tem pouco mais de 10 mil habitantes. Doutor Roger está lotado na Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares, que é ligada ao Ministério da Educação. O salário do médico foi de R$ 32.805,64 em setembro.
Ele diz que queria abrir mão da remuneração durante a campanha, apesar de a lei não permitir atualmente.
“Eu mesmo acho que a gente deveria ter o direito. Acho que quem sair candidato deve abrir mão da remuneração durante aqueles meses. Porque muitas pessoas são candidatas, mas não têm voto. São candidatas apenas para ganhar dinheiro público. Eu vou ser eleito. Eu fui candidato a prefeito desta cidade há 20 anos. Agora sou candidato a vice do prefeito eleito que vai para a reeleição.”
Auditor aposentado
Outro candidato servidor é o auditor-fiscal do trabalho Luiz Gonzaga Lima de Morais, que concorre a uma vaga de vereador de Patos (PB) pelo Solidariedade.
A remuneração do auditor foi de R$ 30.303,62 em setembro. Ele diz que se candidatou por “amar a cidade e por já está aposentado desde 25 de outubro de 2020”.
“Eu me aposentei, como falei, no domingo. Tenho 75 anos. São seis meses de licença [para auditor fiscal do trabalho] para uma candidatura.”
O auditor-fiscal da Receita Eden Siroli Ribeiro, que tenta uma vaga de vereador em São Carlos (SP), também recebeu R$ 30.303,62 em setembro.
Filiado ao Republicanos, ele disputou a eleição também em 2018, quando concorreu a uma vaga de deputado federal na capital paulista.
Ele diz que “hoje, com as regras atuais, não faz mais sentido [a licença], haja vista que as convenções são marcadas para as vésperas da data limite do registro”.
Apesar disso, ele afirma que tem “uma filha do primeiro casamento que recebe 1/3 do salário” e que “não faria sentido algum privar uma criança de seu sustento por causa de uma campanha eleitoral”.
“Eu pessoalmente tenho plena convicção de que muitas leis carecem urgentemente de serem atualizadas. E para se alterar a lei tem que ser pelo processo legislativo. As leis do país são reflexo de seus políticos. Políticos ruins fazem leis ruins. Políticos bons fazem boas leis”, diz.
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Foto: TSE