Ao arrumar o meu armário esta semana, deparei-me com o livro Era dos Extremos , do historiador britânico Eric Hobsbawn. Contemplei a capa por um instante e, de imediato, pensei: “os extremos recrudesceram, precisamos defender a democracia como forma de manter a nossa própria vida”.
Hobsbawn é, sem dúvida, um dos maiores, se não o maior historiador do século XX. Ele analisou com maestria esse período, definindo-o como um século breve. Na verdade, o livro Era dos Extremos é o último da coletânea que se inicia com A Era das Revoluções , seguida por A Era do Capital e A Era dos Impérios .
Apenas para relembrar, o livro Era dos Extremos , que destaco, aqui, está dividido em três grandes partes, a saber: “a era da catástrofe”, “a era de ouro” e o “desmoronamento”.
Na primeira seção, que cobre o período de 1914 a 1945, Hobsbawn analisa, sobretudo, os acontecimentos ligados às duas grandes guerras mundiais.
Em seguida, na parte denominada “a era de ouro”, o historiador britânico analisa o período do pós-guerra até a década de 1970. Sua viagem pelo século XX se encerra com a seção denominada “o desmoronamento”, que cobre de 1970 a 1991, cujo maior acontecimento foi, sem dúvida, o fim da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS).
Para Hobsbawn, o século XX termina aí, com esse grande acontecimento. Certamente, ele não está corroborando a tese do “fim da história”, de Francis Fukuyama. Sendo um grande marxista, Hobsbawn sabia que o declínio do socialismo no leste europeu não significava isso.
Ele estava fazendo referência ao fim de uma era; mais do que isso, estava indicando o início de uma nova era, que seria marcada pela crise. No começo da seção “as décadas de crise”, Hobsbawn escreve: “a história dos vinte anos após 1973 é a de um mundo que perdeu suas referências e resvalou para a instabilidade e a crise”.
Passados quase 30 anos da publicação do livro Era dos Extremos e quase dez anos de falecimento de seu autor, a instabilidade e as crises do capitalismo, como previstas por ele, permanecem e se agudizam, tornando-se cada vez mais frequentes, com intervalos cada vez menores. A crise de econômica 2008, iniciada nos Estados Unidos, é a materialização de sua previsão.
Ademais, percorridas duas décadas do século XXI, o capitalismo neoliberal se hegemonizou, porém, isso não representou melhorias para a maior parte da população mundial. Segundo dados da Organização das Nações Unidas (ONU), em 2020, “811 milhões de pessoas passaram fome”. Na América Latina, “a fome atingiu cerca de 60 milhões de seres humanos”.
O capitalismo, portanto, não cumpriu sua promessa de emancipação dos homens, de liberdade, de igualdade e de fraternidade. Na verdade, o sistema produziu ilhas de riqueza e territórios com imensa pobreza.
A globalização, que nada mais é do que a mundialização do capital, globalizou tudo mesmo, inclusive os extremos, como a xenofobia, o fundamentalismo religioso, o racismo, o negacionismo, o terrorismo e assim por diante. Vivemos, hoje, como sentencia Ulrich Beck, na “sociedade do risco”, da incerteza e do medo.
Trata-se, na verdade, de uma situação tensamente paradoxal ou, como diria Anthony Giddens, do paradoxo da modernidade, pois, à medida que a vida moderna se torna mais confortável, fruto do desenvolvimento de um aparato científico e tecnológico, os riscos, o medo e as incertezas se fazem cada vez mais presentes.
Vive-se cada vez mais e melhor, mas não se pode afirmar, com segurança e sem ser leviano, que o mundo está melhor. Para mim, ele não está; pelo contrário, observo que as contradições e tensões só aumentam. Se temos, hoje, maior e melhor domínio da natureza, com conquistas da razão técnica, outros aspectos da vida e da convivência humana, como a solidariedade, o amor e a empatia, são drasticamente reduzidos. E isso tem sido revelado, na última década, em todos os segmentos da vida social.
À guisa de exemplo, temos o recrudescimento do nazismo e do fascismo, do negacionismo e do revisionismo, dos movimentos antivacinas, do racismo, do ódio em sua face homofóbica e sexista, da corrupção, do feminicídio e, acima de tudo, de uma tóxica combinação de idiotice com maldade.
A materialização dessa combinação trouxe de volta doenças como o sarampo e a poliomielite, que já haviam sido controladas e até mesmo erradicadas em alguns países. Elas estão de volta simplesmente porque os(as) negacionistas se recusam a vacinar seus/suas filhos(as).
Na prática, isso significa que conviver diretamente com um(a) negacionista ou próximo a ele(a) representa risco de morte para você e para a sua família por doenças que já têm cura. Noutras palavras, à medida que os extremos avançam, os riscos aumentam, não restando, portanto, outra solução que não seja a luta e o enfrentamento político.
Nesse sentido, os democratas, os progressistas, os de espírito livre, os que amam, os que sonham, os que se doam, os que creem, os solidários, enfim, os verdadeiramente humanos, precisam entrar na luta contra os extremos e defender a democracia, pois, hoje, fazê-lo, é, simplesmente, defender a vida.
Não há, assim, outra maneira de combater e derrotar os extremos e seus desdobramentos fora da democracia. Em 2022, você terá que tomar uma decisão: defender a democracia e, consequentemente, a vida ou defender a morte.
De que lado você estará?
*Sociólogo
Foto: Fernando Frazão/ Agência Brasil