Por Aguinaldo Rodrigues , da Redação
Fontes de Humaitá, município a 696 quilômetros de Manaus, disseram ao BNC Amazonas que os três funcionários da Fundação Nacional do Índio (Funai) que foram feitos reféns no dia 8 pelos índios tenharins, da aldeia Estirão Grande, que fica a cerca de 90 quilômetros da sede da cidade, ainda não foram libertados.
Na sexta, dia 12, o portal G1 e a TV Amazonas/Globo noticiaram que os três agentes haviam sido libertados . Neste domingo, porém, familiares e amigos dos reféns negaram que eles tenham sido soltos e se mobilizavam em Humaitá para cobrar a libertação dos funcionários do órgão federal.
O presidente nacional da Funai, Wallace Bastos, teria, de Brasília, intermediado na sexta para que os índios soltassem os funcionários, mas isso efetivamente não aconteceu. A ação teria sido por meio de um vídeo gravado com mensagem para os tenharins. Esse vídeo não foi divulgado.
No site oficial da Funai, e nas suas páginas no Facebook e YouTube, não há nenhuma linha sobre a ocorrência em Humaitá, e nem sobre qualquer providência que possa ter sido tomada para libertação dos funcionários.
Caso não ocorra a libertação, os ânimos podem se acirrar entre os moradores da cidade e os índios. Em rede social, já há quem defenda retaliação contra os tenharins.
Em 2013, no Natal, após o desaparecimento de três moradores de Humaitá na reserva tenharim, populares incendiaram a sede da Funai e de outros órgãos públicos na cidade.
Por tudo isso, familiares dos três reféns começam a temer por suas vidas, uma vez que os tenharins já têm histórico de violência contra os não índios.
Sofrimento das famílias
O agente Vandilon Pereira de Carvalho (foto) é um dos estão em cárcere privado na aldeia. Neste domingo, seus familiares engrossavam a cobrança sobre a Funai porque a ausência dele já causa, além de sofrimento, dificuldade para seu pai, portador de doença crônica que o obriga a fazer hemodiálise três vezes por semana em Porto Velho, capital de Rondônia.
Vandilon e seus dois colegas foram aprisionados quando foram à aldeia negociar a libertação de dois indígenas pirarrãs, que haviam se envolvido em conflito com os tenharins. Eles foram soltos, mas os agentes ficaram reféns.
Familiares criticam ainda que essa informação de que os funcionários estavam amarrados e presos só teria sido divulgada na quinta, quatro dias depois da ocorrência.
Ordem de fiscalização
Em maio de 2017, a Justiça Federal, a pedido do Ministério Público Federal no Amazonas (MPF/AM), mandou que o governo federal, por meio da Funai, passasse a fazer fiscalização permanente na reserva tenharim.
Dois postos de fiscalização deveriam ser instalados na reserva para evitar a entrada de invasores e exploradores ilegais. Esse plano deveria ter sido apresentado pela Funai em maio do ano passado, após consultar os indígenas.
Até hoje não se tem notícia de que a ordem tenha sido cumprida.
Visita do Exército em aldeia tenharim Foto: Mário Vilela/Funai (arquivo)
Histórico de conflitos
O conflito entre índios e estes com os agentes da Funai no sul do Amazonas não é um fato novo.
Em 16 de dezembro de 2013, o vendedor Luciano Freire, o professor Stef Pinheiro de Souza e o funcionário da Amazonas Energia Aldeney Salvador desapareceram quando trafegavam na BR-230, a Transamazônica, em trecho da reserva da etnia tenharim.
Nesse dia mesmo eles foram assassinados na reserva pelos índios no veículo em que viajavam. Seus corpos foram ocultados e só achados quase dois meses depois, em 3 de fevereiro de 2014.
Os índios não confessaram o crime e nem revelaram onde esconderam os corpos. Foi preciso uma megaoperação com 400 homens e cães farejadores do Exército, Polícia Federal, Força Nacional, Polícia Militar e Polícia Rodoviária Federal dentro da reserva para a solução do episódio.
Os índios teriam se vingado da morte de um cacique tenharim depois que essa decisão teria sido domada em ritual de pajelança. A versão de que o cacique Ivan Tenharim tenha morrido atropelado na BR não convenceu os índios, que afirmavam que ele tinha sido assassinado.
Cinco deles chegaram a ser presos e foram soltos em novembro de 2015, por decisão de desembargadora do Tribunal de Justiça do Amazonas (TJ-AM). Até hoje o julgamento dos suspeitos dos crimes não teve desfecho.
Também é motivo de conflito na região a cobrança de pedágio que os índios fazem para o tráfego de veículos pela estrada no trecho que corta a reserva.
Naquela época, a Funai se manifestou por meio de uma nota sobre essa situação conflituosa. Confira o que disse o órgão do governo:
Nota Pública da Fundação Nacional do Índio
Publicado em 30 Dezembro 2013
A Fundação Nacional do Índio vem a público esclarecer a situação atual vivenciada pelos indígenas e servidores da Funai no município de Humaitá, Amazonas.
Diante dos inúmeros conflitos ocorridos na região, esta Fundação buscou apoio dos órgãos de segurança pública e do Exército, no intuito de resguardar a integridade física de indígenas e de servidores da instituição indigenista, que estavam na sede do município.
Assim, a Funai solicitou ao Comando do 54º Batalhão de Infantaria de Selva de Humaitá para abrigar cerca de 140 índios, os quais, hoje, dia 30 de dezembro, retornaram à Terra Indígena Tenharim Marmelos, com apoio das Polícias Federal, Rodoviária Federal, Força Nacional e desta Fundação.
Quanto aos servidores da Coordenação Regional Madeira, em Humaitá, por questões de segurança, a sede da Funai providenciou que os mesmos fossem deslocados para outra localidade.
É necessário esclarecer que, neste momento, cabe à Funai atuar como mediadora no diálogo entre os indígenas e as forças de segurança, sendo de responsabilidade da polícia a investigação das denúncias e crimes ocorridos. Nesse sentido, a Presidência da Fundação encaminhou servidores para o município de Humaitá, com o objetivo de colaborar com a realização dos trabalhos.
Na busca por solucionar os casos envolvendo a morte do cacique Ivan Tenharim e o desaparecimento dos não indígenas, a Funai contatou os órgãos de segurança pública, colocando-se à disposição para informações, inclusive no que se refere ao ingresso das forças policiais na Terra Indígena, além de solicitar abertura de inquérito sobre os casos.
É preciso deixar claro que não houve um suposto impedimento dos índios para realização de buscas na Terra Indígena. Ao contrário, a FUNAI e os indígenas de Humaitá se colocaram a (sic) disposição, desde o início, para colaborar com qualquer tipo de operação de busca naquele local.
Quanto aos prejuízos ao erário público ocasionados pelos atos de destruição dos últimos dias, também já foram abertos inquéritos junto à Polícia Federal para apurar os responsáveis pela depredação e destruição do prédio, dos carros e do barco da Funai.
Destacamos que todo o patrimônio da Funai, resultado de mais de cinco anos de investimento na região, visando à promoção e à proteção dos direitos dos povos indígenas, foi destruído durante os conflitos.
Ainda sobre o pedágio cobrado pelos índios Tenharim na rodovia Transamazônica, cabe explicar em quais situações ocorre esta cobrança. Ocorre que desde a construção da Transamazônica em 1972 não foi criada nenhuma alternativa para minimizar os impactos sobre a Terra Indígena Tenharim Marmelos. Assim, os indígenas, por iniciativa própria, passaram a aplicar a cobrança de pedágio, a título de compensação socioambiental e como alternativa para custear ações que beneficiem aquele povo.
Em maio deste ano, a Funai em reunião com lideranças Tenharim e representantes do Ministério Público Federal discutiram a possibilidade de um licenciamento ambiental corretivo, como forma de compensar, mitigar e indenizar o povo Tenharim pelos impactos ocasionados pela construção da Transamazônica, que intercepta a Terra Indígena. Atualmente, a Funai está concluindo o estudo de levantamento dos impactos da rodovia.
Diante do conflito instaurado em Humaitá, estamos realizando, em articulação com a Polícia Federal, Força Nacional de Segurança Pública, Polícia Rodoviária Federal, Exército e outros, diversas ações no sentido de buscar distencionar (sic) a região, assegurando a observância da legislação vigente e os direitos dos povos indígenas.
Finalmente a Funai se solidariza com as famílias dos indígenas e não indígenas que buscam informações sobre o caso, ao tempo em que repudia todo e qualquer tipo de manifestação que incite o ódio e a violência.
Foto: Divulgação/leitor BNC Amazonas