Atualizada dia 01/08/2020, às 13h17
Os parintinenses, certamente, lamentam e choram a morte do ex-prefeito Benedito de Jesus Azedo, aos 86 anos, ocorrida hoje (31/07) de madrugada em Manaus (AM).
Não só pelos simples dever de solidariedade humana, mas por tratar-se de um ex-prefeito destacado por suas ações e realizações públicas e, também, porque, com ele, esvai-se parte da memória sociopolítico de Parintins e do Amazonas.
Mesmo na idade avançada, Benedito Azedo engatava longas conversas prazerosas, humoradas e reflexivas com os seus interlocutores.
Tive a honra de conversar com ele em lugares e oportunidades diversas, seja como jornalista ou como interlocutor de bate papo nos bancos de um shopping center da cidade que ele costuma frequentar.
A nossa última conversa longa, com a participação da historiadora Irian Butel, ocorreu 2012, gravada em vídeo para o projeto História e Memória Política de Parintins, realizado pelo Instituto Memorial de Parintins (Impin), para a Câmara Municipal de Parintins.
Inteligência e alegria
Diante de nós esteve um ser com a inteligência e a alegria de viver se expressando pelo olhar, pelas palavras e pelos gestos corporais.
Havia ali, uma pessoa que se doava a repassar experiências e conhecimentos magnânimos para as futuras gerações, como perdão, tolerância, generosidade, solidariedade, resiliência, a retidão etc.
Ele nos contou que entrou na política partidária após uma conversa entre ele. o servidor público Odovaldo Novo e Júlio Belém (Arena) – esse último ex-prefeito de Parintins e quatro vezes deputado estadual.
Prefeito de Parintins
As pedras ainda estavam sendo mexidas no tabuleiro político local, quando Júlio Belém morreu, e os herdeiros do seu legado decidiram indicá-lo candidato a prefeito, e Odovaldo, avice.
“Aí eu passei a querer ser prefeito, a desejar ser prefeito (…) E entrei num partido político, não havia proibição para procuradores, eu me meti em política, acabei disputando a Prefeitura de Parintins e ganhando a eleição. Fui prefeito, o que é uma excepcional honra que eu tenho na minha vida foi ter sido prefeito de Parintins. Eu quis ser, desejei ser e fui”, afirmou em seu registro histórico.
Tratou-se de uma eleição acirrada, porque do outro lado estava Luís Teixeira (MDB), pecuarista e bem articulado com as elites locais, inclusive com a Igreja, proprietária da única rádio da cidade.
Ataques e contra-ataques
Benedito Azedo disse que procurou o apoio da rádio, mas o que recebeu, nos primeiros momentos da campanha, foram ataques sistemáticos à sua candidatura.
Então, ele teve a ideia de criar um jornal para se defender e divulgar as suas ideias aos eleitores.
Recorreu ao seu amigo em Manaus, Umberto Calderaro Filho, dono de a Crítica, para imprimir A Tribuna, que tem no expediente o senador José Esteves como fundador, e como diretores Benedito de Jesus Azedo e Pedro Gonçalves.
Com o jornal, ele contra-atacou a Igreja e fez a rádio recuar e a divulgar as suas propostas para o município.
Cicatrizes e reconciliação com a igreja
O jogo eleitoral se deu de forma dura e criou cicatrizes na sua relação com o bispo dom Arcângelo Cérqua, líder religioso com influência no Médio e Baixo Amazonas.
Essa frieza do jogo político, segundo ele, nunca habitou o seu coração e, por isso, passou a esperar a oportunidade para se reconciliar com o bispo. E essa ocasião veio, anos depois, na procissão de Nossa Senhora do Carmo, a padroeira do município. Foi ele quem tomou a iniciativa de se dirigir ao religioso e abraçá-lo afetuosamente.
Dom Arcângelo, por sua vez, fez referência a esse emocionante e exemplar encontro em sua homília, destacando os valores da humildade e do perdão na formação do caráter das pessoas.
A partir daquele momento, Benedito Azedo procurou conhecer melhor o bispo, e certo dia foi ao encontro dele no casario da Olaria, na margem do lago do Macurani.
“Confesso a vocês que, naquele dia, tive uma longa e reveladora conversa com um homem santo”, acentuou, enquanto as lágrimas lhes escorriam pela face.
Ainda em relação a dom Arcângelo, ele disse que outra vez foi à sua casa, um antigo prédio na zona portuária, e ficou impressionado com a vida franciscana do líder religioso.
“Ali, havia um fogão, uma geladeira e uma cama muito modestos; nada ali combinava com aquilo que se imagina para a vida de um homem tão amado, influente, prestigiado e porque não, poderoso, pelo bem que faz”, acentuou.
O prefeito Benedito Azedo
Como gestor público, Benedito Azedo realizou obras que deram a Parintins o título de Cidade Modelo, categoria A, outorga concedida pelo governo federal. Ele costumava destacar o bairro de Palmares e as vicinais da zona rural entre as mais importantes, porque atendiam ao presente e se antecipavam às necessidades futuras da população.
O Palmares surgiu da invasão de terras da família Assayag, localizadas ao lado do antigo aeroporto da cidade, com fundos para o lago do Macurani.
A prefeitura desapropriou a área e transformou a invasão em um bairro planejado, com quadras e ruas bem definidas para receber serviços e equipamentos públicos.
Nomes de ruas – reação ao populismo
Durante a escolha dos nomes das ruas, o ex-prefeito contou que sofreu pressão política para denominá-las com nomes de políticos locais, inclusive alguns ainda em vida.
Houve quem defendesse que o bairro fosse chamado Benedito Azedo, uma prática populista muito comum ontem e hoje.
Ele resistiu aos pedidos e, para solucionar o problema sem maiores desavenças entre aliados e opositores, deu às ruas nomes dos municípios vizinhos. Há uma única rua com o nome de um estado do Nordeste para que ele se livrasse de um político local que persistia em colocar o seu nome numa das ruas.
“Então concordei em dar o nome do estado em que ele nasceu”, salientou, com risos nos lábios.
Estradas
Outra tarefa ousada, segundo ele, foi abrir as estradas vicinais, inclusive com a ajuda dos próprios moradores, entre as comunidades rurais, para encurtar as distâncias entre elas, e facilitar o escoamento da produção agrícola para a sede do município.
Na sua gestão, foi feita a picada da estrada entre Parintins e Juruti (PA), cuja construção está sendo articulada agora entre as duas prefeituras.
Benedito Azedo esperava que essas estradas tivessem continuidade nas administrações posteriores. Tanto é assim que ele levou o candidato à sua sucessão a essas comunidades. E lá pediu votos, certo de que as estradas seriam concluídas.
Ele fez o seu sucessor, mas ao retornar às comunidades anos depois encontrou as estradas precárias e abandonadas, algumas já reocupadas pela floresta.
Para Benedito Azedo, ver isso é um fato frustrante para um político e para política.
O bairro criado por ele
No bairro de Palmares há hoje a escola Suzana de Jesus Azedo, mãe de Benedito Azedo, e ao lado desse prédio escolar, uma praça chamada Benedito Azedo, homenagens de administrações posteriores. A praça está precisando de limpeza e equipamentos para ser utilizada pelos moradores do bairro.
As lições deixadas por Benedito Azedo precisam ser cultivadas por seus conterrâneos para que refloresça sempre nos corações dos homens e mulheres com a vontade de servir ao próximo.
Esse é o tipo de livro que finge ter fim.
Perfil
Benedito de Jesus Azedo (1934-2020)
Prefeito de Parintins (1973-1977)
Jornalista, um dos fundadores do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Estado do Amazonas
Advogado (inscrição na OAB nº 306)
Diretor da Empresa de Turismo do Estado (hoje Amazonastur)
Delegado do Ministério da Educação no Estado do Amazonas
Procurador aposentado do Estado do Amazonas
Foto: Divulgação/ALE-AM, em 11 de dezembro de 2015, Benedito de Jesus Azedo foi homenageado com a Medalha do Mérito Legislativo por indicação do deputado estadual Serafim Corrêa (PSB)