Desmatamento pode quadruplicar em território indígena no AM 

Região do Médio Purus, como em Lábrea e Canutama, deve registrar 170 mil km² de desmatamento em 2050, segundo relatório do ISA

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Antônio Paulo, do BNC Amazonas em Brasília

Publicado em: 14/03/2022 às 21:02 | Atualizado em: 14/03/2022 às 21:28

Novo relatório da campanha #IsoladosOuDizimados, do Instituto Socioambiental (ISA), revela que o desmatamento no sul do Amazonas, principalmente em território de indígenas isolados, pode quadruplicar e alcançar cerca de 170 mil km² em 2050, quatro vezes mais do que a média histórica para os anos de 2012 a 2016. 

O avanço do desmatamento deverá se intensificar se permanecer o descaso do governo federal em promover ações para proteger os povos indígenas e se for mantida a decisão de pavimentar a BR-319 (Manaus-Porto Velho). 

O documento do ISA mostra o retrocesso na política nacional de proteção aos povos indígenas isolados e a ampliação das fronteiras de desmatamento em áreas protegidas do sul do Amazonas que podem provocar mais genocídios indígenas.  

Em fevereiro deste ano, foi confirmada a presença de um grupo de indígenas isolados na região de Lábrea (AM).  

“A baixa governança e a perspectiva da pavimentação da BR-319 representam um alto potencial para o estímulo do desmatamento na região, uma vez que propiciará acesso a vastas áreas de floresta hoje preservadas, explica Antônio Oviedo, coordenador do Programa de Monitoramento de Áreas Protegidas do Instituto Socioambiental (ISA).

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Oviedo diz ainda que a abertura de novas fronteiras de desmatamento pode representar taxas de 9,4 mil km² por ano até 2050 na região, taxa similar à verificada no ano de 2019 para toda a Amazônia Legal, de 10,129 km². 

“Este cenário pode comprometer um importante mosaico de áreas protegidas na região, composto por terras indígenas com a presença de isolados e Unidades de Conservação, localizadas no Médio Rio Purus, como a Resex do Médio Purus, Resex Ituxi, Flona do Iquiri – localizadas nos municípios de Lábrea, Pauini e Tapauá – que já sofrem com invasões descontroladas de madeireiros e grileiros”, afirma o relatório do ISA.  

Terra indígena Jacareúba-Katawaxi 

De acordo com o documento, a Terra Indígena Jacareúba-Katawaxi, localizada nos municípios de Canutama e Lábrea é uma das que estão sendo constantemente invadidas, e mesmo com o registro da existência de indígenas isolados, também está desprotegida desde dezembro de 2021.  

O Sistema de Cadastro Ambiental Rural (Sicar) registra 639 cadastros irregulares de invasores, que ameaçam mais de 60 mil hectares no interior da terra indígena. 

Além disso, os dados oficiais do Projeto de Monitoramento do Desmatamento na Amazônia Legal por Satélite (Prodes/Inpe) mostram que até julho de 2021, já foram desmatados 5.889,4 hectares no interior de Jacareúba, o que corresponde a mais de três milhões de árvores derrubadas, aponta o relatório. 

Ao contrário da situação do grupo de indígenas isolados recém-identificado pela Funai, o território Jacareúba-Katawaxi possui registro em estudo desde 2007 e tinha uma portaria de Restrição de Uso, que vinha sendo renovada durante 10 anos seguidos.

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No entanto, esse mecanismo expirou em dezembro de 2021 e, com a entrada no governo, a “Nova Funai”  ainda não tomou as medidas necessárias para garantir a proteção dos isolados dessa área. 

Invasão nas unidades de conservação  

O relatório aponta que as invasões e desmatamento no sul do Amazonas se ampliam às Unidades de Conservação (UC) no Médio Rio Purus.

Os crimes cometidos dentro dessas UC podem comprometer a vida de indígenas isolados, ao passo que essas áreas também podem ser usadas para circulação dos mesmos.

Além de colocarem em risco a vida de outras populações tradicionais que vivem no interior dessas áreas protegidas. 

Mesmo com as invasões dessas áreas, não houve até agora nenhuma medida tomada pela Funai para proteger o território onde habita o grupo de indígenas isolados recém-identificado no rio Mamoriá, e nem para renovar a portaria do território Jacareúba-Katawixi. 

Impacto da BR-319 

As áreas protegidas detalhadas no relatório encontram-se na área de influência da rodovia BR-319.  

Diversos estudos já comprovaram o efeito da implantação de estradas no aumento do desmatamento. O desmatamento é muito maior perto de estradas do que em outras partes da Amazônia.

Um dos estudos mostrou que 95% do desmatamento acumulado da Amazônia se concentra a uma distância de até 5,5 km da beira das estradas. Este impacto também é acompanhado com incêndios florestais, tendo sido observado que 85% das queimadas concentram-se em até 5 km de estradas na Amazônia .  

A rodovia BR-319 liga o estado do Amazonas a Rondônia e a toda a Amazônia central. Segundo o levantamento do ISA, a estrada possui alto potencial de estimular o desmatamento na região, uma vez que propiciará acesso a vastas áreas da floresta amazônica hoje preservadas.  

Desmatamento acelerado 

Um estudo, realizado pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) , analisou os possíveis impactos da pavimentação da BR-319 por meio do modelo “SimAmazonia” , que integra variáveis do meio físico, infraestrutura, dinâmica demográfica, ordenamento territorial e governança ambiental para simular o desmatamento.  

Entre os anos de 2015 a 2020, sem a pavimentação da rodovia, foi verificada uma taxa anual média de desmatamento no estado do Amazonas de 1.150 km².  

Com a pavimentação, e num cenário sem governança, como o previsto pelo Projeto de Lei nº 3.729/2004 em tramitação e que dispõe sobre o licenciamento ambiental, é previsto um aumento significativo do desmatamento, que pode atingir 9,4 mil km² por ano em 2050 no estado, taxa similar à verificada no ano de 2019 para toda a Amazônia Legal, de 10,129 km² , quando se verificou uma alta de 34,4% em relação ao ano 23 anterior.  

Medidas de prevenção 

O relatório recomenda que, para a implantação da obra, exige-se a  adoção de medidas destinadas a prevenir a explosão do desmatamento previsto para a região, o que, pela legislação atualmente em vigor, deve ser realizado não apenas pelo poder público, no cumprimento de seu poder-dever de polícia – monitoramento, controle e fiscalização –, mas também por parte do empreendedor, mediante a adoção de condicionantes ambientais a serem determinadas pelo órgão ambiental no âmbito do licenciamento ambiental 

Com informações do ISA 

Foto: Carolle Alarcon/InfoAmazonia/reprodução

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