Estudo mostra riscos de PL sobre criaĂ§Ă£o de unidades de conservaĂ§Ă£o

Publicado em: 03/10/2018 Ă s 17:35 | Atualizado em: 03/10/2018 Ă s 16:50
Um grupo de biĂ³logos, ambientalistas e procuradores do MinistĂ©rio PĂºblico Federal (MPF) vem manifestando preocupaĂ§Ă£o com o projeto de lei (PL) 3.751/2015, em tramitaĂ§Ă£o na CĂ¢mara dos Deputados. A proposta pretende estabelecer o limite de cinco anos para que as unidades de conservaĂ§Ă£o ambiental no paĂs concluam todo o processo de desapropriaĂ§Ă£o e indenizaĂ§Ă£o de propriedades. Do contrĂ¡rio, perderia efeito o decreto de criaĂ§Ă£o da unidade.
Boa parte das preocupações com o PL 3.751/2015 foi reunida em um artigo publicado hĂ¡ pouco mais de um mĂªs na conceituada revista Science, editada pela AssociaĂ§Ă£o Americana para o Avanço da CiĂªncia (AAAS). Assinado por cinco pesquisadores da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), o artigo aponta que quase 100 unidades tĂªm hoje problemas de regularizaĂ§Ă£o fundiĂ¡ria. Segundo o estudo, se o projeto de lei for aprovado e tiver efeito retroativo, 17 milhões de hectares em Ă¡reas protegidas seriam impactados, quatro vezes a Ă¡rea do estado do Rio de Janeiro.
Considerando sĂ³ os parques nacionais, 17 deles poderiam ter os decretos de criaĂ§Ă£o anulados, como por exemplo o Parque Nacional das Sempre-Vivas, no norte de Minas Gerais, e o Parque Nacional do Pico da Neblina, no Amazonas. “Muitas unidades de conservaĂ§Ă£o jĂ¡ tĂªm a maior parte de sua Ă¡rea regularizada, restando poucas pendĂªncias. Mas se o decreto de criaĂ§Ă£o perde efeito, a unidade deixa de existir integralmente e todo o esforço jĂ¡ realizado Ă© perdido. É um retrocesso”, diz no texto o pesquisador Lucas Perillo, um dos autores do artigo cientĂfico.
A redaĂ§Ă£o do PL 3.751/2015 sugere acrescentar dois dispositivos novos Ă lei federal 9.985/2000, que instituiu o Sistema Nacional de Unidades de ConservaĂ§Ă£o (Snuc). Um desses dispositivos seria o artigo 22-B, cujo parĂ¡grafo Ăºnico define que o processo de indenizaĂ§Ă£o “deverĂ¡ ser concluĂdo no prazo de cinco anos da data de criaĂ§Ă£o da unidade de conservaĂ§Ă£o, sob pena de caducidade do ato normativo que criou a unidade”.
Unidades de conservaĂ§Ă£o somam 2.201
Desde a criaĂ§Ă£o do Snuc hĂ¡ 18 anos, a quantidade deÂ Ă¡reas protegidas no paĂs triplicou. Atualmente, existem 2.201 unidades de conservaĂ§Ă£o federais, estaduais e municipais, que totalizam 250 milhões de hectares. Uma unidade de conservaĂ§Ă£o pode ser criada por meio de decreto assinado pelo prefeito, governador ou presidente da RepĂºblica. Geralmente, isso ocorre apĂ³s os Ă³rgĂ£os ambientais de cada nĂvel do Poder Executivo avaliarem a demanda e apresentarem um projeto.
Segundo Lucas Perillo, hĂ¡ vĂ¡rias categorias de unidades de conservaĂ§Ă£o no Brasil. Nas Ă¡reas de proteĂ§Ă£o integral, as pessoas com terras dentro dos limites estabelecidos participam de um processo em que sĂ£o definidos critĂ©rios e prazos para a desapropriaĂ§Ă£o, uma vez que o territĂ³rio passa a ser considerado de utilidade pĂºblica. Mas a saĂda do local nĂ£o ocorre de imediato.
“HĂ¡ unidades onde hĂ¡ pessoas morando dentro da Ă¡rea de proteĂ§Ă£o, justamente porque ainda nĂ£o se chegou a um consenso. Nesse caso, cabe Ă gestĂ£o da unidade pensar em alternativas. No Parque Nacional da Chapada Diamantina, por exemplo, existiam plantações, criaĂ§Ă£o de gado e um desmate acelerado. Mas foi desenvolvido um projeto voltado para o turismo, de forma que os proprietĂ¡rios passaram a ter atividades econĂ´micas mais sustentĂ¡veis”, conta Lucas Perillo. A gestĂ£o dos parques nacionais, como o da Chapada Diamantina, Ă© de responsabilidade do Instituto Chico Mendes de ConservaĂ§Ă£o da Biodiversidade (ICMBio), vinculado ao MinistĂ©rio do Meio Ambiente (MMA). Procurada pela reportagem, a pasta informou que nĂ£o vai se posicionar sobre projetos em tramitaĂ§Ă£o no Congresso.
ExpansĂ£o de Ă¡reas de proteĂ§Ă£o pode ficar comprometida
Lucas Perillo avalia que a aprovaĂ§Ă£o do PL 3.751/2015 comprometeria a expansĂ£o das Ă¡reas de proteĂ§Ă£o, pois cinco anos Ă© um tempo reduzido para a resoluĂ§Ă£o de conflitos fundiĂ¡rios. Ele lembra que hĂ¡ casos complexos que envolvem, alĂ©m de grupos que nĂ£o querem sair de suas terras, invasores que entraram na unidade de conservaĂ§Ă£o apĂ³s a criaĂ§Ă£o. “Esse processo Ă© demorado porque exige uma sĂ©rie de estudos e a liberaĂ§Ă£o de recursos, dos estados ou da UniĂ£o. E a lentidĂ£o do Poder PĂºblico nĂ£o pode ser justificativa para impedir a proteĂ§Ă£o de algumas Ă¡reas que sĂ£o prioritĂ¡rias para a conservaĂ§Ă£o”, diz no texto.
A AgĂªncia Brasil nĂ£o conseguiu contato com o deputado Toninho Pereira (PP-MG), autor do PL 3.751/2015. Na justificativa do projeto, ele argumenta que a criaĂ§Ă£o de unidade de conservaĂ§Ă£o sem a imediata indenizaĂ§Ă£o de proprietĂ¡rios Ă© ilegal, injusta e gera grave problema social. “Milhares de proprietĂ¡rios rurais sĂ£o impedidos de continuar desenvolvendo as atividades econĂ´micas a que tĂªm direito e das quais dependem para sua sobrevivĂªncia. O Brasil convive com essa situaĂ§Ă£o hĂ¡ dĂ©cadas, sem que nada tenha sido feito efetivamente para resolver o problema. Ao contrĂ¡rio, o problema vem se agravando nos Ăºltimos anos, em funĂ§Ă£o do crescimento do nĂºmero e da extensĂ£o das unidades de conservaĂ§Ă£o criadas pelos governos federal e estaduais”, escreve Toninho Pereira.
Conforme a posiĂ§Ă£o do MPF, as unidades de conservaĂ§Ă£o sĂ£o fundamentais para o combate ao desmatamento e, consequentemente, para a reduĂ§Ă£o das emissões de gases geradores do aquecimento global. “Basta constatar que, enquanto mais de 21% da cobertura original de floresta na AmazĂ´nia jĂ¡ foi desmatada, a extensĂ£o florestal desmatada dentro de Unidades de ConservaĂ§Ă£o Ă© de apenas 0,05%.” A nota tĂ©cnica acrescenta que os proprietĂ¡rios insatisfeitos com a omissĂ£o estatal na regularizaĂ§Ă£o fundiĂ¡ria podem recorrer ao JudiciĂ¡rio para obrigar o pagamento das indenizações.
Fonte: ABr – Foto: DivulgaĂ§Ă£o/ICMBio