Iram Alfaia, de Brasília
O extrativista da Floresta Nacional de Tefé, Dione Torquato, 33 anos, foi eleito secretário-geral do Conselho Nacional das Populações Extrativistas e Comunidades Tradicionais da Amazônia, entidade criada em 1985 pelo líder seringueiro Chico Mendes, assassinado três anos depois por fazendeiros em Xapuri (AC).
O congresso da entidade foi até esta quinta-feira, dia 7, em Brasília. O evento reuniu 250 líderes extrativistas de todo o país, sendo a maior parte da Amazônia.
O Amazonas levou para o encontro uma delegação com 50 extrativistas de municípios de todas as calhas de rio, um terço dos participantes.
Dione está na diretoria-executiva da entidade desde 2012, e antes ocupava a secretaria de articulação e juventude.
Segundo ele, a desestruturação da política ambiental no país e a paralisação de programas sociais e ambientais de apoio à floresta na região são os maiores retrocessos promovidos pelo governo do presidente da República, Jair Bolsonaro (PSL), na Amazônia.
Ele culpa o governo pelos danos ambientais como desmatamentos, queimadas e garimpo ilegal na região.
“Nós tivemos avanços históricos nos direitos da população tradicional, sobretudo na pauta socioambiental. Agora, o governo deixa claro que a Amazônia é um impedimento para o desenvolvimento e promove o desmonte das políticas públicas”, disse o líder ao BNC Amazonas quando se preparava para participar do “Porangaço”.
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Ato em Brasília
O ato foi realizado na noite desta quarta-feira, dia 6, quando os extrativistas caminharam da catedral de Brasília, na Esplanada dos Ministérios, portando em suas cabeças porangas (lamparinas), usadas por seringueiros para percorrer e proteger a floresta, até a praça dos Três Poderes, onde, no Panteão da Pátria, depositaram uma coroa de flores em homenagem a Chico Mendes.
“Nós estamos aqui para afirmar que a Amazônia é uma região geopolítica importante para o país e pode ser autossustentável num modelo que respeite as questões ambientais, sociais e econômicas num sistema que dê visibilidade para os que nela habitam”, disse.
Para evitar os retrocessos, o líder amazonense diz que o congresso aponta como fundamental a unidade entre os extrativistas, indígenas e agricultores familiares.
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Preocupações no Amazonas
Em relação ao Amazonas, ele vê com preocupação o garimpo ilegal, grilagem de terra em áreas de conservação e o desmatamento na região sul do estado.
A região mais problemática é a que chama de tríplice fronteira (Amazonas, Acre e Rondônia) na ponta do Abunã até o ramal do Bois.
“Temos problemas sérios na Resex da Flora de Humaitá, a do Rio Ituxi e a Flona do Iquiri”, afirmou.
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Líder histórico
Eleito presidente do consleho, Júlio Barbosa Aquino, de 65 anos, que na condição de vice-presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Xapuri, assumiu a presidência da entidade após fazendeiros assassinarem Chico Mendes, lembrou do amigo e dos seus ensinamentos.
“Ele era uma figura extremamente inspiradora, tinha uma capacidade incrível de fazer as pessoas se envolverem no movimento. Eu sou muito grato por isso. Quase 31 anos depois de sua morte tenho absoluta certeza que um bando de jovem que milita nessa causa é em razão da mensagem que ele pregou na época”, disse.
Barbosa foi primeiro presidente da entidade, lugar que também seria ocupado por Chico Mendes.
Atualmente, por causa da luta puxada pela entidade, 10% da região amazônica, cerca de 60 milhões de hectares, são de reservas extrativistas que usam de modo sustentável os recursos naturais.
Porém, Barbosa disse que os desafios atuais são tão grandes quanto os daquela época.
“Nós temos centenas de territórios criados, seja reserva extrativista, seja reserva de desenvolvimento sustentável, projetos de assentamentos agroextrativistas ou terra quilombola, mas todos, sem exceção, incluindo desde a reserva Chico Mendes, todos ainda têm problemas de regularização fundiária”, disse.
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Governo Bolsonaro
O líder extrativista afirmou que o enfrentamento ao governo Bolsonaro é o grande desafio do movimento.
Segundo ele, o governo tem uma visão equivocada na área por achar que as políticas ambientais são empecilhos para o agronegócio.
“O Brasil é um país continental. Nós não podemos olhar apenas para o agronegócio. A Amazônia é muito importante e tem uma população que trabalha valorizando a floresta, os produtos da sociobiodiversidade. Acho que com esse governo nossos desafios são maiores porque não podemos deixar que nosso legado construído com muito sacrifício seja destruído por um governo que não tem noção do que está dizendo sobre os povos da Amazônia”.
Foto: BNC Amazonas