Indígenas choram morte do cacique Messias Kokama, do Parque das Tribos

Messias Kokama é mais uma das vítimas do coronavírus que avança com força sobre os moradores da comunidade desassistida de Manaus

Mídia nacional destaca velório do cacique dos kokamas em Manaus

Aguinaldo Rodrigues, da Redação

Publicado em: 14/05/2020 às 11:52 | Atualizado em: 14/05/2020 às 12:26

Os indígenas da comunidade Parque das Tribos, no Tarumã, zona oeste de Manaus, onde habitam cerca de 3 mil pessoas de pelo menos 37 etnias, choram hoje a morte do líder e cacique Messias Martins Kokama.

Conforme informações divulgadas por entidade ligada a Messias, ele foi vítima do coronavírus (covid-19). Os kokamas seriam dos habitantes mais atingidos pela doença.

Messias era figura respeitada e querida no meio indígena pela liderança que levou à conquista da área ocupada pelo Parque das Tribos, hoje já consolidada. Desde 2018 a Prefeitura de Manaus realiza obras estruturais e de serviços de água e luz no local.

Hoje essa comunidade indígena é a maior de Manaus e uma das maiores do Brasil, de acordo com o legado deixado pelo cacique kokama.

 

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Transmissão comunitária

É de apreensão o clima no Parque das Tribos com o avanço do coronavírus. Segundo moradores, não há campanha nem assistência direcionadas especificamente para a comunidade, e eles mesmo, ao seu modo, procuram se prevenir do vírus.

Por exemplo, a enfermeira Vanda Ortega, da etnia witoto, grava vídeos de orientação e distribui por grupos em redes sociais.

Conforme disse ao site Amazônia Real, o cacique Messias era um dos seus maiores apoiadores nessa campanha particular dos indígenas porque é cultural a aglomeração, o estar juntos.

Até máscaras Vanda produz, em parceria com moradoras, para distribuir na comunidade.

Outra preocupação no Parque das Tribos é com a sobrevivência das famílias que perderam seus chefes de casa, como é o caso de Messias Kokama.

 

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Identidade na vala comum

Acusam ainda que as vítimas fatais do coronavírus não estão tendo o reconhecimento legal de suas origens étnicas.

De acordo com a jornalista Elaíze Farias, em seu site Amazônia Real, indígenas mortos pelo coronavírus não são registrados à parte nos boletins oficiais do Amazonas.

São quase 3 mil moradores que, portanto, estão excluídos como indígenas que são dos boletins epidemiológicos.

Para Elaíze, isso apaga a identidade indígena e causa revolta entre as etnias.

Por exemplo, dois casos de mortes de indígenas, no Amazonas e no Pará, foram ignorados nas informações oficiais.

Em abril, do município de Itacoatiara, morreu o mura Ozaniel Almeida, e em Alter do Chão, em Santarém (PA), uma indígena borari, a primeira mulher das etnias no Brasil a morrer de coronavírus. Ambos os casos não foram notificados pela Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), segundo lideranças.

Recentemente, no final de abril, um professor tikuna morreu de coronavírus em Manaus. Seu corpo foi sepultado nas valas comuns e coletivas. Leia como foi.

Além disso, há problema com o atendimento na rede de saúde. Mesmo sendo considerados de alta vulnerabilidade sociocultural, os indígenas disputam o atendimento precário com o restante da população.

Uma indígena de 15 anos dos kokamas do alto rio Solimões, no Amazonas, foi o primeiro caso registrado entre as etnias no Brasil. Foi em 25 de março.

De lá, até hoje, o povo kokama é o mais atingido pelo coronavírus no Amazonas e no país.

 

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As mortes em ascensão

De acordo com a Sesai, até este dia 12 havia o registro de 77 indígenas mortos pelo coronavírus nas 34 etnias que reconhece no país. Desses, 43 foram de habitantes do Amazonas, de nove povos.

Além disso, eram 308 os casos confirmados de contaminados pela doença.

Contudo, como os dados são precários e pouco divulgados, há de se considerar ainda a subnotificação. No Parque das Tribos, por exemplo, existem vários relatos de infectados que não conseguiram atendimento na rede de saúde e resolveram se tratar com a medicina natural dos indígenas.

Pelos dados oficiais do governo, 81 mil indígenas de 230 territórios estão ameaçados pelo coronavírus.

Conforme a Associação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), as mortes crescem em ritmo assustador. A média é de quatro por dia. “Em pouco mais de uma semana, identificamos mais 49 óbitos de parentes”.

Como resultado de ser a etnia mais atingida, os kokamas detêm o maior número de mortos no Amazonas. De 3 a 7 deste mês, esse índice passou de 9 para 22.

De conformidade com a Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab), seis municípios no Amazonas têm mortes de kokamas.

São eles, além da capital, Tabatinga, Benjamin Constant, Santo Antônio do Içá, Itacoatiara e Autazes.

Os números são divulgados pelo site do El País.

 

Foto: Reprodução/Facebook