O Brasil vive, hoje, o triunfo do mal e da mentira. Tal qual a parábola judaica da Verdade e da Mentira, o bem que está manifesto é, na verdade, o mal. De igual forma, a verdade que está posta é a mentira disfarçada.
Apenas para relembrar e, ao mesmo tempo, apresentar àqueles(as) que, porventura, não conheçam a parábola judaica, reproduzo, aqui, o texto citado por Jessé Souza, no livro A classe média no espelho, publicado em2018. Trata-se da seguinte situação:
“Um dia Verdade e Mentira se encontraram. A Mentira diz à Verdade: ‘hoje está um dia maravilhoso!’ A Verdade olha para o céu, desconfiada, suspira, pois o dia estava realmente lindo. Elas passam algum tempo juntas, chegando finalmente a um poço. A Mentira diz à Verdade: ‘a água está muito boa, vamos tomar um banho juntas!’ A Verdade, mais uma vez desconfiada, testa a água e descobre que realmente está muito gostosa. Elas se despem e começam a tomar banho. De repente, a Mentira sai da água, veste as roupas da Verdade e foge. A Verdade, furiosa, sai do poço e corre para encontrar a Mentira e pegar suas roupas de volta. O mundo, vendo a Verdade nua, desvia o olhar, com desprezo e raiva. A pobre Verdade volta ao poço e desaparece para sempre, escondendo nele sua vergonha. Desde então, a Mentira viaja ao redor do mundo vestida como a Verdade, satisfazendo as necessidades da sociedade. Porque o mundo não nutre o menor desejo de encontrar a Verdade nua”.
Parte da sociedade brasileira que ainda insiste em dar apoio ao governo de Jair Bolsonaro, mesmo diante de tudo que assistiu nestes quase quatro anos de governo, está vivendo exatamente dessa maneira, caro(a) leitor(a). A verdade para eles(as) é o que menos interessa, pois não só vestiram a roupa da mentira, mas gostaram dela e se acostumaram com ela.
Assim como está registrado no livro 1984 , de George Orwell, e como já foi tratado em um dos meus textos nesta coluna, há uma colossal inversão de valores no bolsonarismo, na qual mentira é verdade, paz é guerra, liberdade é escravidão, crime é virtude, traidores da pátria são patriotas e assim por diante.
Como se fosse soberana, a mentira está sempre presente no governo Bolsonaro. No lançamento de sua campanha à reeleição, na semana passada, ao discursar, o presidente disse que a disputa eleitoral deste ano não era apenas uma disputa entre a direita e a esquerda, mas, sim, uma disputa entre o bem e o mal, dando a entender que ele era a representação do bem.
Ao menos duas mentiras foram contadas neste episódio. A primeira, refere-se ao fato de que ele não representa o bem, pelo contrário, ele representa o mal. Já a segunda, reside no fato de que não se trata de uma disputa entre direita e esquerda, visto que o que ele representa não é a direita moderada, mas, sim, nazifascista – algo muito diferente do viés ideológico de direita não extremista.
Assim, o que vemos é a Mentira, vestida com as roupas da Verdade, fazendo parte da comitiva presidencial e viajando junto a ela para todos os cantos do Brasil e do mundo.
É notório, ainda, que tanto o presidente quanto os outros membros do governo mentem cotidianamente. Logo, a Mentira, como boa conselheira presidencial e de governo, fez um bom trabalho, naturalizando o errado e camuflando o que é certo com o seu oposto.
Durante quatro anos, o mal, disfarçando-se de bem, e a mentira, disfarçando-se de verdade, triunfaram no Brasil, mas é chegada a hora de pôr um fim a esse reinado. Afinal, em toda a literatura ocidental, no cinema, no teatro, no ethos do povo, o mal nunca vence o bem e não será dessa vez que isso acontecerá.
Penso que o período de triunfo da mentira está se encerrando. A floração de um novo tempo se aproxima, trazendo com ele o retorno da democracia, da liberdade e da solidariedade.
É o que almejamos e pelo que lutamos.
Reprodução: TV Gazeta
*Sociólogo