As mulheres estão fora dos cargos de direção e gerência no sistema de patriarcado implantado pelas empresas asiáticas do polo industrial da Zona Franca de Manaus (ZFM).
A denúncia é do presidente do Sindicato dos Trabalhadores das Indústrias Metalúrgicas, Mecânicas e de Material Elétrico de Manaus, Valdemir Santana.
A postura dessas companhias está na contramão da política de direitos iguais das mulheres entre homens, que há décadas se aprimora na sociedade brasileira.
O sindicalista chama a atenção para a falta de legislação que trate essa situação com mais clareza.
As empresas citadas por Santana são:
Cal-Comp Brasil (Taiwan/China)
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Mulheres fora
Segundo levantamento de dados do sindicato, essas e outras empresas asiáticas não colocam mulheres em cargos de comando, seja no setor de recursos humanos (RH) ou de engenharia, “ou seja o que for”.
“Elas [empresas] não contratam mulheres [para cargos de comando], infelizmente. Não há legislação federal, estadual ou municipal que recomende ou determine isso de forma clara. As empresas têm liberdade para agir como bem entendem nesse quesito”, disse Santana.
Cultura patriarcal
O caso das asiáticas é emblemático porque, em tese, está ligado à cultura patriarcal de seus países, entre outros fatores.
Porém, ao mesmo tempo, não é raro a discriminação de gênero em companhias com origem em outras regiões do mundo.
“No geral, apenas 5% das 720 empresas do polo industrial de Manaus têm mulheres em postos de comando”, de acordo com Santana.
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Sem filhos
Outro absurdo que está acontecendo, conforme o sindicalista, é que em algumas empresas são contratadas apenas mulheres e homens que não têm filhos. Isso, acrescenta, para não pagar creche, direito conquistado em acordo coletivo de trabalho.
“Isso é discriminação lá dentro da fábrica. A seleção (RH) não contrata mulheres acima de trinta anos nem homens acima dos trinta e cinco anos. Essa discriminação é dentro da fábrica. Por isso, encontramos muitas pessoas desempregadas acima dos 30 anos de idade”.
Valdemir Santana , sindicalista
Para Santana, o problema só pode ser resolvido com apoio do poder público, por meio de políticas de igualdade de gênero.
Os governos federal, estadual e municipal, na opinião de Santana, têm poder político e policial para fazer as empresas cumprirem as leis trabalhistas negadas por empregadores, venham elas de onde vierem.
“Por enquanto, o sindicato está sozinho nessa luta”, disse. E acrescenta: “Essas empresas não podem vir aqui faturar, só faturar, e não respeitar as nossas leis”.
Santana explica que, no momento, o sindicato não tem poder de fiscalizar, nem de polícia. Por isso, exerce o seu dever de criticar e denunciar.
“Estamos brigando para conquistar o direito de acompanhar a fiscalização dos agentes do Ministério do Trabalho”.
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Denúncia grave
A socióloga Marilene Corrêa de Freitas entende que a denúncia do sindicato é grave, principalmente porque o marco regulatório [jurídica] de gênero na estrutura administrativa das empresas é restrito e não é explícito.
E prossegue: “Não é a lei de cotas dentro da empresa e, pelo que a gente está percebendo, há muita controvérsia entre sindicalistas em relação a essa condição da mulher dentro das empresas do distrito industrial”.
Marilene é professora e pesquisadora da Universidade Federal do Amazonas (Ufam), e ocupa uma das diretorias da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC).
Para ela, as práticas [de descriminação da mulher] nas empresas orientais são bastante significativas. Contudo, assegura, citando resultados de pesquisas que orienta, que as mulheres cresceram em suas conquistas de direitos sociais dentro da indústria da ZFM.
“[…] o perfil das mulheres que hoje estão dentro do distrito é diferente daquele dos anos de 1980: não é do movimento de greve, da batalha pelo respeito como trabalhadores; não é da problemática de assédio, da falta de respeito à instituição da lei trabalhista, como a proteção à maternidade, da falta de respeito em relação às férias e às atividades de risco etc.”.
A denúncia de sindicato fala, na sua avaliação, de mulheres cultas, intelectualizadas, poliglotas, de mulheres que estão, inclusive, em várias instâncias da administração das empresas.
“No perfil que vem da denúncia, as mulheres não galgam essas posições administrativas na empresa oriental. Esse debate também, pode continuar: É problema cultural? É problema da concepção da empresa? É problema de um patriarcalismo, como é visto, também, nos anos 1980 e 1990?”.
Marilene Corrêa , pesquisadora
Em razão da gravidade, Marilene sugere que denúncia deve ser veiculada de modo mais explícito […], em outros ambientes que não só os do trabalho e dos tribunais, mas nas igrejas, nas universidades, nas escolas, nos centros de treinamento profissional etc.
“Isso, de alguma forma, facilitaria o debate, pela própria mulher, dessa condição em que ela se encontra [no mercado de trabalho]”.
Debate com a sociedade
A presidente da Comissão de Assistência Social e Trabalho da Assembleia Legislativa do Amazonas (ALE-AM), Mayra Dias, avalia como positiva a denúncia do sindicato dos trabalhadores metalúrgicos, porque é importante se preocupar com essa questão.
“Não só com as empresas internacionais, mas com as empresas brasileiras também […] É uma discussão que precisa ser feita. Hoje as mulheres são mais de 50% da população brasileira”.
Conforme Mayra, a legislação sobre o tema precisa ser melhorada e indica que é necessário, também, “dialogar com a sociedade e mostrar que as mulheres estão, sim, preparadas para ocupar esses postos [de comando], e que precisam ter essa oportunidade”.
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O que diz a lei
A verificação da igualdade salarial entre homens e mulheres – ou mecanismo de fiscalização contra a desigualdade no ambiente do trabalho – está na lei 14.611, de 3 de julho de 2023, conhecida como Lei de Igualdade Salarial.
Essa lei determina, entre outras medidas, que empresas com 100 ou mais empregados devem enviar informações ao Ministério do Trabalho e Emprego, por meio de relatórios, com dados anônimos, que permitam a comparação entre salários, remunerações e proporção de cargos de direção, gerência e chefia ocupada por homens e mulheres.
As empresas que perdem o prazo do envio do relatório, por sua vez, podem sofrer sanções, com multa de até R$ 4 mil.
“Os empreendedores que desrespeitarem as regras da lei devem apresentar planos de ação para mitigar o problema”, recomenda o ministério do setor.
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Empresas
O presidente do Centro das Indústrias do Amazonas (Cieam), Lúcio Flávio Oliveira, contradisse a denúncia do sindicato:
“Antecipo que não temos conhecimento sobre o tema de sua pauta. Em várias indústrias associadas ao Cieam mulheres ocupam cargos de destaque, inclusive de direção. No Cieam, o Conselho Superior é formado por 40% de mulheres”.
Lúcio Flávio Oliveira , do Cieam
As fábricas citadas por Santana são filiadas ao Cieam.
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Dados relevantes
A indústria japonesa é majoritária no parque industrial da ZFM: são 37 e representam cerca de 30% dos investimentos totais no polo.
O governo brasileiro oferece benefícios fiscais às indústrias de bens finais no Amazonas desde 1967, com a criação da ZFM, e recebe como contrapartida, principalmente, a oferta de empregos.
Entre os principais produtos fabricados em Manaus estão, por exemplo, eletrodomésticos, veículos, televisores, celulares, motocicletas, aparelhos de som e de vídeo, aparelhos de ar-condicionado, relógios, bicicletas e motocicletas, microcomputadores e aparelhos transmissores/receptores.
Foto: Abraciclo/divulgação