A Polícia Federal (PF) investiga um esquema de compra de medidas provisórias no Congresso Nacional capitaneado pela Amil entre 2011 e 2013 que teria provocado uma redução da dívida tributária dos planos de saúde na ordem de R$ 36,5 bilhões, segundo cálculos do antigo Ministério da Fazenda.
Por meio do suposto pagamento de propina a parlamentares, a Amil teria obtido a aprovação de emendas que diminuíram de forma bilionária os valores de tributos pagos à União pelo setor de planos de saúde – à época, as empresas questionavam junto ao governo federal a incidência do Confins sobre o atendimento aos seus segurados.
O inquérito sigiloso, ao qual O Globo teve acesso, foi aberto em meados do ano passado e está sob relatoria da ministra Rosa Weber.
As evidências surgiram a partir da apreensão dos e-mails do advogado Vladimir Spíndola, alvo de uma das fases da Operação Zelotes.
Entre 2011 e 2013, Spíndola manteve diálogos com diretores da empresa a respeito da alteração de medidas provisórias em tramitação no Congresso.
Nessas conversas, o advogado e os representantes da Amil fazem referências diretas a parlamentares que participam das tratativas, dentre eles o então deputado Eduardo Cunha (MDB-RJ).
Ao final, após conseguir aprovação da medida pleiteada pela Amil, o lobista recebeu pagamento de R$ 6,3 milhões do fundador e então presidente da empresa, Edson de Godoy Bueno — morto em 2017.
US$ 100 milhões em paraíso fiscal
No período de discussão das medidas provisórias, a Amil fez um contrato de câmbio para remeter US$ 100 milhões (à época equivalentes a R$ 230 milhões) a uma conta nas Ilhas Virgens Britânicas e enviou ao lobista Vladimir Spíndola o comprovante da remessa.
Também fez pagamentos de R$ 20 milhões à empresa do ex-ministro petista Antonio Palocci e R$ 700 mil a um escritório de fachada, do advogado Flávio Calazans.
O inquérito traz comprovantes dos repasses.
Calazans admitiu em delação premiada, homologada pelo então juiz Sergio Moro, não ter prestado serviços à Amil e ter lavado dinheiro para lobistas do PMDB do Senado.
A PF suspeita que, além do pagamento a Spíndola, eles seriam usados para pagar propina aos parlamentares envolvidos na negociação. Por isso, os investigadores buscam o caminho do dinheiro até o destinatário final.
A mudança obtida pela Amil em uma medida provisória significou, nos cálculos do antigo Ministério da Fazenda, “uma redução das receitas da Seguridade Social (que engloba Previdência Social, Saúde e Assistência Social) e do fundo PIS (que abona os trabalhadores de baixa renda) na ordem de R$ 36,5 bilhões (até 2017), caindo 89%, de R$ 41,1 bilhões para R$ 4,6 bilhões”.
Esse cálculo, anexado ao inquérito, abrange o benefício obtido por todo o setor dos planos de saúde. Apenas a Amil, de acordo com a investigação, teria tido redução de R$ 4,9 bilhões no pagamento de tributos.
Pedido a Jucá
Também a pedido da Amil, Spíndola solicitou ao gabinete do então senador Romero Jucá (MDB-RR) a apresentação de uma emenda a uma medida provisória (644/2014) que era de interesse direto de Edson e Dulce Bueno.
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Essa emenda dizia que mudanças na participação societária de uma empresa não significaria ganho de capital, o que permitiria que as pessoas físicas dos fundadores da Amil não pagassem tributos na futura aquisição da empresa pelo grupo estrangeiro United Health.
Spíndola enviou a uma assessora de Jucá um e-mail com o texto da emenda. “Segue agora a versão final da emenda”, escreveu, em maio de 2014.
No mesmo dia ela responde: “Já protocolei a emenda nº 33”.
Essa medida provisória perdeu a validade e, em uma nova MP, Spíndola obtém o mesmo benefício com o gabinete de Jucá. Desta vez, entretanto, a Presidência vetou a sanção do trecho da medida provisória.
A PF investiga se os R$ 700 mil pagos ao escritório de Calazans por empresas ligadas à Amil seriam propina a Romero Jucá pela atuação nessas medidas provisórias.
Outros lados
Procurada, a Amil negou o envolvimento com irregularidades, mas disse que não poderia comentar o teor da investigação.
“A Amil esclarece que os procedimentos em andamento no Supremo Tribunal Federal são confidenciais e, portanto, não pode comentar. A empresa não tem conhecimento de nenhuma evidência sugerindo que qualquer uma de suas atividades seja inconsistente com as leis ou regulamentos brasileiros”, afirmou em nota.
A assessoria da Abramge afirmou que não iria comentar, por não ter conhecimento da investigação. A reportagem enviou questionamentos a Vladimir Spíndola, mas ele não respondeu ao contato.
Em nota, Vladimir Spíndola afirmou estar à disposição das autoridades para esclarecer os serviços prestados à Amil e negou a existência de irregularidades nesses serviços. “Sempre me coloquei à disposição para esclarecer quaisquer suspeitas que possam eventualmente existir. Mas jamais fui convidado por qualquer autoridade a depor sobre os diversos serviços jurídicos prestados à AMIL pelo escritório de advocacia do qual eu era sócio fundador. Apesar de se tratar de um inquérito que corre sob sigilo, ao qual sequer tive acesso, nego de forma veemente qualquer tentativa de criminalização da minha atividade como advogado”, afirmou.
A defesa de Eduardo Cunha afirmou que “refuta veementemente os fatos em questão, absolutamente estranhos e desconhecidos de Eduardo Cunha, que sequer conhece a pessoa de Vladimir Spíndola.
A atuação do ex-deputado foi, exclusivamente, o cumprimento de sua função parlamentar, à época como líder do PMDB, participando nessa qualidade das matérias submetidas à Câmara dos Deputados”. A defesa de João Carlos Bacelar não respondeu aos contatos.
Os advogados de Jucá, Antônio Carlos de Almeida Castro (Kakay) e Marcelo Turbay, afirmaram que “esse caso se trata apenas de mais uma tentativa indevida de criminalizar a atividade política. O STF tem se postado alerta e rechaçado acusações dessa natureza, que representam um desserviço ao país ao atacarem o exercício da função parlamentar e o bom caminhar da democracia”.
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Foto: Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil