Os bois encerram o festival apostando em seus pontos fortes

O boi Caprichoso iniciou sua última apresentação sob forte chuva no bumbódromo.

Ednilson Maciel

Publicado em: 03/07/2023 às 12:44 | Atualizado em: 03/07/2023 às 20:35

Na terceira noite do festival, Garantido apresentou o tema “Amor por toda vida”. O boi usou e abusou de toda a sua iconografia, entre vermelho, bandeiras e corações que predominaram do início ao fim.

Abriu a noite com toadas antológicas, executadas diante da alegoria que representava a sua comunidade: a baixa do São José e seus personagens.

O próprio fundador versou na baixa para o boi por meio de uma das poucas gravações que existem de sua voz.

Ainda cantaram Paulinho Faria e Emerson Maia, mortos na pandemia. Assim, o boi Garantido surgiu na arena em meio a sua comunidade.

Em uma noite tradicional, a Batucada, conhecida por ser conservadora em sua cadência, fez uma batida de rap inédita em uma toada de ritual.

No seu corpo de baile, mais uma noite o cadeirante dançarino roubou a cena. Em momento de exaltação da fé, bandeiras do Brasil em vermelho e branco circundaram a alegoria que trouxe Nossa Senhora do Carmo, a padroeira de Parintins.

Sobre a galera passaram dois terços feitos de balões. A imagem fala sobre a fé na padroeira de Parintins e em um mundo melhor.

Na oração feita pelo apresentador, foram feitos pedidos de justiça social. A alegoria trouxe a rainha do folclore, que representou a romeira da baixa.

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E foi só a primeira noite

Corpos masculinos

Um destaque relevante do Garantido foi a exibição dos belos corpos masculinos, na participação dos tuxauas. Saíram dos pesados capacetes do item para dançar. Tal como as itens femininas, eles expressaram força e beleza, clamando por nenhuma gota de sangue a mais e nenhum direito a menos.

O pajé surgiu na celebração indígena “Terra livre”, nome do acampamento realizado todo mês de abril em Brasília, na semana de luta dos povos indígenas.

A tuxaua mulher entre eles representou Abyayala, em referência ao movimento de mulheres indígenas da América Latina de colonização espanhola.

O ritual indígena apresentado foi o Mapinguari, uma reprise do ritual memorável de 1997, onde a cunhã-poranga luta contra o ser mitológico.

Outra reprise foi a apresentação das indígenas Tupinambás. Na década de 1980, elas foram as primeiras a ter componentes exclusivamente mulheres. Edilene Tavares, a rainha do folclore, apareceu como a sacerdotisa das Tupinambás.

O ritual indígena Ashaninka representou a luta entre esse povo e os Kariwa. Esse termo significa “homem branco” em algumas línguas indígenas. O ritual Kamapari representou a ganância do homem branco como gafanhotos, praga que devora rapidamente as plantações.

O pajé dançou apenas com um costal, exibindo livre o corpo masculino. O corpo masculino exibido pelo pajé é uma inovação. Foi possível ver inteiramente a excelência da dança de Adriano Paketá.

Observa-se que os belos homens dos bois estão sempre com seus corpos cobertos. Pela primeira vez, foi exibida a beleza dos corpos masculinos, de tuxauas e pajé, em destaque nas apresentações.

Na despedida, a Batucada tocou alguns minutos de frente para a sua galera. A simbiose entre esses dois itens coletivos foi novamente destacada.

Garantido, em sua última noite, brincou de boi na arena, nessa apresentação sem problemas técnicos visíveis ou comprometedores na arena.

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Segunda noite de apresentação, uma ode às ‘ades’

Caprichoso e a liga com a chuva

O boi Caprichoso iniciou sua última apresentação sob forte chuva no bumbódromo.

Com o tema “Revolução: a consagração pelo saber popular”, o boi azul exaltou os elementos folclóricos da cultura popular amazônica.

O boi foi grandioso do começo ao fim.

Trouxe em sua primeira alegoria, a mítica praia do Lençol, onde se encantou Dom Sebastião, para a arena do bumbódromo.

O boi Caprichoso surgiu nas alturas na estrela dourada que simbolizava a liberdade de Dom Sebastião, ingerado em touro em maldição.

A porta-estandarte surge representando a revolução pela cultura popular e a sinhazinha da fazenda, na alegoria, representou a corte de Dom Sebastião.

Ao pisar na arena, ela transformou seu figurino para performar a sinhazinha azul do boi Caprichoso. A alegoria trouxe elementos que conectam Parintins à Amazônia maranhense.

O item de representação indígena fez o desenho da bandeira do Brasil demarcando o território da luta dos povos indígenas, mais uma vez.

A defesa do item “toada, letra e música” se iniciou com solos de instrumentos que representam as confluências musicais da toada parintinense.

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A festa dos que não foram

Contando causos e histórias

Edmundo Oran lançou mão de seu talento como cantor para apresentar o item “figura típica regional”.
Com presença da característica teatralidade do boi azul, a lenda da Matinta Pereira serviu como pano de fundo para exaltar a figura do contador de histórias da Amazônia.

A alegoria visagenta estava repleta de contos, causos e engerações de nosso imaginário.
Nesse cenário, surgiu a rainha do folclore.

Em outra representação indígena, surgiu Pavum Maraúna, conduzindo a poética dos causos amazônicos para a poética dos mitos indígenas.

Assim, a cunhã-poranga surgiu para liderar a dança dos povos indígenas com tambor e maracás, instrumentos que desenham musicalmente o caminho para o mundo espiritual.

Os tuxauas, como líderes políticos, se apresentaram guiados pelo pajé, o líder espiritual.

A alegoria do ritual indígena “Mai maracá, a música dos deuses” é expressão da excelência das alegorias do boi Caprichoso.

O pajé foi projetado para os jurados em uma impactante cobra formada por gaviões em perspectiva.
Sua fantasia de gavião se conectava com a cobra visagenta, dois animais em que comumente se engeram os pajés para lutar no mundo espiritual.

A celebração folclórica de encerramento convidou Paula Gomes, cantora negra que executou a toada “Amor é amor”, em defesa da pauta LGBTQIA+.

Garantido e Caprichoso, em sua última jogada na disputa pelo título, apostaram em suas melhores jogadas.

O boi vermelho trouxe toda a iconografia que representa a sua tradição, enquanto o boi preto realizou um grandioso espetáculo.

Dassuem Nogueira, especial para o BNC Amazonas

Fotos: Alex Pazzuelo e Lucas Silva/Secom