Guerra dos narcos repete no Equador massacre de presos no Amazonas

. A onda de violรชncia levou o presidente Guillermo Lasso a decretar estado de emergรชncia, na segunda-feira

Diamantino Junior

Publicado em: 21/10/2021 ร s 12:09 | Atualizado em: 21/10/2021 ร s 20:09

Espremido entre os dois maiores produtores de cocaรญna do mundo โ€“ Colรดmbia e Peru โ€“, era uma questรฃo de tempo atรฉ o narcotrรกfico comeรงar a fazer estrago no Equador. Desde os anos 70, o Porto de Guayaquil รฉ ponto de saรญda de drogas, mas agora as autoridades tรชm de lidar com a infiltraรงรฃo dos dois maiores cartรฉis mexicanos, que adotaram gangues locais para reproduzir no paรญs a guerra que travam no Mรฉxico

De um lado da guerra estรก Los Choneros, maior e mais violenta facรงรฃo do Equador, sรณcia do cartel de Sinaloa. Seus soldados conseguem transportar cocaรญna desde a fronteira da Colรดmbia atรฉ o Porto de Guayaquil em 6 horas. Do outro, o rival Los Lagartos, que reรบne pequenas gangues vinculada ao cartel Jalisco Nueva Generaciรณn.

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As gangues replicam a rivalidade dos patrรตes mexicanos, lutando por territรณrio e pelo controle do trรกfico, principalmente dentro das cadeias. A onda de violรชncia levou o presidente Guillermo Lasso a decretar estado de emergรชncia, na segunda-feira. โ€œVivemos um problema estrutural, que sempre esteve presente. Hรก uma dรฉcada vemos uma sofisticaรงรฃo criminosa crescente. Os mexicanos tรชm territรณrios inteiros a sua disposiรงรฃoโ€, explica o analista Santiago Basabe. 

No dia 28 de setembro, um confronto entre Choneros e Lagartos em uma prisรฃo de Guayaquil terminou com 118 detentos mortos. As imagens que chocaram o paรญs mostravam corpos desmembrados, queimados, decapitados e empilhados. Foi o pior massacre em uma penitenciรกria da histรณria do Equador โ€“ neste ano, mais de 300 presos morreram em rebeliรตes carcerรกrias.

O sistema carcerรกrio do Equador estรก ร  beira do colapso. A penitenciรกria de Guayaquil, local da rebeliรฃo de setembro, tem capacidade para 5 mil pessoas, mas se apertam 9 mil detentos.

A ocupaรงรฃo das cadeias chega a 140%, segundo dados oficiais โ€“ o que ainda รฉ pouco quando comparado com outros paรญses da regiรฃo, como El Salvador (330%) e Brasil (320%). Mas o problema extrapola as celas.

Do lado de fora dos presรญdios, a disputa envolve a rota da cocaรญna que sai da Colรดmbia para EUA e Europa. Segundo o InSight Crime, que monitora o crime na Amรฉrica Latina, mais de um terรงo da cocaรญna colombiana passa pelo Equador atรฉ chegar aos mercados europeu e americano. 

O coronel Mario Pazmiรฑo, ex-diretor de inteligรชncia do Exรฉrcito equatoriano, diz que os cartรฉis mexicanos se beneficiam do sistema de seguranรงa ruim, da corrupรงรฃo, do baixo controle das fronteiras e da economia dolarizada.

โ€œEles precisam controlar territรณrio para armazenar a droga da Colรดmbia, o que cria uma situaรงรฃo parecida com a do Mรฉxico, onde os rivais travam um guerra total contra o Estado e uns contra os outrosโ€, disse.

A expansรฃo dos cartรฉis mexicanos รฉ comprovada por uma sรฉrie de apreensรตes, prisรตes e testemunhos.

A presenรงa de Sinaloa รฉ mencionada em documentos do processo contra um dos lรญderes do cartel, Joaquรญn โ€œEl Chapoโ€ Guzmรกn. Trรชs sรณcios de Chapo confirmaram no julgamento, em Nova York, que atuam no Equador desde 2008.ย 

As apreensรตes tambรฉm mostram o papel crescente do paรญs no mercado internacional de drogas. Em janeiro, autoridades portuรกrias de Gรขmbia descobriram quase 3 toneladas de cocaรญna em um carregamento de sal originรกrio do Equador. 

Em agosto, a polรญcia equatoriana tomou um susto ao se deparar com 9,6 toneladas dentro de um depรณsito de รกgua mineral em Guayaquil. O valor de mercado do carregamento foi estimado em US$ 45o milhรตes โ€“ o dobro do que o governo reservou para a seguranรงa pรบblica no orรงamento de 2021. 

Ao avanรงo dos mexicanos se soma a presenรงa incรดmoda de bandas criminais (Bacrim) e das guerrilhas colombianas โ€“ Farc e ELN โ€“, que ainda controlam algumas rotas e usam o territรณrio equatoriano para escapar da perseguiรงรฃo militar do outro lado da fronteira. 

O cenรกrio multinacional corrobora a definiรงรฃo de Jay Bergman, ex-diretor da DEA (agรชncia antidrogas dos EUA) para a regiรฃo andina, que dizia que o Equador havia se transformado na โ€œONU do crime organizadoโ€.ย 

Paralelo com o Brasilย 

As cenas de barbรกrie nas prisรตes do Equador lembraram as rebeliรตes registradas no Brasil em 2017, nos Estados de Amazonas, Rio Grande do Norte e Roraima, quando 114 presos foram mortos nos primeiros dias daquele ano.

De acordo com o cientista criminal Ivรชnio Hermes, da rede e instituto de pesquisa Observatรณrio da Violรชncia (Obvio/RN), vinculada a Universidade Federal do Rio Grande do Norte, tanto o massacre equatoriano quanto os registrados em solo brasileiro tรชm em comum a falta de controle do sistema prisional pelas autoridades.

โ€œQuando o Estado nรฃo tem o controle adequado da seguranรงa pรบblica e nem do sistema prisional, รฉ como se isso fosse terceirizado para os criminosos, que passam a se sentirem donos de certos territรณrios – inclusive dos presรญdios. ร‰ esse mesmo tipo de disputa territorial que causou o que vimos em Manaus e o que estamos vendo em Guayaquilโ€, afirma.

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Combate

Desde que assumiu a presidรชncia do Equador, em maio, Lasso promete adotar medidas duras contra o narcotrรกfico e retomar a ordem nos presรญdios do paรญs que, em dois anos, passaram de um sistema de nรญvel mรฉdio de violรชncia para aquele com os piores massacres.ย 

Para o analista Basabe, mudar a situaรงรฃo vai levar anos. โ€œIsso se houver uma decisรฃo polรญtica forteโ€, ressalta. 

A importaรงรฃo de modelos distantes das realidades sรณcio-polรญticas dos paรญses e a falta de planejamentos executรกveis sรฃo apontadas pelo pesquisador Hermes como os principais obstรกculos no combate ao crime organizado na Amรฉrica do Sul. 

โ€œOs Estados sul-americanos ainda trabalham com ideias que compram de outros paรญses, onde nรฃo existem os mesmos abismos culturais e sociais… Isso faz com que eles continuem errando, sem um planejamento de seguranรงa com metas que vise tambรฉm a ressocializaรงรฃo e rompa com o ciclo vicioso que gerou o problemaโ€. 

Para o especialista, o caminho para um enfrentamento eficaz dos grupos narcos passa por uma integraรงรฃo mais eficaz dos sistemas de inteligรชncia entre os paรญses que estรฃo na rota desses grupos.

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Foto: reproduรงรฃo brasil.elpais.com