MPF pede suspensĂ£o de garimpos na calha do rio Negro (AM)

As atividades foram liberadas pelo General Augusto Heleno e passam por terras indĂ­genas

MPF mineraĂ§Ă£o

Publicado em: 10/05/2022 Ă s 06:47 | Atualizado em: 10/05/2022 Ă s 06:57

O MinistĂ©rio PĂºblico Federal (MPF) pediu, nesta segunda-feira (9), a suspensĂ£o da autorizaĂ§Ă£o de exploraĂ§Ă£o do garimpo em trechos do rio Negro que banham terras indĂ­genas praticamente intocadas na AmazĂ´nia.

O MPF pede que a AgĂªncia Nacional de MineraĂ§Ă£o (ANM) providencie a “imediata suspensĂ£o de todos os requerimentos ativos de pesquisa ou lavra minerĂ¡ria incidentes sobre as Terras IndĂ­genas MĂ©dio Rio Negro 1 e MĂ©dio Rio Negro 2, no MunicĂ­pio de SĂ£o Gabriel da Cachoeira/AM”.

Segundo o MPF, hĂ¡, no total, 33 requerimentos para lavra, pesquisa ou licenciamento dentro dessa Ă¡rea, a grande maioria relativos Ă  exploraĂ§Ă£o de ouro.

Como mostrou a Folha, o chefe do GSI (Gabinete de Segurança Institucional) da PresidĂªncia, general Augusto Heleno, autorizou o avanço de sete projetos de garimpo em Ă¡reas reservadas da AmazĂ´nia —cinco deles nos trechos citados do Rio Negro.

AlĂ©m de chefe do GSI, Heleno Ă© tambĂ©m secretĂ¡rio-executivo do Conselho de Defesa Nacional, posiĂ§Ă£o que lhe dĂ¡ a autoridade para dizer sim ou nĂ£o a empreendimentos de mineraĂ§Ă£o na fronteira.

Foi a primeira vez que uma decisĂ£o como essa ocorreu no Ă³rgĂ£o —que serve para aconselhar o presidente em assuntos de soberania e defesa— em pelo menos dez anos.

A pedido da reportagem, o Ipam (Instituto de Pesquisa Ambiental da AmazĂ´nia) analisou as coordenadas geogrĂ¡ficas dos sete projetos autorizados e identificou as cinco que tocam os trechos MĂ©dio Rio Negro 1 e MĂ©dio Rio Negro 2.

Nos dois espaços vivem 3.300 indĂ­genas, segundo base de dados atualizada pelo ISA (Instituto Socioambiental). Eles sĂ£o de 11 etnias diferentes: arapaso, baniwa, barĂ©, dĂ¢w, desana, koripako, mirity-tapuya, pira-tapuya, tariana, tukano e yuhupde.

A ConstituiĂ§Ă£o proĂ­be mineraĂ§Ă£o em terra indĂ­gena. Esse tipo de exploraĂ§Ă£o sĂ³ Ă© possĂ­vel se houver autorizaĂ§Ă£o pelo Congresso, o que nĂ£o ocorreu.

O governo Jair Bolsonaro (PL) quer liberar a mineraĂ§Ă£o nessas terras. Para isso, enviou em 2020 um projeto de lei ao Congresso que regulamenta a autorizaĂ§Ă£o a ser dada. A proposta estĂ¡ parada na CĂ¢mara.

Procurados, Heleno e GSI nĂ£o responderam atĂ© a publicaĂ§Ă£o deste texto.

O pedido do MPF foi feito pela procuradora Ariane Guebel de Alencar, da Procuradoria da RepĂºblica do estado do Amazonas.

Ela respondeu a uma aĂ§Ă£o pĂºblica ajuizada pelo deputado federal Elias Vaz de Andrade (PSB-GO) e pelo senador Jorge Kajuru (Podemos-GO).

“É preciso impedir o governo Bolsonaro de passar a boiada. Esperamos que a Justiça atenda o nosso pedido e suspenda a mineraĂ§Ă£o em terras indĂ­genas”, afirmou Elias Vaz.

AlĂ©m das cinco frentes em rio que divide os dois territĂ³rios, a maior Ă¡rea liberada pelo GSI —de 9.676 hectares— avança por outro territĂ³rio da UniĂ£o, apesar de o empreendimento responsĂ¡vel ter informado que a exploraĂ§Ă£o de ouro ocorreria em “propriedade de terceiros”.

Os mapas do Ipam mostram um imĂ³vel rural, mas a extensĂ£o da Ă¡rea inclui Ă¡rea preservada da UniĂ£o.

TĂ©cnicos do instituto, uma organizaĂ§Ă£o nĂ£o governamental de pesquisa cientĂ­fica, constataram que hĂ¡ um registro de CAR (Cadastro Ambiental Rural) para a Ă¡rea, colada ao Parque Nacional do Pico da Neblina. Isso significaria uma tentativa de apropriaĂ§Ă£o de uma Ă¡rea que Ă© pĂºblica, o que Ă© irregular.

Os mapas produzidos pelo Ipam nĂ£o apresentam a localizaĂ§Ă£o exata da sĂ©tima Ă¡rea autorizada pelo ministro do GSI.

Os projetos de garimpo autorizados por Heleno avançam em uma regiĂ£o conhecida como Cabeça do Cachorro, que fica em SĂ£o Gabriel da Cachoeira (AM), a cidade mais indĂ­gena do Brasil. 23 etnias vivem nessa parte do bioma amazĂ´nico.

As sete autorizações para a regiĂ£o de SĂ£o Gabriel da Cachoeira envolvem uma Ă¡rea de 12,7 mil hectares. Uma delas, alĂ©m de ouro, permite pesquisa de niĂ³bio e tĂ¢ntalo. Esse empreendimento Ă© o que estĂ¡ colado no Parque do Pico da Neblina.

ApĂ³s as revelações da Folha, o gabinete de Elias Vaz fez um mapeamento das Ă¡reas com conclusões semelhantes Ă  anĂ¡lise do Ipam e constatou ainda que a ANM negou autorizações de pesquisa de ouro em Ă¡reas vizinhas no rio Negro, com o argumento de que Ă© vedado esse tipo de exploraĂ§Ă£o em terra indĂ­gena.

Na aĂ§Ă£o civil assinada por ele e pelo senador Kajuru, sĂ£o listados 16 requerimentos. Em resposta ao MPF, a ANM listou um total de 33 requerimentos minerĂ¡rios dentro da regiĂ£o citada do Rio Negro.

Cabe agora Ă  Justiça acatar, ou nĂ£o, o pedido do MinistĂ©rio PĂºblico.

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