Longe dos olhos da opinião pública, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) se tornou uma espécie de “cemitério de operações”, selando o desfecho de investigações que incomodaram políticos e seus familiares, executivos, banqueiros e empresas privadas.
De 2011 para cá, as apurações da Castelo de Areia, Satiagraha, Boi Barrica, Operação França foram derrubadas por determinação do tribunal.
Agora, o caso das “rachadinhas” no antigo gabinete do senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ) na Assembleia Legislativa do Rio corre o risco de ter o mesmo fim.
No mês passado, a Quinta Turma do STJ anulou a quebra do sigilo bancário e fiscal do filho do presidente Jair Bolsonaro, esvaziando a denúncia contra o parlamentar por peculato, lavagem de dinheiro e organização criminosa.
Outros dois recursos do senador – que contestam o compartilhamento de informações do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) e a competência do juiz Flávio Itabaiana para cuidar da apuração na primeira instância – podem dinamitar a apuração e levar o caso à estaca zero.
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O julgamento, previsto para ser retomado na terça-feira passada, foi adiado por decisão do relator, Felix Fischer. “A gente sabe que o que está sendo feito nesse caso é prejudicar o combate à corrupção”, afirmou o diretor executivo da ONG Transparência Brasil, Manoel Galdino. “O que diferenciou a Lava Jato e o mensalão é que esses casos passaram muito mais pelo STF do que pelo STJ, e aí o STF foi menos leniente com a corrupção.”
Seis ministros do STJ em atividade ouvidos pela reportagem nos últimos dias divergem sobre o rótulo de “cemitério de operações” atribuído ao tribunal. Para uma ala, não é de hoje que o STJ merece a alcunha e virou uma espécie de “casa de passagem” em que alguns magistrados tentam se cacifar e ser promovidos ao Supremo Tribunal Federal (STF), considerado o topo da carreira.
Outros ministros, no entanto, avaliam que o STJ assume o ônus de impor limites, verificar se os procedimentos legais estão sendo cumpridos e corrigir a “lambança” de investigações que tramitam em instâncias inferiores.
No caso de Flávio Bolsonaro, a Quinta Turma do STJ entendeu que a decisão que determinou a quebra do sigilo bancário e fiscal de Flávio Bolsonaro e outros 94 alvos não foi devidamente fundamentada, como exige a lei. “O magistrado não se deu ao trabalho de adotar de forma expressa as razões do pedido (do Ministério Público), apenas analisou os argumentos, concluindo que a medida era importante. A decisão é manifestamente nula”, criticou o ministro João Otávio de Noronha no julgamento do recurso.
Noronha é um dos três integrantes do STJ que estão cotados para a vaga que será aberta no Supremo, em julho, com a aposentadoria do ministro Marco Aurélio Mello.
Também estão no páreo o presidente do STJ, Humberto Martins, que é evangélico, e o ministro Luis Felipe Salomão, relator de ações do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) que investigam a campanha de Bolsonaro à Presidência da República em 2018.
Esvaziamento de operações policiais
O esvaziamento de operações policiais é uma história recorrente em julgamentos do STJ. Em abril de 2011, a Sexta Turma derrubou grampos feitos no âmbito da Castelo de Areia, operação que atingiu políticos e construtoras suspeitos de envolvimento num esquema de desvio de verbas públicas. Na época, as provas obtidas a partir de escutas telefônicas foram anuladas pelo tribunal porque haviam sido autorizadas com base em denúncia anônima, o que foi considerado ilegal.
A procuradora da República Karen Kahn, que atuou na investigação da Castelo de Areia, ressalta que cabe à Justiça a resolução dos conflitos, mas, ainda segundo ela, não se consegue isso “abortando” as apurações. “Não houve a solução do conflito, não se deu a pacificação social, no sentido da efetiva apuração dos fatos”, afirmou. “Os fatos incriminados que chegaram a ser revelados e comprovados acabaram sendo silenciados, lançados para debaixo do tapete”, completou. “É daí que advém o sentimento e a efetiva situação de impunidade.”
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Foto: divulgação